7.1.15

Crianças deprimidas. São cada vez mais e mais novas

Por Rosa Ramos, in iOnline

A crise, o desemprego dos pais, o stresse e a pressão de ser melhor são algumas das razões apontadas pelos especialistas para o aumento de casos. Cabe aos pais ajudar a ultrapassar

António nunca acreditou em depressões, muito menos em crianças. Por isso, quando o filho de 15 anos começou a trancar-se no quarto depois de a namorada o ter deixado, reagiu mal. Um mês depois, quando Bruno deixou de ir à escola e de aparecer nos treinos de futebol, António decidiu adoptar uma postura ainda mais agressiva. Sem resultados: o filho parecia não se importar com nada. Uma tarde, a seguir a uma discussão, Bruno tomou uma caixa inteira de comprimidos e acabou internado no hospital. A seguir foi-lhe diagnosticada uma depressão.

Há cada vez mais crianças e adolescentes deprimidos nos consultórios dos pedopsiquiatras e psicólogos infantis e nos hospitais. Além de estar a aumentar nestas faixas etárias, a depressão manifesta-se cada vez cedo. “Se há uns anos os primeiros sintomas começavam a surgir geralmente na pré-adolescência, hoje atingem crianças com três, quatro anos”, confirma a psicóloga infantil Rita Jonet.

A culpa, acreditam os especialistas com quem o i falou, é sobretudo do clima económico e das dificuldades que as famílias atravessam. “O desemprego e os problemas dos pais levam a quadros de depressão e ansiedade nos jovens e isso tem-se reflectido nas consultas, quer no consultório quer no hospital”, admite o psiquiatra Daniel Sampaio, que trabalha com adolescentes.

O presidente da Comissão Nacional da Saúde da Mulher, da Criança e do Adolescente sublinha que, mesmo sendo muito pequenas, as crianças apercebem-se dos dramas domésticos. “Há famílias em que pai e mãe estão desempregados e não têm dinheiro, sequer, para comprar os livros escolares”, exemplifica Bilhota Xavier. Rita Jonet acrescenta que os filhos são “esponjas” que absorvem o ambiente que encontram em casa: “Pais extremamente ansiosos, preocupados, pessimistas e angustiados em relação ao futuro passam esses estados de espírito para os filhos”.

O pediatra Mário Cordeiro avisa, por outro lado, que os pais – com determinadas conversas – contribuem para o mal-estar dos filhos: “Por vezes damos uma perspectiva da vida adulta muito negra, como se fosse um corredor da morte e houvesse um determinismo de impostos, corrupção e cortes, quando a vida de adulto tem preocupações, mas também momentos felizes e deve significar, para as crianças, ser mais livre e ter mais autonomia.”

Nem só a crise explica o aumento de casos de depressão na infância e na adolescência. Bilhota Xavier realça a “grande pressão” que é colocada em cima das crianças, desde cedo, para que sejam competitivas e obtenham bons resultados – na escola e nas actividades em que participam: “As famílias conhecem as dificuldades que existem no mercado de trabalho e os números do desemprego jovem. Por isso, muitos pais colocam demasiada pressão nos filhos para que consigam tirar médias mais altas e serem sempre os melhores, de maneira garantir um bom futuro”.

O stresse é, por outro lado, cada vez mais uma característica presente na vida das crianças. Alguns pais, sublinha Rita Jonet, exageram no número de actividades que proporcionam aos filhos. Por excesso de zelo e por desejarem que tenham uma vida boa. Entre ténis, aulas de ballet e de natação, as crianças são obrigadas a entrar numa correria diária, stressante e desenfreada, deixando de ter tempo para serem crianças. “Para estarem sozinhas e se auto-estimularem”. Além disso, falta silêncio na educação de hoje. “Entre a televisão e o tablet, os mais novos não aprendem a estar em silêncio. Habituam-se a receber constantemente estímulos exteriores e, quando não os recebem, sentem um vazio com o qual não conseguem lidar”, explica a psicóloga infantil. Os divórcios mal resolvidos e situações de violência doméstica – que as estatísticas mostram estar a aumentar – são outras causas apontadas pelos especialistas para o aumento das depressões em jovens e crianças.
Em famílias estruturadas, e nos casos em que os pais até têm emprego, o problema é outro: a falta de tempo para estar, em pleno, com os filhos. “Sem ter a cabeça cheia de coisas que aconteceram no trabalho e ouvindo o que eles têm para dizer”, defende Rita Jonet. Daniel Sampaio sublinha que é um mito que os adolescentes não queiram falar com os pais. Por isso, ter tempo para a vida em família é fundamental.

O meu filho está deprimido? Há sinais a que os pais devem estar atentos. Na adolescência, a tristeza constante e prolongada não deve ser encarada com ligeireza. Sobretudo se for acompanhada por sinais somáticos – como excesso de peso ou magreza extrema, insónias, isolamento dos amigos e das amizades virtuais, ausência de comunicação, perda de interesse por actividades que antes eram importantes, desinteresse por tudo, quebra no rendimento escolar. E eventuais tentativas de suicídio nunca devem entendidas como meras chamadas de atenção. “Quando um adolescente fala em suicídio deve ser levado a sério”, avisa Daniel Sampaio.

No caso das crianças, é mais difícil descortinar os sintomas de depressão. “Porque cada criança reage à sua maneira e há até crianças que manifestam a depressão através da euforia e da alegria e actividade exageradas”, explica Rita Jonet. Umas podem deixar de comer, outras de brincar. Mas o principal sinal de alerta é sempre uma mudança brusca de comportamento. Independentemente das idades em causa, os pais devem procurar comunicar e compreender os filhos. Sem serem demasiado permissivos, mas sem adoptar um tom paternalista ou rígido. “A melhor maneira de ajudar é ouvir com atenção e, a partir daí, mostrar que é possível encontrar uma alternativa”, aconselha Daniel Sampaio.

Um ano depois da tentativa de suicídio, Bruno continua a ser seguido por um pedopsiquiatra e está a reaprender a gostar de viver. O pai, António, também teve de fazer um conjunto de aprendizagens: “Compreendi que a depressão é realmente uma doença. E hoje admito que talvez tenha sido demasiado duro com ele em alguns momentos. Não era só um coração partido”.