28.1.15

Sem "vergonha", Europa volta a permitir "novo êxodo" de judeus

Por Diogo Vaz Pinto, in iOnline

Merkel recorda a "responsabilidade eterna" que recai sobre os ombros da Alemanha de recordar o Holocausto e proteger os judeus no mundo

A data, o septuagésimo aniversário da libertação de Auschwitz, faz o futuro baixar a cabeça para ser arrastada de volta ao passado, com inúmeras cerimónias a assinalar um dos mais sangrentos episódios na saga da perseguição aos judeus na Europa e um pouco por todo o mundo. Mas se é certo que a história se repete, uma cultura de ódio que nunca foi reeducada tem por estes dias uma série de manifestações que permitem temer um novo êxodo da comunidade judaica da Europa. O aviso vem do chefe do Congresso Judaico Europeu, Moshe Kantor. Também a chanceler alemã, Angela Merkel, disse ontem que o facto de nos dias de hoje os judeus ainda terem de suportar na Alemanha insultos, ameaças ou violência é "vergonhoso".

Ao lado de alguns dos sobreviventes de Auschwitz, a líder alemã foi para lá da solenidade sempre tão barata nestas cerimónias e trouxe convicção a um evento na capital alemã, que, sendo comovente, não separou a assombração do passado de uma ameaça que no máximo dorme do outro lado da porta, deixando um olho aberto.

Auschwitz, sublinhou Merkel, é um "aviso" daquilo que as pessoas são capazes de fazer umas às outras. Falou no orgulho de um país que apesar do fardo histórico que carrega é ainda a casa de mais de 100 mil judeus. Por outro lado, disse que, "infelizmente, não sem razão", muitos hoje voltam a recear ser alvo de insultos ou de ataques. "É uma vergonha que as pessoas na Alemanha sejam vitimadas, ameaçadas ou atacadas quando de algum modo dão sinais de ser judias ou quando assumem posições favoráveis ao estado de Israel", acentuou. E foi ainda mais clara ao notar que as sinagogas e as instituições judaicas terem de ser vigiadas pela polícia é "uma mancha no nosso país".

E aqui, para que não venham os eternos "mas" e as comuns ressalvas, Merkel pôs acima de tudo a "eterna responsabilidade" que pesa sobre os alemães no sentido de não deixar que sejam esquecidos os horrores desencadeados pelos nazis, e que a memória do Holocausto molda a própria imagem que a Alemanha tem de si mesma. "Entre nós, todos terão de se sentir capazes de viver em liberdade e em segurança, independentemente da sua religião ou origem."

Num fórum sobre o Holocausto na capital da República Checa, Praga, o líder da comunidade judaica europeia Moshe Kantor afirmou que "o jihadismo está muito próximo do nazismo". "Pode-se até dizer que são as duas faces de um mesmo mal." Sem especificar números, repetiu o que vários líderes da comunidade têm dito ao longo das últimas semanas: que a tensão e o anti-semitismo na Europa "estão prestes" a provocar um novo êxodo do Velho Mundo.

Na semana passada, o primeiro vice- -presidente da Comissão Europeia, Frans Timmermans, protagonizou um eloquente discurso defendendo que a Europa enfrenta um "enorme desafio" que passa por tranquilizar os judeus quanto à segurança do seu futuro no continente que, ao longo da história, procurou expulsar ou extinguir esta comunidade.

Em França - país que abriga a maior comunidade judaica da Europa, estimada em cerca de 600 mil -, no rescaldo dos ataques do início do mês ao "Charlie Hebdo" e a um supermercado kosher, muitos estão com medo de não atender aos primeiros sinais de hostilidade, como os milhões de judeus que acabaram por ser exterminados pelos nazis.

De acordo com dados revelados pela polícia de Londres, os crimes com motivação anti-semita mais que duplicaram na capital no período de 12 meses até Novembro do ano passado. As sondagens indicam que quase metade dos judeus britânicos receiam não ter, a longo prazo, um futuro, seja ali, seja em algum outro país europeu.

Falando em Bruxelas sobre estes receios da comunidade judaica europeia, Frans Timmermans disse que o desafio de segurar a população judaica é um teste à firmeza dos pilares sobre os quais assenta o projecto de integração europeia. "Podemos ficar a discutir até o céu fazer desabar os problemas do euro, dos mercados internos, sobre a próxima iniciativa que pretendemos adoptar, qualquer que ela seja, mas se falhar este valor fundamental na sociedade europeia - que nos garante que há espaço para todos, independentemente dos seus credos, origens, raça ou opções que façam na vida em sociedade -, se isto for posto em causa, então temos de responder a este desafio com uma política que ofereça esperança e um futuro para todos na sociedade europeia."