28.1.15

Para os sobreviventes as memórias de Auschwitz não se apagam

Clara Barata, in Público on-line

Muitos dos que saíram vivos dos campos de concentração nazis continuam a ter comportamentos motivados pela experiência traumatizante que marcou as suas vidas.

Aos 91 anos, o rosto da polaca Zofia Posmysz ainda se crispa de emoção e de terror ao recordar o que passou em Auschwitz. “Ninguém pode imaginar o grito de uma pessoa que está a morrer electrocutada”, conta. “À noite, as raparigas desesperadas atiravam-se contra as cercas electrificadas para pôr fim à vida. Era horrível. Era mesmo horrível.”

Os últimos sobreviventes de Auschwitz são anciãos – têm 80, 90 anos e até mais. São frágeis, e carregam memórias muito pesadas Os mortos que não suportavam mais o sofrimento do campo são o maior peso que Zofia Posmys carrega. “Vi cadáveres de pessoas que se enforcaram no arame farpado. E à noite éramos acordadas por gritos medonhos”, contou à AFP a antiga prisioneira número 7566.

Cerca de metade dos 114 mil sobreviventes do Holocausto que vivem hoje nos Estados Unidos habitam na área metropolitana de Nova Iorque, e têm uma idade média de 79 anos. Metade deles morreram na última década e pelo menos metade dos que restam devem morrer nos próximos sete anos, disse à Reuters said Hillary Kessler-Godin, porta-voz da Conferência de Pedidos de Indemnização Judaicos contra a Alemanha.

A maioria é pobre, e precisa de um apoio especial, por causa do stress, que os afectou para toda a vida, bem como a má-nutrição. Em Auschwitz, como noutros campos de concentração, os que não eram mortos de imediato eram forçados a trabalhar quase sem alimentos. Eram mortos de fome e de trabalho, e deixados ao frio.

Muitos continuam a ter comportamentos motivados pela experiência traumatizante que marcou as suas vidas: acumulam e escondem comida, e não conseguem confiar em ninguém. E recusam-se a tomar duches, pois esse era o engodo usado para levar os prisioneiros a entrar nas câmaras de gás onde eram mortos.

As memórias são coisas difíceis de largar. Hy Abrams, 90 anos, tem uma agenda pequenina, de capa azul, onde escreveu os nomes que o assombram ainda, passados 70 anos: Auschwitz, Plaszow, Mauthausen, Melk and Ebensee.

Foram os campos de concentração por onde passou este checo que hoje vive em Brooklyn, Nova Iorque, desde que soldados da Alemanha nazi o levaram e o separaram da sua mãe, pai, irmão e três irmãs. “À noite via as chaminés, o fogo e o fumo”, que cheirava a carne, recordou à Reuters. “Aquele fogo é para onde ia o nosso pai e a nossa família”.

Abrams nunca mais viu os pais, mas ainda vislumbrou as três irmãs, quando foi de Auschwitz para o campo de Plaszow, também na Polónia, onde o puseram a fabricar botas para os militares alemães. Com o cabelo rapado, reduzidas a ossos por causa da fome, não tinham nada a ver com as bonitas raparigas que eram. Uma chamou-o e perguntou pela mãe, mas ele não respondeu. “Estava tão deprimido que nem consegui olhar para o sítio de onde vinha a voz”, contou Abrams, quase a sufocar de emoção. “Isto pesa-me na consciência.”

Golda Pollac, de 89 anos, também vive hoje em Brooklyn, mas a sua história começou na Roménia. Nunca mais viu os pais desde que chegou a Auschwitz. Ela tinha 19 anos, e acabou por ser enviada para um campo de trabalho, para Buchenwald, onde trabalhou numa fábrica de aviões. Raparam-lhe o cabelo e tatuaram-lhe um número no braço – que passou a ser a sua única identificação, como acontecia a todos os que entravam nos campos de concentração nazis.

Durante as marchas forçadas de campo para campo, ela arrancava erva do chão, para tentar não morrer de fome. “Eu dizia: ‘Há o Céu e aqui é o Inferno. Agora estamos no Inferno. Aqui as pessoas fazem tudo.”