14.1.15

Pedro Mexia: "Não há nenhuma razão para crer que as coisas vão sempre melhorar"

por Pedro Rios (texto) e Joana Bourgard (vídeo), in RR

É poeta, crítico literário e comentador político. Desconfia das soluções radicais ou populistas que despontam na Europa. Mas relativiza: "O poder tende a dissolver o radicalismo". Sobre os atentados de Paris, diz que o problema é sério, mas a resposta não pode passar por "identificar o islão com o terrorismo".

Não é preciso ser "pessimista crónico", como Pedro Mexia se autoclassifica, para estar preocupado. Os ataques em Paris lembram que há um problema ligado ao islamismo radical a que a Europa tem de responder, avisa. "Só não vê quem não quer, só menoriza quem quer."

Perante uma Europa em que despontam forças políticas distantes do tradicional centro que construiu o "consenso europeu", o poeta, crítico literário e comentário lembra que os progressos associados ao Estado Social "foram conquistados com contributos vários e pressões várias, mas pelos partidos do 'centrão'".

Diz-se um pessimista crónico. Nessa pele, como vê os atentados de Paris?
Infelizmente, não é preciso ser pessimista para perceber o que se passou com este atentado/execução. Há talvez 25 anos, talvez desde o caso [Salman] Rushdie, que temos visto suceder uma série de casos por causa de artigos, filmes, textos, opiniões políticas ou outras formas de exercer a liberdade de expressão – ou simplesmente de andar em transportes públicos, como foi o caso [dos atentados] de Madrid e Londres. São atentados ligados ao islamismo radical, só não vê quem não quer, só menoriza quem quer.

Infelizmente, tendemos a fugir da identificação do problema porque existem forças políticas na Europa que a esse problema dão uma resposta que nos desagrada, como os partidos fascistas ou fascizantes, a Frente Nacional, etc.. É evidente que essa não é a resposta, a resposta não é identificar o islão com terrorismo, fechar as portas, estigmatizar os emigrantes. Mas o facto de essa não ser a resposta não significa que não haja uma pergunta séria para fazer.

A liberdade é precisamente a possibilidade que se façam, digam, escrevam e aconteçam coisas que cada um de nós, pessoalmente, não aprova. Eu não gosto particularmente do "Charlie Hebdo", não é um jornal em que me reconheça…

E não era um jornal com grandes vendas.
Sou totalmente insuspeito para o dizer porque sou católico e não tenho nenhuma simpatia por um discurso agressivamente anti-religioso. A liberdade de expressão também nasceu com a liberdade religiosa, com a liberdade de criticar as religiões e de não ter religião nenhuma. Não gosto de muitas das coisas que se escrevem sobre a Igreja Católica e sobre o Papa (não posso dizer que me choquem, propriamente), às vezes acho de mau gosto. Mas continuo a minha vida como toda a gente.

2015 pode ser o ano dos partidos de fora do centro? Temos a Frente Nacional em França, o Podemos em Espanha, Marinho Pinto em Portugal e o Syriza, na Grécia, que lidera as sondagens das eleições de dia 25.
Um ponto prévio bastante importante: os gregos têm o direito de escolher o governo que querem sem nenhuma espécie de intervenção, de ameaça, de sugestão. Os gregos não perderam a sua soberania política e eleitoral. Toda a gente sabe a política económica e financeira que um país segue estando integrado num espaço comum como a União Europeia, mas não é preciso estar a lembrá-lo como se fosse uma tutela, uma ameaça ou um acto de paternalismo.

E Bruxelas tem feito essa ameaça?
Bastante, bastante. Não me parece uma boa maneira de os órgãos da União Europeia procederem com os países membros. Os gregos têm de votar de acordo com aquilo que entenderem.

Segundo ponto: parece-me que o Syriza, à medida que tem uma perspectiva mais realista de chegar ao poder, tem mudado algumas coisas, às vezes discretamente, no seu discurso. Aquilo que aconteceu com governos socialistas "mainstream" – uma viragem ao centro quando chegaram ao poder ou quando se aproximaram do poder – também pode acontecer.

Há quem ache que uma política diferente daquela que tem vindo a ser seguida, uma política fortemente antiausteridade, pode ser a salvação e veremos; outros dirão que pode ser uma catástrofe e veremos; e outros ainda dizem que pode ser uma catástrofe e ainda bem, que é aquela tese que havia nos anos 70 em Portugal quando Kissinger achava que, a seguir à revolução, o poder devia cair na mão dos comunistas para os portugueses verem como é.

A austeridade, na maioria dos países, não tem tido resultados extraordinários, mas o contrário disto tudo teria resultado? Não sabemos porque ninguém tentou. Mesmo quem foi eleito com um programa vagamente antiausteridade recuou quando viu as contas.

A Europa poderia ganhar com um sobressalto como a vitória do Syriza?
Não acredito que a prática antiausteridade também tenha muitas pernas para andar. O pacote de medidas estatais e de apoios estatais que o Syriza propõe é gigantesco, não consigo perceber como é que um país que é a "lanterna vermelha" da Europa, que está em total colapso e dependente de ajuda externa, vai aplicar todos aqueles planos de apoio social, de aumento de impostos às empresas sem que as empresas que restam fujam. Se estivéssemos a falar num laboratório seria interessante tentar, mas estamos a falar de um país que já está em muito mau estado.

Enquanto não for testada, a antiausteridade vai continuar a parecer o remédio ideal. Mas se testarmos e não for o remédio o desespero ainda será maior: isto é péssimo e não há alternativa. Eu não sei se não há alternativa, a economia para mim neste momento está na mesma categoria do vudu em relação ao que sabe, ao que prevê e ao que consegue.

Há um sentimento anti-regime que se ouve nas ruas e pulula nas redes sociais e nos comentários dos "sites" noticiosos. Como é que o conservador Pedro Mexia vê a ideia de que isto precisa de uma vassourada?
Há movimentos de natureza muito diferente, mas todos os males que nos tenham trazido ou possam trazer as políticas conservadoras, liberais, social-democratas ou socialistas são sempre melhores do os comunismos e os fascismos. Não tenho nenhuma simpatia pelo discurso anticentrista e radical.

Mas agora há movimentos quase pós-ideológicos, que cruzam elementos de esquerda e de direita.
Existe uma certa amálgama política que me parece muito perigosa. O próprio Podemos, que poderia ser definido como um partido de extrema-esquerda, recusa usar as palavras "esquerda" e "direita" porque existe um clima de insatisfação que ultrapassa a esquerda e a direita. Só que tudo o que ultrapassa a distinção entre "esquerda" e "direita" é um puro descontentamento porque ou se é estatista ou não, ou se é pela liberalização dos costumes ou contra, etc., etc.. Não se pode fazer uma amálgama e dizer: eu sou contra o que está mal. Politicamente isso é zero. Pode valer pelo carisma de um político, a voz grossa, ou o que for.

O caso Marinho e Pinto é um bocadinho isso. É uma figura um pouco atípica: é um homem de esquerda, mas tem algumas posições que só a direita radical é que tem, nomeadamente sobre as questões ligadas à homossexualidade; parece um populista, mas nas últimas semanas tem sido um defensor de José Sócrates, afastando-se do discurso populista e justicialista de alguma imprensa. É um caso um bocadinho atípico, mas vai dar ao mesmo porque o que é aquela plataforma política a não ser um grito de revolta?

Esse tipo de partidos fazem perguntas pertinentes e exprimem preocupações reais da sociedade, mas não têm uma estrutura ideológica consequente. Evidentemente que é fácil estar indignado com a política italiana – e se as pessoas continuam a aceitar a existência política de uma figura como Berlusconi por que não aceitar um comediante como Beppe Grillo? Mas [o movimento 5 Estrelas, de Grillo] não é um partido sério, na maneira como se comporta no Parlamento, como usa piadas de internet, sexistas às vezes, no Parlamento. Não sei se é nesse tipo de políticos em que se deve pôr a esperança.

Forças políticas como essa vão crescer?
Nas democracias há uma coisa fatal para os partidos radicais: chegarem ao poder ou perto do poder. Tem havido algumas reportagens sobre câmaras ganhas em França pela Frente Nacional. Com uma ou duas excepções, os políticos da Frente Nacional não sabem muito bem o que fazer quando chegam ao poder. Têm o "chip" da contestação tão enraizado que é um bocadinho como chegar à idade adulta: quando a culpa já não é dos outros o que é que se faz? O poder tende a dissolver o radicalismo.

Em 2014 a troika saiu do país. Portugal parece-se com aquele que imaginava em 2011, quando começou o programa?
Não esperava muito da actual maioria quando foi eleita, mas esperava que a reforma do Estado, que é necessária, fosse feita de uma forma mais radical. Dizia-se muito que havia fundações com apoios estatais a mais – e há – e fez-se uma lista das fundações que não faziam sentido. A conclusão: disse-se às fundações que se deviam extinguir. Claro que 90 e tal por cento não acataram essa recomendação.

Por outro lado, foi demasiado radical noutras coisas. Eu compreendo perfeitamente os sacrifícios, compreendo até o brutal aumento de impostos. Tenho muita dificuldade com as pensões, seja qual for o valor ou percentagem: é muito diferente pedir sacrifícios a pessoas na vida activa e a reformados. Percebo mal essa insensibilidade. Por outro lado, também percebo mal que o Estado não afaste do sector público várias coisas absurdas. Não sou contra a existência de canais públicos de televisão, mas acho absurdo – já não vou falar da Liga dos Campeões, isso é grotesco – que os contribuintes paguem concursos, novelas, futebol.

Também acho que entregar a rede energética não a privados, mas a estados estrangeiros é uma coisa bastante complicada. Não percebo que a energia esteja nas mãos de um Estado estrangeiro e que esse Estado estrangeiro seja a China – não percebo, não consigo perceber.

O que me leva a perguntar: o que é hoje a pátria, o que é hoje isso de ser português? Sentimos mais a noção de pátria no discurso do PCP do que no de outros partidos.
O capital não tem pátria. A partir do momento em que o capitalismo triunfou no Ocidente, em que não tem fronteiras que correspondam às fronteiras dos países e em que estamos no mercado aberto, a noção de pátria fica claramente afectada.

Quando apareceu a senhora Thatcher, alguns filósofos conservadores, nomeadamente o Roger Scruton, avisaram: atenção, a ideia que o mercado regula tudo é destruidora para um conservador porque o mercado é destrutivo da ideia de família, de pátria, de religião.

Não acredito em todas as experiências do capitalismo, sobretudo do capitalismo financeiro, mas enquanto sistema de liberdade económica é preferível. Mas isso e a integração europeia provocam uma grande erosão em valores [como a noção de pátria]... Tenho uma visão bastante tranquila da noção de pátria. Não sou daquelas pessoas que professam nojo pelo seu próprio país, mas também não sou um patriota ardente. Conheço muitas poucas pessoas que se considerem europeias antes de serem portuguesas, dinamarquesas ou espanholas.

A noção de futuro colectivo também está em crise? Temos uma geração de jovens que espera viver pior do que os pais, o que já não acontecia há algum tempo.
Não há nenhuma razão para crer que as coisas vão sempre melhorar. Os retrocessos, no caso do capitalismo, têm sido todos transitórios. O capitalismo sobreviveu a 29, ao "crash" dos anos 80 e vamos ver como sobrevive, ou não, à actual crise. Por outro lado, isso também nos faz valorizar aquilo que foi conseguido nestas décadas. Houve progressos enormes nos vários países, em Portugal também. E os progressos em termos daquilo a que chamamos de Estado Social foram conquistados com contributos vários e pressões várias, mas pelos partidos do "centrão" – pelos partidos socialistas e democratas-cristãos e conservadores.

Sabemos como o Estado Providência se baseou numa pirâmide demográfica, numa taxa de natalidade e numa reposição geracional que não são as que temos. A ideia desta máquina é boa, mas já não tem pilhas. Então, temos que mudar as pilhas. As pessoas dizem muito "vejam onde nos trouxeram os partidos moderados". Mas depois dizem "não nos tirem todas as regalias que os partidos moderados conquistaram".