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14.1.15

Charlie Hebdo: uma reflexão difícil

Boaventura Sousa Santos, in Público on-line

Não estamos perante um choque de civilizações, até porque a cristã tem as mesmas raízes que a islâmica. Estamos perante um choque de fanatismos, mesmo que alguns deles não apareçam como tal por nos serem mais próximos.

O crime hediondo que foi cometido contra os jornalistas e cartoonistas do Charlie Hebdo torna muito difícil uma análise serena do que está envolvido neste ato bárbaro, do seu contexto e seus precedentes e do seu impacto e repercussões futuras. No entanto, esta análise é urgente, sob pena de continuarmos a atear um fogo que amanhã pode atingir as nossas consciências. Eis algumas das pistas para tal análise.

A luta contra o terrorismo, tortura e democracia. Não se podem estabelecer ligações diretas entre a tragédia do Charlie Hebdo e a luta contra o terrorismo que os EUA e seus aliados têm vindo a travar desde o 11 de setembro de 2001. Mas é sabido que a extrema agressividade do Ocidente tem causado a morte de muitos milhares de civis inocentes (quase todos muçulmanos) e tem sujeitado a níveis de tortura de uma violência inacreditável jovens muçulmanos contra os quais as suspeitas são meramente especulativas, como consta do recente relatório presente ao Congresso norte-americano. E também é sabido que muitos jovens islâmicos radicais declaram que a sua radicalização nasceu da revolta contra tanta violência impune. Perante isto, devemos refletir se o caminho para travar a espiral de violência é continuar a seguir as mesmas políticas que a têm alimentado como é agora demasiado patente. A resposta francesa ao ataque mostra que a normalidade constitucional democrática está suspensa e que um estado de sítio não declarado está em vigor, que os criminosos deste tipo, em vez de presos e julgados, devem ser abatidos, que este facto não representa aparentemente nenhuma contradição com os valores ocidentais. Entramos num clima de guerra civil de baixa intensidade. Quem ganha com ela? Certamente não o partido Podemos em Espanha ou o Syriza na Grécia.

A liberdade de expressão. É um bem precioso mas tem limites, e a verdade é que a esmagadora maioria deles são impostos por aqueles que defendem a liberdade sem limites sempre que é a "sua" liberdade a sofrê-los. Exemplos de limites são imensos: se em Inglaterra um manifestante disser que David Cameron tem sangue nas mãos, pode ser preso; em Franças, as mulheres islâmicas não podem usar o hijab; em 2008 o cartoonista Maurice Siné foi despedido do Charlie Hebdo por ter escrito uma crónica alegadamente antissemita. Isto significa que os limites existem, mas são diferentes para diferentes grupos de interesse. Por exemplo, na América Latina, os grandes media, controlados por famílias oligárquicas e pelo grande capital, são os que mais clamam pela liberdade de expressão sem limites para insultar os governos progressistas e ocultar tudo o que de bom estes governos têm feito pelo bem-estar dos mais pobres. Aparentemente, o Charlie Hebdo não reconhecia limites para insultar os muçulmanos, mesmo que muitos dos cartoons fossem propaganda racista e alimentassem a onda islamofóbica e anti-imigrante que avassala a França e a Europa em geral. Para além de muitos cartoons com o Profeta em poses pornográficas, um deles, bem aproveitado pela extrema-direita, mostrava um conjunto de mulheres muçulmanas grávidas, apresentadas como escravas sexuais do Boko Haram, que, apontando para a barriga, pediam que não lhes fosse retirado o apoio social à gravidez. De um golpe, estigmatizava-se o islão, as mulheres e o Estado social. Ao longo dos anos, a maior comunidade islâmica da Europa foi-se sentindo ofendida por esta linha editorial, mas igualmente foi pronta no seu repúdio deste crime bárbaro. Devemos, pois, refletir sobre as contradições e assimetrias na vida vivida dos valores que cremos serem universais.

Tolerância e "valores ocidentais". O contexto em que o crime ocorreu é dominado por duas correntes de opinião, nenhuma delas favorável à construção de uma Europa inclusiva e intercultural. A mais radical é frontalmente islamofóbica e anti-imigrante. É a linha dura da extrema-direita em toda a Europa e da direita, sempre que se vê ameaçada por eleições próximas (o caso de Antonis Samara na Grécia). Para esta corrente, os inimigos da nossa civilização estão entre nós, odeiam-nos, têm os nossos passaportes, e a situação só se resolve vendo-nos nós livres deles. A outra corrente é a da tolerância. Estas populações são muito distintas de nós, são um fardo, mas temos de as "aguentar", até porque nos são úteis; no entanto, só o devemos fazer se elas forem moderadas e assimilarem os nossos valores. Mas o que são os "valores ocidentais"? Depois de muitos séculos de atrocidades cometidas em nome deles dentro e fora da Europa – da violência colonial às duas guerras mundiais –, exige-se algum cuidado e muita reflexão sobre o que são esses valores e por que razão, consoante os contextos, ora se afirmam uns ora se afirmam outros. Por exemplo, ninguém põe hoje em causa o valor da liberdade, mas já o mesmo não se pode dizer dos valores da igualdade e da fraternidade. Ora, foram estes dois valores que fundaram o Estado social de bem-estar que dominou a Europa democrática depois de Segunda Guerra Mundial. No entanto, nos últimos anos, a proteção social, que garantia níveis mais altos de integração social, começou a ser posta em causa pelos políticos conservadores e é hoje concebida como um luxo inacessível para os partidos do chamado "arco da governabilidade". A crise social causada pela erosão da proteção social e pelo aumento do desemprego, sobretudo entre jovens, não será lenha para o fogo do radicalismo por parte dos jovens que, além do desemprego, sofrem a discriminação étnico-religiosa?

O choque de fanatismos, não de civilizações. Não estamos perante um choque de civilizações, até porque a cristã tem as mesmas raízes que a islâmica. Estamos perante um choque de fanatismos, mesmo que alguns deles não apareçam como tal por nos serem mais próximos. A história mostra como muitos dos fanatismos e seus choques estiveram relacionados com interesses económicos e políticos que, aliás, nunca beneficiaram os que mais sofreram com tais fanatismos. Na Europa e suas áreas de influência é o caso das cruzadas, da Inquisição, da evangelização das populações coloniais, das guerras religiosas e da Irlanda do Norte. Fora da Europa, uma religião tão pacífica como o budismo legitimou o massacre de muitos milhares de membros da minoria tamil do Sri Lanka; do mesmo modo, os fundamentalistas hindus massacraram as populações muçulmanas de Gujarat em 2003; é também em nome da religião que Israel continua a impune limpeza étnica da Palestina e que o chamado Emirado Islâmico massacra populações muçulmanas na Síria e no Iraque. Várias perguntas sem resposta por agora. A defesa da laicidade sem limites numa Europa intercultural, onde muitas populações não se reconhecem em tal valor, será afinal uma forma de extremismo? Os diferentes extremismos opõem-se ou articulam-se? Quais as relações entre os jihadistas e os serviços secretos ocidentais? Por que é que os jihadistas do Emirado Islâmico, que são agora terroristas, eram combatentes de liberdade quando lutavam contra Kadhafi e contra Assad? Como se explica que o Emirado Islâmico seja financiado pela Arábia Saudita, Qatar, Kuwait e Turquia, todos aliados do Ocidente? Uma coisa é certa, pelo menos na última década, a esmagadora maioria das vítimas de todos os fanatismos (incluindo o islâmico) são populações muçulmanas não fanáticas.

O valor da vida. A repulsa total que sentimos perante estas mortes deve-nos fazer pensar por que razão não sentimos a mesma repulsa perante um número igual ou muito superior de mortes inocentes em resultado de conflitos que, no fundo, talvez tenham algo a ver com a tragédia do Charlie Hebdo? No mesmo dia, 37 jovens foram mortos no Iémen num atentado bombista. No verão passado, a invasão israelita causou a morte de 2000 palestinianos, dos quais cerca de 1500 civis e 500 crianças. No México, desde 2000, foram assassinados 102 jornalistas por defenderem a liberdade de imprensa e, em Novembro de 2014, 43 jovens, em Ayotzinapa. Certamente que a diferença na nossa reação não pode estar baseada na ideia de que a vida de europeus brancos, de cultura cristã, vale mais que a vida de não europeus ou de europeus de outras cores e de culturas assentes noutras religiões. Será então porque estes últimos estão mais longe de nós ou conhecemo-los pior? Será porque os grande media e os líderes políticos do Ocidente trivializam o sofrimento causado a esses outros, quando não os demonizam ao ponto de nos fazerem pensar que eles não merecem outra coisa?

Director do Centro de Estudos Sociais, Laboratório Associado, da Universidade de Coimbra

Pedro Mexia: "Não há nenhuma razão para crer que as coisas vão sempre melhorar"

por Pedro Rios (texto) e Joana Bourgard (vídeo), in RR

É poeta, crítico literário e comentador político. Desconfia das soluções radicais ou populistas que despontam na Europa. Mas relativiza: "O poder tende a dissolver o radicalismo". Sobre os atentados de Paris, diz que o problema é sério, mas a resposta não pode passar por "identificar o islão com o terrorismo".

Não é preciso ser "pessimista crónico", como Pedro Mexia se autoclassifica, para estar preocupado. Os ataques em Paris lembram que há um problema ligado ao islamismo radical a que a Europa tem de responder, avisa. "Só não vê quem não quer, só menoriza quem quer."

Perante uma Europa em que despontam forças políticas distantes do tradicional centro que construiu o "consenso europeu", o poeta, crítico literário e comentário lembra que os progressos associados ao Estado Social "foram conquistados com contributos vários e pressões várias, mas pelos partidos do 'centrão'".

Diz-se um pessimista crónico. Nessa pele, como vê os atentados de Paris?
Infelizmente, não é preciso ser pessimista para perceber o que se passou com este atentado/execução. Há talvez 25 anos, talvez desde o caso [Salman] Rushdie, que temos visto suceder uma série de casos por causa de artigos, filmes, textos, opiniões políticas ou outras formas de exercer a liberdade de expressão – ou simplesmente de andar em transportes públicos, como foi o caso [dos atentados] de Madrid e Londres. São atentados ligados ao islamismo radical, só não vê quem não quer, só menoriza quem quer.

Infelizmente, tendemos a fugir da identificação do problema porque existem forças políticas na Europa que a esse problema dão uma resposta que nos desagrada, como os partidos fascistas ou fascizantes, a Frente Nacional, etc.. É evidente que essa não é a resposta, a resposta não é identificar o islão com terrorismo, fechar as portas, estigmatizar os emigrantes. Mas o facto de essa não ser a resposta não significa que não haja uma pergunta séria para fazer.

A liberdade é precisamente a possibilidade que se façam, digam, escrevam e aconteçam coisas que cada um de nós, pessoalmente, não aprova. Eu não gosto particularmente do "Charlie Hebdo", não é um jornal em que me reconheça…

E não era um jornal com grandes vendas.
Sou totalmente insuspeito para o dizer porque sou católico e não tenho nenhuma simpatia por um discurso agressivamente anti-religioso. A liberdade de expressão também nasceu com a liberdade religiosa, com a liberdade de criticar as religiões e de não ter religião nenhuma. Não gosto de muitas das coisas que se escrevem sobre a Igreja Católica e sobre o Papa (não posso dizer que me choquem, propriamente), às vezes acho de mau gosto. Mas continuo a minha vida como toda a gente.

2015 pode ser o ano dos partidos de fora do centro? Temos a Frente Nacional em França, o Podemos em Espanha, Marinho Pinto em Portugal e o Syriza, na Grécia, que lidera as sondagens das eleições de dia 25.
Um ponto prévio bastante importante: os gregos têm o direito de escolher o governo que querem sem nenhuma espécie de intervenção, de ameaça, de sugestão. Os gregos não perderam a sua soberania política e eleitoral. Toda a gente sabe a política económica e financeira que um país segue estando integrado num espaço comum como a União Europeia, mas não é preciso estar a lembrá-lo como se fosse uma tutela, uma ameaça ou um acto de paternalismo.

E Bruxelas tem feito essa ameaça?
Bastante, bastante. Não me parece uma boa maneira de os órgãos da União Europeia procederem com os países membros. Os gregos têm de votar de acordo com aquilo que entenderem.

Segundo ponto: parece-me que o Syriza, à medida que tem uma perspectiva mais realista de chegar ao poder, tem mudado algumas coisas, às vezes discretamente, no seu discurso. Aquilo que aconteceu com governos socialistas "mainstream" – uma viragem ao centro quando chegaram ao poder ou quando se aproximaram do poder – também pode acontecer.

Há quem ache que uma política diferente daquela que tem vindo a ser seguida, uma política fortemente antiausteridade, pode ser a salvação e veremos; outros dirão que pode ser uma catástrofe e veremos; e outros ainda dizem que pode ser uma catástrofe e ainda bem, que é aquela tese que havia nos anos 70 em Portugal quando Kissinger achava que, a seguir à revolução, o poder devia cair na mão dos comunistas para os portugueses verem como é.

A austeridade, na maioria dos países, não tem tido resultados extraordinários, mas o contrário disto tudo teria resultado? Não sabemos porque ninguém tentou. Mesmo quem foi eleito com um programa vagamente antiausteridade recuou quando viu as contas.

A Europa poderia ganhar com um sobressalto como a vitória do Syriza?
Não acredito que a prática antiausteridade também tenha muitas pernas para andar. O pacote de medidas estatais e de apoios estatais que o Syriza propõe é gigantesco, não consigo perceber como é que um país que é a "lanterna vermelha" da Europa, que está em total colapso e dependente de ajuda externa, vai aplicar todos aqueles planos de apoio social, de aumento de impostos às empresas sem que as empresas que restam fujam. Se estivéssemos a falar num laboratório seria interessante tentar, mas estamos a falar de um país que já está em muito mau estado.

Enquanto não for testada, a antiausteridade vai continuar a parecer o remédio ideal. Mas se testarmos e não for o remédio o desespero ainda será maior: isto é péssimo e não há alternativa. Eu não sei se não há alternativa, a economia para mim neste momento está na mesma categoria do vudu em relação ao que sabe, ao que prevê e ao que consegue.

Há um sentimento anti-regime que se ouve nas ruas e pulula nas redes sociais e nos comentários dos "sites" noticiosos. Como é que o conservador Pedro Mexia vê a ideia de que isto precisa de uma vassourada?
Há movimentos de natureza muito diferente, mas todos os males que nos tenham trazido ou possam trazer as políticas conservadoras, liberais, social-democratas ou socialistas são sempre melhores do os comunismos e os fascismos. Não tenho nenhuma simpatia pelo discurso anticentrista e radical.

Mas agora há movimentos quase pós-ideológicos, que cruzam elementos de esquerda e de direita.
Existe uma certa amálgama política que me parece muito perigosa. O próprio Podemos, que poderia ser definido como um partido de extrema-esquerda, recusa usar as palavras "esquerda" e "direita" porque existe um clima de insatisfação que ultrapassa a esquerda e a direita. Só que tudo o que ultrapassa a distinção entre "esquerda" e "direita" é um puro descontentamento porque ou se é estatista ou não, ou se é pela liberalização dos costumes ou contra, etc., etc.. Não se pode fazer uma amálgama e dizer: eu sou contra o que está mal. Politicamente isso é zero. Pode valer pelo carisma de um político, a voz grossa, ou o que for.

O caso Marinho e Pinto é um bocadinho isso. É uma figura um pouco atípica: é um homem de esquerda, mas tem algumas posições que só a direita radical é que tem, nomeadamente sobre as questões ligadas à homossexualidade; parece um populista, mas nas últimas semanas tem sido um defensor de José Sócrates, afastando-se do discurso populista e justicialista de alguma imprensa. É um caso um bocadinho atípico, mas vai dar ao mesmo porque o que é aquela plataforma política a não ser um grito de revolta?

Esse tipo de partidos fazem perguntas pertinentes e exprimem preocupações reais da sociedade, mas não têm uma estrutura ideológica consequente. Evidentemente que é fácil estar indignado com a política italiana – e se as pessoas continuam a aceitar a existência política de uma figura como Berlusconi por que não aceitar um comediante como Beppe Grillo? Mas [o movimento 5 Estrelas, de Grillo] não é um partido sério, na maneira como se comporta no Parlamento, como usa piadas de internet, sexistas às vezes, no Parlamento. Não sei se é nesse tipo de políticos em que se deve pôr a esperança.

Forças políticas como essa vão crescer?
Nas democracias há uma coisa fatal para os partidos radicais: chegarem ao poder ou perto do poder. Tem havido algumas reportagens sobre câmaras ganhas em França pela Frente Nacional. Com uma ou duas excepções, os políticos da Frente Nacional não sabem muito bem o que fazer quando chegam ao poder. Têm o "chip" da contestação tão enraizado que é um bocadinho como chegar à idade adulta: quando a culpa já não é dos outros o que é que se faz? O poder tende a dissolver o radicalismo.

Em 2014 a troika saiu do país. Portugal parece-se com aquele que imaginava em 2011, quando começou o programa?
Não esperava muito da actual maioria quando foi eleita, mas esperava que a reforma do Estado, que é necessária, fosse feita de uma forma mais radical. Dizia-se muito que havia fundações com apoios estatais a mais – e há – e fez-se uma lista das fundações que não faziam sentido. A conclusão: disse-se às fundações que se deviam extinguir. Claro que 90 e tal por cento não acataram essa recomendação.

Por outro lado, foi demasiado radical noutras coisas. Eu compreendo perfeitamente os sacrifícios, compreendo até o brutal aumento de impostos. Tenho muita dificuldade com as pensões, seja qual for o valor ou percentagem: é muito diferente pedir sacrifícios a pessoas na vida activa e a reformados. Percebo mal essa insensibilidade. Por outro lado, também percebo mal que o Estado não afaste do sector público várias coisas absurdas. Não sou contra a existência de canais públicos de televisão, mas acho absurdo – já não vou falar da Liga dos Campeões, isso é grotesco – que os contribuintes paguem concursos, novelas, futebol.

Também acho que entregar a rede energética não a privados, mas a estados estrangeiros é uma coisa bastante complicada. Não percebo que a energia esteja nas mãos de um Estado estrangeiro e que esse Estado estrangeiro seja a China – não percebo, não consigo perceber.

O que me leva a perguntar: o que é hoje a pátria, o que é hoje isso de ser português? Sentimos mais a noção de pátria no discurso do PCP do que no de outros partidos.
O capital não tem pátria. A partir do momento em que o capitalismo triunfou no Ocidente, em que não tem fronteiras que correspondam às fronteiras dos países e em que estamos no mercado aberto, a noção de pátria fica claramente afectada.

Quando apareceu a senhora Thatcher, alguns filósofos conservadores, nomeadamente o Roger Scruton, avisaram: atenção, a ideia que o mercado regula tudo é destruidora para um conservador porque o mercado é destrutivo da ideia de família, de pátria, de religião.

Não acredito em todas as experiências do capitalismo, sobretudo do capitalismo financeiro, mas enquanto sistema de liberdade económica é preferível. Mas isso e a integração europeia provocam uma grande erosão em valores [como a noção de pátria]... Tenho uma visão bastante tranquila da noção de pátria. Não sou daquelas pessoas que professam nojo pelo seu próprio país, mas também não sou um patriota ardente. Conheço muitas poucas pessoas que se considerem europeias antes de serem portuguesas, dinamarquesas ou espanholas.

A noção de futuro colectivo também está em crise? Temos uma geração de jovens que espera viver pior do que os pais, o que já não acontecia há algum tempo.
Não há nenhuma razão para crer que as coisas vão sempre melhorar. Os retrocessos, no caso do capitalismo, têm sido todos transitórios. O capitalismo sobreviveu a 29, ao "crash" dos anos 80 e vamos ver como sobrevive, ou não, à actual crise. Por outro lado, isso também nos faz valorizar aquilo que foi conseguido nestas décadas. Houve progressos enormes nos vários países, em Portugal também. E os progressos em termos daquilo a que chamamos de Estado Social foram conquistados com contributos vários e pressões várias, mas pelos partidos do "centrão" – pelos partidos socialistas e democratas-cristãos e conservadores.

Sabemos como o Estado Providência se baseou numa pirâmide demográfica, numa taxa de natalidade e numa reposição geracional que não são as que temos. A ideia desta máquina é boa, mas já não tem pilhas. Então, temos que mudar as pilhas. As pessoas dizem muito "vejam onde nos trouxeram os partidos moderados". Mas depois dizem "não nos tirem todas as regalias que os partidos moderados conquistaram".

13.1.15

Reclusos portugueses sem indícios de influências extremistas

por Valentina Marcelina, in Diário de Notícias

Só há dois detidos por crimes de terrorismo nas prisões portuguesas, controlados ao minuto e sem radicalizar ninguém.

O etarra condenado Andoni Fernández e o suspeito jihadista Guima Her Calunga são os únicos reclusos potenciais recrutadores para o terrorismo nas prisões portuguesas. E estes, garantiu ao DN fonte da Direção-Geral de Reinserção e Serviços Prisionais (DGRSP), "estão muito bem controlados e não mostram qualquer indício de quererem radicalizar alguém".

Fernández, condenado em 2011 a 12 anos de prisão, e Calunga, em prisão preventiva indiciado por adesão e apoio a atividade terrorista, depois de ter sido detido no Aeroporto de Lisboa com uma faca junto a um avião na pista de aterragem, estão na prisão de alta segurança de Monsanto, em Lisboa.

8.1.15

Adriano Moreira: "O horror da violência ameaça não ter medida daqui para o futuro"

in RR

Atentado ao "Charlie Hebdo" "não atacou apenas a França", diz o professor catedrático à Renascença.

O ataque ao jornal satírico francês "Charlie Hebdo" é "o anúncio do progresso de uma actividade que ataca todos, não atacou apenas a França", defende Adriano Moreira, professor catedrático e especialista em Relações Internacionais.

"Entre a queda das Torres Gémeas [em Nova Iorque] e o que agora aconteceu, o horror da violência ameaça não ter medida daqui para o futuro e, portanto, essa solidariedade nossa, respeitando os nossos valores, é absolutamente necessária", diz à Renascença o pensador, ex-ministro do Ultramar.

Adriano Moreira considera que estes acontecimentos e o sentimento de insegurança potenciam os movimentos antieuropeus.

Na quarta-feira, homens armados com kalashnikovs irromperam pela redacção do "Charlie Hebdo" e abriram fogo, matando dez jornalistas e cartoonistas e dois agentes da polícia, ferindo ainda 11 pessoas, quatro das quais com gravidade.

O ataque está a gerar uma onda de solidariedade internacional, com manifestações a multiplicarem-se de Moscovo a Washington, com líderes mundiais e jornalistas unidos na repulsa pelo atentado.