18.3.19

A “ventoleta” viaja no tempo para combater o isolamento na terceira idade

André Vieira, in Público on-line

O Pedalar Sem idade está em mais de 40 países e ao Porto chegou em Novembro do ano passado. Os responsáveis por esta iniciativa que proporciona passeios de bicicleta a idosos e a crianças com necessidades educativas especiais pretendem alargar o projecto a outras zonas do país.

“Gosto de ver as ruas largas e estas casas bonitas”, não se cansa de repetir senhor José, como é tratado no Lar de Terceira Idade do Centro Geriátrico Comunitário Quintinha da Conceição, onde vive há três anos, enquanto passeia pela marginal da Foz do Douro.

Tem 78 anos e é apenas a segunda vez que ali passeia. Não é do Porto, nasceu e viveu toda a vida numa aldeia do concelho de Cinfães, no distrito de Viseu, antes de se mudar para aquele lar da Maia.

Este passeio fá-lo de bicicleta, embora não precise sequer de pedalar. Responsável por essa tarefa está Vítor Massa, um dos voluntários do projecto Pedalar Sem Idade, que desde Novembro do ano passado chegou ao Porto para que idosos e crianças com necessidades educativas especiais possam sentir e conhecer a cidade ao sabor do vento, sobre rodas e sem pressas.
Fazem-no à boleia da “ventoleta” – nome escolhido para o veículo de três rodas –, com espaço para três pessoas, a contar com o condutor.

No dia em que o PÚBLICO seguiu um dos dois percursos existentes, Maria Luísa, 86 anos, dividia o espaço frontal da bicicleta, reservado para os passageiros, com o senhor José. Não é a primeira vez que se instala naquela espécie de poltrona com rodas. Numa das experiências escolheu visitar o Parque da Cidade. Desta vez, sugeriu que se explorasse a marginal da Foz. Ninguém se opôs.
Com a ajuda de um dispositivo eléctrico, “fundamental nas subidas”, Vítor Massa pedala em direcção àquela zona nobre da cidade, banhada pelo Atlântico. Não há nuvens a esconder o sol, mas há uma brisa marítima à prova de calor. Antes de partirem, José e Maria Luísa preparam-se para temperaturas menos agradáveis. Os edredons fornecidos pelos voluntários ajudam a atenuar o frio.

Da Trafaria à Costa da Caparica, pedalam-se arribas e vilas piscatórias
Uma viagem no tempo
Do Edifício Transparente, colado a Matosinhos, seguem para uma zona da cidade mais do que familiar para Maria Luísa. Escolheu como destino a Foz precisamente para recordar os tempos em que ali viveu – “uma vida inteira”.
Foi para ali que se mudou, “ainda moça”, para trabalhar na casa de uma família abastada. Saiu de Santo Tirso para trabalhar como cozinheira. Estes pedaços da sua vida são contados uma conversa a três, entre a própria, o senhor José e o cicerone.

“Estas viagens servem também como uma espécie de viagem no tempo. Em todas as visitas fico a conhecer um pouco mais da vida das pessoas que aproveitam para contar episódios da sua vida”, diz Vítor Massa enquanto pedala.

O meu grão de areia para salvar o planeta
É o próprio que desencadeia a troca de palavras. Fá-lo para que esta viagem não seja apenas um passeio para as vistas, mas também uma oportunidade para que os utilizadores do serviço possam sociabilizar.

Vai intercalando perguntas entre o senhor José e Maria Luísa. Fala-se sobre uma Foz que já não existe, em que os passeios entre namorados eram feitos de forma mais recatada no Passeio Alegre, na altura, aparentemente mais distante da Baixa do Porto, de onde o eléctrico que seguia em direcção a Matosinhos partia, com paragem naquela freguesia portuense.
Era de eléctrico que Maria Luísa ia até ao Mercado de Matosinhos comprar os ingredientes para as várias refeições que preparava diariamente. “Eram refeições completas com entradas, prato de peixe, prato de carne e sobremesa. Todos os dias assim, ao almoço e ao jantar”, recorda.

Luxos que o senhor José não tinha na aldeia de Cinfães que o viu nascer. Não tinha luxos, mas tinha que sobrasse para justificar o trabalho diário de sol-a-sol no campo. Era pastor e tratava do gado. Já não desempenha essa função – está reformado –, mas diz ainda ter algumas cabeças de gado na terra.

Espinho tem uma nova rota por pratos de peixe e histórias ao pé do mar
São cerca de 45 minutos de viagem. Pára-se para mirar o mar – que Maria Luísa conhece tão bem e que o senhor José poucas vezes viu –, para apreciar a vista que o olhar alcança ou para recordar o Forte de São Francisco Xavier, que todos os que ali seguem chamam pelo nome que todos os portuenses convencionaram como sendo o oficioso – Castelo do Queijo.
De regresso à base de onde partiram, onde já espera outro grupo, vindo do mesmo lar, reúne-se consenso entre a dupla que acaba de chegar do passeio: “É para repetir”.
É a pessoas que vivem a maior parte do dia num lar como o que serve de residência para estes dois utentes que os responsáveis por esta iniciativa querem chegar, mas não só. Desde que arrancaram o projecto, já transportaram aproximadamente 180 pessoas. Querem chegar a mais e em mais sítios.

Projecto está em 40 países
Foi para isso que o Rotary Club Porto Portucale, de acordo com o presidente da instituição, Luís Castro, decidiu trazer este projecto, que já funciona em 40 países, para Portugal. Explica-nos que chega ao Porto por sugestão de Sílvia Freitas, afiliada do Rotary, após ter assistido a uma apresentação do Cycling Without Age na Dinamarca, onde nasce a iniciativa.

O clube pôs mãos à obra, lançou uma campanha de crowdfunding, da qual resultou a angariação de 3500 euros. Cada bicicleta destas, adquiridas na Dinamarca, custa 8 mil euros. O montante restante foi financiado pela boa vontade de alguns membros do Rotary e do cidadão comum. Não há qualquer apoio estatal ou privado, além do referido.

Mais rotas para mais gente
Falta agora criar mais rotas e para mais gente, afirma Vítor Massa, um dos 12 pilotos voluntários. Vítor tem 59 anos – o piloto mais velho tem 78 -, e durante 30 anos foi director financeiro na banca. Hoje é consultor, na mesma área. Todas as semanas dedica umas horas a esta causa, que pretende ver alargada a outras áreas e a outras cidades. Lisboa será uma das cidades para onde pretendem seguir. Na semana em que o PÚBLICO conheceu o projecto estava agendada uma viagem piloto na capital. Como no Porto, as viagens serão gratuitas.

Prioridade é também combater o isolamento nas grandes cidade: “De acordo com um levantamento feito recentemente, existem nos bairros sociais do Porto cerca de 2500 idosos isolados. É a esses que também queremos chegar”. Para isso precisam de adquirir mais bicicletas, objectivo que o clube, nesta fase, está a tentar atingir.
Tópicos