Francisco Teixeira, in Jornal de Notícias
O principal problema de Guimarães é a formação dos seus cidadãos. Em 2001 apenas cerca de 15% dos cidadãos portugueses activos tinham o ensino secundário! O caso no Vale do Ave, e de Guimarães, era ainda pior. Actualmente, no todo nacional (e, como de costume, o caso do Vale do Ave é ainda pior), menos de metade dos jovens que terminam o ensino básico transitam para o ensino secundário, embora esses números pareça estarem a dilatar-se lentamente nos últimos dois anos. Percebe- -se facilmente por que é que esta realidade é um problema. A passagem pelo ensino secundário não é, hoje, principal e imediatamente, uma finalidade económica. A sua relevância é sobretudo cultural, no sentido em que, sem o mínimo que é essa passagem, o mundo actual se torna opaco, isto é, incompreensível, para o grosso da população - mesmo com emprego. Ora, sem esse mínimo de compreensão da crescente densidade significativa do Mundo, não há emancipação pessoal e cidadania possíveis - mesmo que haja emprego.
Assim, a par de um iniludível desenvolvimento tecnológico e cultural das infra-estruturas económicas e sociais locais e regionais, aquilo que ainda hoje constatamos é que a maioria da população do Vale do Ave não tem acesso a essas estruturas, opacas à sua capacidade interpretativa, ou que elas se mostram relativamente irrelevantes na indução de desenvolvimento económico, pelo menos quanto os indicadores do emprego têm vindo a demonstrar. Isto é, e aparentemente, pese embora o crescente desenvolvimento tecnológico e das estruturas públicas sociais (pelo menos regionalmente), a verdade é que nem o emprego (e, portanto, o rendimento das famílias) aumenta nem a maioria das pessoas tem ferramentas culturais para aquilo que o Estado crescentemente lhes dá. Assim, aparentemente, aquilo a que estamos a assistir é à criação de uma sociedade fortemente dual, constituída por uma minoria de pessoas bens formadas e dotadas de razoáveis recursos económicos, que auferem das maravilhas tecnológicas, sociais e culturais que o Estado (em sentido amplo) tem vindo a produzir, e uma imensa maioria de pessoas mal instrumentadas e com recursos económicos escassos, para quem aquilo que se passa nas universidades e nos centros culturais e tecnológicos lhes escapa completamente, sendo que quanto mais desenvolvida é a cultura e a tecnologia e mais escasso o emprego mais a dualidade social se acentua.
À escola compete, idealmente, a tarefa de rompimento deste ciclo de reprodução social. No entanto, e como se vê, o que a escola tem vindo a fazer tem sido exactamente o contrário, isto é, a optimização deste dualismo social, que leva a que os alunos mais pobres e menos instrumentados educacional e culturalmente se vejam quase sempre na cauda da progressão social.
Neste contexto, é impossível não assinalar a enorme relevância do programa Novas Oportunidades, que pretende reconhecer e validar as competências técnicas e sociais de um milhão de cidadãos até 2010, envolvendo enormes recursos financeiros, através de estratégias pedagógicas activas e dinâmicas, no sentido em que buscam o envolvimento emocional, cívico e pessoal dos formandos, visando colmatar as suas falhas formativas. Na verdade, o défice formativo de Portugal é tão grande relativamente aos seus parceiros europeus que sem uma estratégia formativa profundamente voluntarista e proactiva seria impossível, num prazo razoável, colmatar esse défice.
Há, no entanto, que atender ao seguinte primeiro, que a grandeza do programa 'Novas Oportunidades', como bem referiu, recentemente, Alfredo Magalhães, responsável pelo Centro Novas Oportunidades da Escola Francisco de Holanda, de Guimarães, frente à ministra da Educação, exige um sistema "de controlo, regulação e avaliação do processo de certificação", sem o qual se correm riscos sérios de desqualificação do programa; segundo, que a extensão da escolaridade obrigatória ao ensino secundário é absolutamente essencial, no mais curto prazo de tempo possível, sem o que corremos o risco de, volvidos, alguns anos, estarmos a lançar novos programas Novas Oportunidades; e terceiro, e finalmente, que o ensino secundário tem de passar a ser gerido com crescente profissionalismo pedagógico, segundo lógicas exclusivamente pedagógicas e visando, em primeiro e último lugar, a emancipação pessoal, cívica e económica do jovem aluno, ao invés de uma entrega das escolas a lógicas de classe ou grupo social (para já não falar em lógicas partidárias), sem o que a reprodução das desigualdades sociais não parará mais, até à mais completa irrelevância social da escola pública.