2.1.08

Justiça e Paz

Alberto Castro, Professor universitário, in Jornal de Notícias

A economia mundial tem vindo a atravessar um período de crescimento contínuo, com uma duração e intensidade como há muito se não via, muito por força do papel de alguns países (China e Índia) menos desenvolvidos. Enquanto isso, subsistem os protestos mais variados contra o aumento da pobreza no mundo. Como é isto possível?

O crescimento da economia mundial não tem sido partilhado por igual, nem entre países nem dentro dos países. Daí até a um sentimento de injustiça vai um curto passo em que se confundem mitos (mais pobreza) com realidades (maior desigualdade). Essas disparidades são fruto não tanto, como se vulgarizou, da liberalização mas, sobretudo, do papel que as novas tecnologias têm desempenhado no actual surto da globalização. Quem não tem as competências necessárias para lidar com as novas tecnologias viu o seu salário baixar ou foi excluído do acesso à nova riqueza produzida. Não está pior em termos absolutos, está-lo-á em termos relativos. Por continentes, a África constitui o caso mais flagrante. Dento dos países, mesmo nos mais desenvolvidos, os trabalhadores com níveis de educação e formação mais baixa são as principais vítimas. No seu conjunto, mesmo se muito menor do que há 10 ou 20 anos, continuam a constituir uma massa imensa de deserdados, perigosa por facilmente manipulável. Sem contar com o folclore das manifestações antiglobalização, os exemplos vão desde o recrudescimento de partidos extremistas e populistas na Europa e na América do Sul à derrota de Mbeki na África do Sul até ao aumento exponencial do fundamentalismo entre os mais pobres nos, e dos, países islâmicos. Ao contrário do que parecem julgar os crentes na economia de mercado, tenho para mim que, se nada se fizer, pode estar em causa a paz mundial.

Receitas há muitas, a dificuldade está em levá-las à prática. Em muitos países desenvolvidos, o processo é suficientemente forte para permitir políticas de redistribuição de rendimento mais agressivas, incluindo as que assegurem um rendimento mínimo. Atenuam o mal-estar. Mais consistentes são as políticas activas de requalificação para o emprego, embora precisem de ser bem desenhadas e demorem tempo a produzir efeito. Verdadeiramente perigosos são os sinais de recrudescimento de um discurso proteccionista. As trocas internacionais induzem crescimento e reduzem as desigualdades, quer nos países desenvolvidos quer nos países pobres. Há centenas de estudos que o atestam. O problema está nos efeitos de curto prazo, nomeadamente em países, como Portugal, que ainda tenham uma base industrial significativa. Não obstante o potencial impacto, imediato, sobre o desemprego, fazem falta políticas que estimulem a reconversão empresarial. Embalados com os incentivos ao empreendedorismo, esqueceu-se esta dimensão na qual a Caixa devia ter um papel que justificasse a sua continuidade em mãos públicas. Quanto aos países mais pobres, a resposta envolve uma combinação de políticas que vão desde o auxílio ao investimento directo, passando por uma melhoria das respectivas instituições e a abertura dos mercados dos países desenvolvidos. Numa palavra desenvolvimento. Para além dos vários obstáculos internos que este processo enfrentará, a maior restrição decorre do impacto ambiental que o mesmo poderá ter. Nos últimos 150 anos, os países desenvolvidos, como os Estados Unidos à cabeça, poluíram o suficiente para que o aparecimento de novas Chinas ou Índias possa pôr em causa a sobrevivência da Terra. Mas essas novas potências têm de emergir se quisermos um mundo mais justo. A alternativa é a ausência de paz. O que coloca aos países mais ricos o maior desafio de solidariedade que alguma vez enfrentaram: sermos capazes de reduzir, substancialmente, as emissões de CO2, alterando modos de produção e consumo ou legarmos aos nossos filhos e netos um planeta em vias de destruição. Desenvolvimento e ambiente são os outros nomes de justiça e paz. Para que haja esperança é preciso começar a agir já hoje, do mais pequeno acto quotidiano até à busca de novas tecnologias. Que melhor agenda para 2008?

P.S. Na semana passada, o título correcto do artigo era "Haja esperança. Aja!". Podia ser o de hoje