por Rui Pedro Antunes e Sónia Simões, in Diário de Notícias
O número de funcionários efectivos ao serviço do Estado tem vindo a ser reduzido nos últimos anos, mas têm aumentado os gastos com trabalhadores precários. Em 2011, está previsto que se gaste três vezes mais ao nível da prestação de serviços: 40 milhões de euros.
O Estado tem vindo, ao longo da última década, a reduzir o número de funcionários públicos, mas este ano vai triplicar os custos com o pessoal a recibos verdes. Só com tarefeiros e avençados, a despesa ronda os 40 milhões de euros, o valor mais alto dos últimos sete anos.
Num cenário em que os encargos salariais do Estado sofrem cada vez mais reduções, os gastos com precários têm vindo a subir gradualmente. Em 2006, representavam 11,5% da despesa total com pessoal, hoje já significam mais de 13%. Esta percentagem refere-se a trabalhadores avençados, em regime de tarefa, contratados a termo ou noutras situações similares contabilizadas pelo Governo.
A despesa com este tipo de pessoal começou a ser isolada no Orçamento geral do Estado em 2005. Desde então, aumentou mais de cinco milhões de euros (ver tabela). Mas é em 2011 que esta rubrica mais aumenta (mais 26,3 milhões de euros que em 2010), revelam dados recolhidos pelo DN na Direcção-Geral do Orçamento.
Apesar de 80% deste valor poderem ser justificados pelas contratações extraordinárias para os Censos de 2011, não é apenas na Presidência do Conselho de Ministros - entidade que tutela o Instituto Nacional de Estatística - que esta despesa aumenta. Existem outros quatro "ministérios" em que este aumento é visível: Encargos Gerais do Estado, Ministério dos Negócios Estrangeiros (MNE), Ministério do Ambiente e Ordenamento do Território e Ministério da Saúde (ver caixa).
Só no MNE, a despesa com recibos verdes aumenta em 2011 mais de 500% (de 21 011 para cerca de 117 mil euros). A subida surge depois de ter havido, no ano passado, uma diminuição drástica deste gasto com a alteração ao regulamento consular (de 1 267 361 euros para apenas 21 mil euros em 2010).
"Infelizmente, a precariedade vai aumentar. Com o congelamento das admissões na função pública, haverá uma maior tentação de recorrer a contratações precárias", reforça ao DN Nobre dos Santos, porta-voz da Frente Sindical da Administração Pública.
A subida foi impulsionada por uma diminuição da despesa com quadros e um aumento dos gastos com precários. Exemplo disso foram os gastos com pessoal em 2007 (cerca de 5417 milhões com fixos e 650 milhões com os precários) quando comparados com os previstos para este ano: menos 32 milhões nos efectivos e mais 116 milhões em despesas com contratados.
"Todo este recurso a contratos de trabalho a termo é fraudulento. O Estado, que legisla, decide e julga, não respeita sequer a directiva europeia 1999/7", denuncia ao DN o especialista em direito do trabalho Messias de Carvalho. A directiva em causa, aplicável a todos os Estados da União Europeia, prevê limitar os contratos precários e aplica-se tantos aos privados como à função pública.
No entanto, explica Messias de Carvalho, a própria lei para os trabalhadores da administração pública, criada em 2008, não segue a comunitária, ao "não permitir que um contrato a termo possa mais tarde ser convertido num de termo indeterminado". Ao escritório de Messias de Carvalho, no Porto, têm chegado vários casos de contratos precários que se prolongam por anos, violando a lei que prevê limites de renovação no tempo para este tipo de contratação. "Por exemplo, os contratos de prestação de serviços servem para situações muito pontuais e, no entanto, recorre-se frequentemente a eles", explica.
Mas o jurista lembra que parte da culpa é do próprio empregado que não se queixa aos tribunais. "Já há muitas decisões de tribunais que vão contra a lei da administração pública, permitindo a conversão de um contrato a termo num contrato por tempo indeterminado à semelhança do privado."
Ainda assim, é de referir que ao longo dos últimos anos o Estado tem gasto cada vez menos dinheiro com pessoal: se, em 2007, a despesa total (e aqui incluem-se também subsídios) era de 13, 3 mil milhões de euros, este ano estão previstos pouco mais de 9,6 mil milhões para todos os ministérios. Mas, deste valor, tem aumentado a cotação destinada ao pagamento de trabalhadores precários.
O presidente do Sindicato dos Quadros Técnicos do Estado alerta que, "apesar de a despesa com pessoal ter diminuído, há outras formas de existência de precariedade sem que esteja definida nas rubricas de 'tarefa ou avença'". É que "o Estado contrata empresas de fora e os gastos entram, por exemplo, na aquisição de serviços".
O Estado tem aumentado o recurso a estes serviços em áreas como saúde, educação e segurança social. A questão foi também suscitada recentemente pelo Tribunal de Contas numa auditoria a contratos por ajuste directo com empresas de consultadoria. Para Bettencourt Picanço, "o outsourcing tem vindo a crescer em sintonia com a precariedade. O outsourcing mais não é do que uma forma de precariedade na função pública", reforça.
No relatório das Grandes Opções do Plano, o Governo manifesta-se disponível para combater a precariedade laboral na administração pública até 2013. Mas o que a realidade demonstra é exactamente o contrário: a precariedade tem vindo a aumentar - é próprio Estado que dá o exemplo - e a contrariar os desígnios do próprio Executivo.