5.1.11

Por um país mais flexível

Pedro Lains, in Jornal de Negócios

É popular a ideia de que este país teria sido melhor nos últimos 15 anos se não fosse Guterres, Durão, Santana e Sócrates.

Ou Sampaio e Cavaco. Ou outros. Mas não é bem assim. Estamos num mundo novo, em que os altos e baixos são naturais. Preparemo-nos para isso e deixemo-nos de acusações fúteis.

Por trás de uma ideia, mesmo que pequena, tem de haver uma grande teoria. Caso contrário, os "porquês" acabam num mero "porque sim". Somos mal governados. Porquê? Porque os nossos políticos são maus. Porquê? Porque houve uma revolução / porque não houve uma revolução. Porquê?

A ideia de que a economia portuguesa está mal por causa da má governação não tem uma teoria por trás. Nem pequena, nem grande. Pelo menos que eu tenha dado por ela.

Aliás, é uma ideia extremamente optimista. A nossa situação é bem pior. Mas já lá vamos.

A economia portuguesa está num desequilíbrio com duas faces: o das contas do Estado (parte é culpa da crise internacional, mas isso agora não interessa) e o das contas externas.

Esses desequilíbrios não foram culpa de governos nacionais. Nem sequer do governo europeu. Eles decorreram simplesmente das respostas de pessoas economicamente conscientes - em suas casas ou no Terreiro do Paço - aos estímulos do mercado. Se o juro baixa, o pedido de crédito sobe. É só fazer as curvas para se ver isso. Se há dinheiro em caixa e pobres e doentes por aí, gasta-se o dinheiro. É assim a democracia.

Quando as coisas vão mal aqui e bem lá fora, o lá fora serve de exemplo. Quando as coisas vão mal em todo o lado, o lá fora já não serve de exemplo. Isso não é intelectualmente sério. Mas a verdade é que em todo o lado a primeira década do milénio foi de alargamento dos cordões às bolsas dos estados.

Mas os desequilíbrios precisam de ser controlados e neste momento só há uma forma de o fazer: reduzir a despesa pública e o défice, e diminuir o recurso ao financiamento externo. A primeira medida é mais fácil e está aí agora, em força. A segunda é mais difícil. Mas passa seguramente pelo aumento do custo do financiamento externo, e a subida dos juros da dívida nacional contribuirá para isso. Neste campo, dependemos, e bem, de decisões comunitárias que estão a ser tomadas, com o seu tempo, tais como a criação do fundo de resgate europeu e o maior controlo sobre os bancos (Basileia 3).

Todas as contas feitas, a economia portuguesa terá de andar mais em linha. Ora isso tem uma consequência muito importante, que temos de encarar com inteligência.

Recuemos no tempo. Cavaco Silva teve uma sorte danada. Ganhou eleições logo a seguir à assinatura do tratado de adesão à CEE e governou num dos períodos mais favoráveis da economia europeia da segunda metade do século XX.

Perante esse cenário, reforçou uma ideia antiga, a de que este país estaria condenado a aproximar-se inexoravelmente dos níveis de rendimento e de bem-estar dos vizinhos europeus.
Embora de forma moderada, comprei também essa ideia (e escrevi sobre ela). Cavaco dizia que isso aconteceria em 10 anos e este modesto cidadão apontava mais para os 50 anos. Mas, no fundo "estávamos" de acordo.

Só que as coisas parecem ser, afinal, diferentes. É possível, aliás, é provável, que Portugal não se aproxime durante ainda algum tempo da desejada média europeia. Que este seja o nosso "steady state", o nosso ponto de equilíbrio, de crescimento para as próximas décadas.

Essa ideia tem uma grande teoria por trás que se pode expor assim: também o Alentejo tem níveis de riqueza mais baixos do que Lisboa (há 150 anos, pelo menos), e agora Lisboa é um Alentejo da Europa. Afinal, não esqueçamos, as fronteiras foram abertas. E por todos nós, nas urnas, não pelos "políticos".

Se o nosso crescimento económico de equilíbrio, nos anos que aí vêm, for, então, de acompanhamento da média europeia, e não de aproximação, é preciso repensar os níveis de desequilíbrio externo e interno. E agir em conformidade. Mas a solução não é pôr um polícia à porta de cada português para ver se ele se comporta conforme os "analistas" acham bem. Os nossos comportamentos económicos têm de continuar a ser determinados pelo que se passa nos mercados. A liberdade não tem preço, e a falta de liberdade económica tem um grande custo.

Será então preciso deitar fora o nível de bem-estar que se atingiu nos últimos 15 anos, de voltar à maior pobreza relativa de 1995? Teremos de abandonar os nossos desejos de ter um país mais igual, mais limpo, mais simpático? De acabar com o estado social? Teremos de acabar com a disputa política e de ser governados pelo "consenso".

Nada disso. Temos é de ter um país mais flexível, uma economia mais flexível. Não é apenas um mercado de trabalho mais flexível. É também níveis de rendimento mais flexíveis, decisões mais flexíveis e, acima de tudo, expectativas mais flexíveis.

Esse objectivo seria mais facilmente atingido se a ideia de que tudo seria diferente se fôssemos governados por alemães ou suíços fosse posta na prateleira.

Os governantes nem gostam muito de serem libertados da responsabilidade do crescimento económico, pois isso liberta a atenção dos eleitores para coisas bem mais importantes, de que só mesmo os políticos são responsáveis.