André Rodrigues, in RR
Segundo o INE, alojamento e restauração são responsáveis pelo crescimento do emprego a níveis máximos, mas são, também, os campeões da precariedade. Presidente da associação Pro.Var, Daniel Serra, diz não ver solução para o problema. A menos que o Governo decida baixar a carga de impostos sobre o trabalho.
O investimento com a formação de licenciados que saem do país daria para construir “36 aeroportos no Montijo”, admite o economista Pedro Brinca.
Em declarações à Renascença, o economista e docente da Nova School of Business and Economics (Nova SBE) fez as contas aos números do Instituto Nacional de Estatística, que indicam que – apesar dos ténues sinais de retoma – o país continua a perder recursos qualificados.
No segundo trimestre do ano, Portugal perdeu, pelo menos, 128 mil trabalhadores com curso superior.
Se, por um lado, o discurso político prefere sublinhar a excelência da geração mais bem formada, Pedro Brinca nota que “o Governo vive no mundo destes fluxos, quando o importante é a perspetiva global. Se é verdade que, em Portugal, os jovens já se licenciam a uma percentagem superior à da União Europeia, também é verdade que o número de licenciados que abandona o país equivale a cerca de 40% dos novos licenciados, todos os anos”.
Olhando para os números com maior detalhe, este especialista refere que, “entre 2000 e 2019, foram 194 mil licenciados que emigraram. Se pensarmos quanto é que custa formar um licenciado, são cerca de 96 mil e 500 euros – isto a preços pré-crise pandémica.
Ou seja, 194 mil licenciados a 96 mil e 500 euros cada um, são cerca de 18 mil milhões de euros... isso dava para 36 aeroportos do Montijo. Realmente é uma calamidade”.
Noutro plano, o INE confirma uma subida recorde dos contratos precários, que está a impulsionar o aumento do emprego em Portugal.
Entre abril e junho, havia quase cinco milhões de pessoas empregadas em Portugal, o que, para Pedro Brinca já reflete a sazonalidade, através do “emprego precário que visa satisfazer o aumento da procura de equipamentos turísticos”.
Mas, segundo o professor da Nova SBE, há duas outras razões que explicam a tendência.
Em primeiro lugar, uma questão “quase geracional: temos uma geração que tem uma proteção no emprego muito grande, sobretudo a geração acima dos 40 a 45 anos. Depois, temos a outra geração, que são os mais novos que estão a entrar agora e que têm relações laborais muito mais precárias”.
Adicionalmente, “em 2019, Portugal era o terceiro país da OCDE com maior índice de legislação de proteção laboral e era, também, o terceiro país da Europa com maior percentagem de trabalhadores com contrato temporário”.
Para Pedro Brinca, a leitura é simples: as leis do trabalho em Portugal criam “ineficiências que permitem que os empregadores possam contornar a lei e muitas vezes”.
“E, muitas vezes, o Estado é o primeiro a prevaricar, ao recorrer a empresas de trabalho temporário, para garantir a prestação de alguns serviços, como, por exemplo, a limpeza dos edifícios públicos”, exemplifica.
Alojamento e restauração campeões da precariedade
Por serem atividades associadas ao aumento da atividade turística nesta altura do ano, o INE identifica o alojamento e a restauração como os setores que explicam o facto de a criação de emprego estar em valores máximos.
O problema é que são atividades marcadas pela precariedade, seja na instabilidade dos contratos, seja nas remunerações auferidas pelos trabalhadores.
Em nome do setor da restauração, Daniel Serra, da associação Pro.Var recusa a ideia de que os baixos salários sejam uma prática recorrente.
O problema, diz à Renascença, é que “o setor que não está regulado, tem uma sobrecarga de impostos bastante grande”.
“Neste momento, é verdade que muitos dos trabalhadores estão com contratos precários, mas estão a ganhar acima da média, até de outros setores e isto também tem a ver com a dificuldade na obtenção de mão-de-obra, o que obriga os empresários a ter de pagar bem melhor para reter e captar mão-de-obra”, explica.
No entanto, Daniel Serra também reconhece que “muitos empresários não querem arriscar a ter contratos sem termo, porque a situação é muito, é muito oscilante”.
Tem tudo a ver com a oscilação dos fluxos de faturação: “temos altos e baixos e já se está a verificar, no terceiro trimestre, que está a haver uma perda entre 10 e 20%”, porque os clientes “estão a gastar muito menos… estão a evitar as entradas e as sobremesas, substituem vinhos por cerveja ou então pedem vinhos mais baratos”.
Na hora de tirar a conta, “o ticket médio está a baixar de forma significativa e isto é uma dificuldade para os empresários”.
O presidente da Pro.Var garante “os empresários neste momento serão os mais interessados em ter nos seus quadros, pessoas estáveis, com contratos a longo prazo”.
Mas reconhece que “não há condições e, enquanto o Governo não criar condições para essa estabilidade – ou seja, impostos que sejam razoáveis – vai ser muito difícil que se evite esta precariedade”.