Céu Neves, in Diário de Notícias
Imigração. Os novos fluxos migratórios surgem do outro lado do Atlântico, do Brasil. Por isso, são também os mais afectados pela crise. Não têm emprego nem dinheiro para retornar. Mas a maioria da comunidade está integrada e tem mais habilitações que os locais. Autoridades estão preocupadas com as mafias
80,4% dos pedidos que chegam à OIM são de brasileiros
"Quebrou a cara!" "Deu com os burros na água!" "Disseram que estavam juntando dinheiro com uma vassoura!" "E afinal..!" As expressões são de Oruan Ribeiro, nome fictício, e significam que fracassou a sua tentativa de viver fora do Brasil. Ilegal, sem trabalho e dinheiro, é um dos muitos imigrantes em Portugal que pedem apoio à Organização Internacional das Migrações (OIM) para regressar. Há cada vez mais pedidos. No ano passado, regressaram 347 pessoas, mais 21,6% do que em 2007, mas, destes, 80,4% são brasileiros.
"A tendência é para aumentar o número de utentes do Programa de Retorno Voluntário, isto independentemente de a OIM ter ou não meios para os apoiar", diz Luís Carrasquinho, o responsável por este departamento. Recebem cerca de 30/40 pedidos por mês, "maioritariamente, pessoas que estão numa situação de desemprego prolongado". São ilegais, sem contrato de trabalho e não conseguem regularizar-se. Sem estarem legais, não arranjam emprego.
É o caso de Oruan, 48 anos, natural de São Paulo, estado onde vivia e onde vendeu a casa por se ter deixado convencer de que Espanha era a terra da prosperidade. Ainda por cima, é neto de avó espanhola, o que o põe numa situação privilegiada para requerer a nacionalidade. Deixou o Brasil há um ano, tendo-se fixado em Alcalá de Henares, arredores de Madrid.
Mas os processos de legalização são demorados, o dinheiro que trouxe do Brasil foi gasto, e Oruan apenas conseguiu alguns biscates na construção civil. Mas , mesmo isso, só durou no primeiro mês. "Espanha foi bom há dois anos, agora não. Não há trabalho", diz.
Sem dinheiro, tem vivido das ajudas de amigos e foram essas ajudas que permitiram que viesse para Portugal, há um mês. Não teve melhor sorte. "Pegava qualquer coisa, mas não aparece nada. Não tenho nada, vim pedir ajuda para regressar, mas se aparecesse alguma coisa eu ficava", diz, ainda uma réstia de esperança. Era motorista no Brasil e pensa que arranjará emprego no seu país, mas nunca terá "um bom salário". É separado e tem uma filha de 14 anos.
"Ouvimos histórias destas todos os dias. Em regra, é ao contrário, imigrantes que vem para Portugal, estão cá dois/três meses e depois viajam até Espanha. Mas não encontram emprego e acabam por regressar."
É a história mais comum aos 347 imigrantes que a OIM ajudou a regressar em 2008, contra os 278 de 2007, um aumento que também se deve à existência de mais projectos de apoio. A organização em Portugal recebe 150 mil euros por ano do Governo português, que dá para apoiar uma média de 150 pessoas e, nos últimos dois anos, juntaram-se-lhe dois projectos financiados por fundos comunitários: o Surria (acabou em Maio 2008) e o REAB (até Maio), este último destinado aos brasileiros que vivem em Portugal, Bélgica e Irlanda, os destinos mais procurados por estes cidadãos.
A comunidade brasileira está em larga maioria porque, actualmente, o fluxo migratório para Portugal é desta comunidade. Como nos anos 80/90 foram os naturais dos países de língua oficial portuguesa e finais de 90 e início de 2000 os oriundos da Europa do Leste. Nesses períodos, foram também as pessoas que imigraram destas regiões quem mais requereram apoio para regressar.
Em 2008, os angolanos estão em segundo lugar na lista dos candidatos embarcados, mas ficam-se pelos 25 (7,2% do total) e, em terceiro estão os ucranianos, com 12 (3,5%). A maioria são solteiros e estão sós em Portugal. E trabalharam na construção civil, na restauração e limpezas.


