14.1.09

Riscos globais acrescidos em 2009 exigem uma visão de longo prazo

Ana Fernandes, in Jornal Público

Relatório do Fórum Económico Mundial traça um cenário negro sobre o ano que agora começa mas lembra também as oportunidades para corrigir erros do passado


A precipitação pode ser o maior risco que o mundo corre. Precipitação na resolução dos problemas, nas decisões sobre investimentos ou na regulação, no esquecimento de questões cruciais. Por isso, os líderes devem dar um passo atrás e ver todo o cenário que este atribulado ano lhes apresenta. E olhar lá para a frente, para o longo prazo.

No último relatório sobre os riscos globais, ontem apresentado, o Fórum Económico Mundial elenca uma série de problemas que pendem sobre os países. E que são quase certos. A deterioração das contas públicas, a desaceleração da economia chinesa e as ameaças para a saúde e segurança alimentar colocadas pelas alterações climáticas são apenas algumas.

"As perspectivas para 2009 são negras para a maioria das economias: os mercados continuaram voláteis, a liquidez financeira não regressa, o desemprego está em crescimento e a confiança dos consumidores e das empresas baixou para níveis recordes", lê-se no relatório.

Nada de novo, dir-se-á. Mas este é um ano que também pode ser uma oportunidade. Uma hipótese de corrigir caminhos errados que têm vindo a ser percorridos nos últimos anos. Para o Fórum Económico Mundial, que se reúne em Davos, na Suíça, de 28 de Janeiro a 1 de Fevereiro, é fundamental melhorar as instituições multilaterais, adaptando-as ao mundo actual.

Mas tão ou mais importante é que, perante os tempos tenebrosos que se vivem, "os impactos dos riscos são ainda mais potentes e a tendência para se entrar em pânico e optar por respostas de curto prazo é mais pronunciada", defendem os autores do relatório. Daí ser fundamental levar os decisores políticos a olharem para os problemas numa perspectiva de longo prazo, abrangendo todas as questões em cima da mesa e que vão desde a actual crise financeira à pressão sobre recursos naturais escassos, como é o caso da água.

Até porque as decisões que agora se tomarem poderão ter grandes repercussões no futuro. Antes de mais, porque o que se verifica - e que a actual crise provou melhor que ninguém - é que tudo está ligado, todos os países, todos os problemas. Não se resolve nada isoladamente.

A necessidade uma resposta coordenada a nível global - uma melhor governação - é considerada essencial pelos autores deste relatório produzido por esta organização que reúne empresas e académicos.

Um rol de dramas

Salientando que os relatórios sobre risco anteriores já alertavam para o que acabou por se verificar em 2008, o Fórum Económico Mundial traça o que chama uma "paisagem de riscos globais" para 2009. Tétrica, diga-se. Uma das questões mais importantes liga-se com a derrapagem das contas públicas, sobretudo em países do G8 e de outras economias, um problema com tendência para se agravar. E isto levará a uma série de outros riscos como um agravamento da queda no mercado de acções e um desinvestimento em infra-estruturas cruciais.

Outros dados problemáticos são a desaceleração da China (ver caixa) e a continuação do colapso do mercado de acções, que levará a mais bancarrotas e créditos malparados. "O círculo vicioso entre o declínio do valor dos activos, a pressão sobre as instituições financeiras e o contínuo desinvestimento continuará a gerar problemas como uma bola de neve", defende o Fórum.

Ligados a muitos dos riscos levantados neste estudo do Fórum Económico Mundial estão a ameaça sobre os recursos naturais e o clima do planeta. Além dos problemas gerados pelas alterações climáticas, que afectam de maneira mais aguda os mais pobres, o que pode gerar mais tensões entre os países, olha-se com especial preocupação para a escassez de água.

Hoje, já 40 por cento da população mundial vive em zonas em stress hídrico e em 2030 este número pode subir para metade dos habitantes do planeta. Além das doenças, das ameaças à produção alimentar, das doenças e dos conflitos regionais, o relatório sublinha a importância que este recurso tem na geração de energia, algo que não pode ser descartado pelos decisores.

Há ainda o risco de deflação. A incerteza no sector financeiro, a queda no valor dos activos, a incerteza no crédito, a reduzida procura e o aumento do desemprego podem criar uma espiral de inflação negativa. Mas o relatório salienta que este risco "deve ser visto no contexto de uma inflação de longo prazo" já que, em vários períodos passados, os governos optaram por corrigir a dívida pública recorrendo à inflação.

Aposta na confiança

Acrescem riscos inesperados. Aqueles que forem relegados para segundo plano dada a emergência da crise actual - caso do ambiente - ou os que aparecem por desinvestimento em infra-estruturas. Esta aposta é considerada crucial, desde que seja feita em projectos de longo prazo, que permitam um melhor uso dos recursos, reduzindo emissões e resíduos e construindo estradas e edifícios que sejam mais eficientes em termos de energia e uso da terra. A ausência deste investimento ou o investimento em projectos errados terão grandes custos, salientam os autores do relatório.

Cuidado! Esta é a palavra que mais se salienta no relatório. Cuidado com as decisões, com as vistas curtas, com o excesso de intervencionismo estatal, com uma regulação mal concebida que atrofie os mercados, com as opções de salvar algumas empresas, premiando a má gestão e prejudicando a concorrência.

O caminho em frente é difícil mas possível, conclui o estudo. Desde que se veja mais além mas, sobretudo, que se crie uma nova forma de governação, desde o nível empresarial ao nacional, culminando no multilateral. Que seja mais efectiva, onde os riscos são percebidos e interiorizados.

Mas, sobretudo, que restaure a confiança que esta crise minou. "O nível a que o mundo perdeu confiança nas suas instituições e sistemas é sério, pois sem confiança podemos enfrentar uma potencial, e calamitosa, espiral de problemas", vaticina Klaus Schwab, presidente do Fórum Económico Mundial.