9.1.15

Crime em família. Empresas de fachada, uma burla de 7 milhões e fugas pelo telhado

Por Sílvia Caneco, in iOnline




Ex-gerente de antiga farmácia do Colombo, que esteve no centro de notícias do i, é suspeito de tentativas de burla de 60 milhões




A sobrevivência de uma farmácia atolada em dívidas foi o rastilho para a detenção de dois homens: um pai, professor universitário, com obra publicada na área das ciências económicas, e um filho, ex-funcionário bancário desempregado. A captura teve direito a um momento improvável nas operações de busca relacionadas com o crime económico-financeiro: ao aperceber-se de que iria ser detido, o filho ter-se-á dirigido ao sótão de casa, na margem sul do Tejo, trepado para o topo do edifício e saltado de telhado em telhado. A detenção viria a ocorrer em Lisboa.

Apesar da circunstância da fuga, das suspeitas de associação criminosa, burla qualificada, fraude fiscal qualificada e branqueamento de capitais, e de pai e filho se terem remetido ao silêncio durante o interrogatório, o juiz do Tribunal de Instrução Criminal determinou em Dezembro que ficassem em liberdade, sujeitos a termo de identidade e residência.

O i divulgou em Outubro de 2013 a história que esteve na origem da investigação: José Poças Rascão (o pai) era sócio--gerente de duas farmácias que viriam a ser declaradas insolventes. Como uma delas, a Findor, antiga farmácia do Centro Comercial Colombo, estava afogada em dívidas, com atrasos nos pagamentos a fornecedores e nas rendas, o gerente ter-se-á servido de outra farmácia no norte do país – a Farmácia Ruão, em Paredes – para conseguir que a primeira sobrevivesse e tivesse stock de medicamentos. José Rascão era ainda suspeito de ter contraído créditos junto de entidades bancárias que não tencionava pagar e, pelo menos num dos casos, com recurso a assinaturas falsificadas de uma sócia da Farmácia Ruão.
Em Dezembro, o pai, de 68 anos, e o filho, de 45, acabaram detidos por esquemas semelhantes. São suspeitos de terem falsificado documentos e criado empresas de fachada no ramo da actividade farmacêutica para poderem contrair empréstimos que nunca pagariam, lesando dois bancos e uma instituição financeira em 7 milhões de euros.

E a burla só não é de um valor mais avultado porque nem todos os bancos aceitaram ceder crédito. As tentativas, junto de agências bancárias da Grande Lisboa e do norte do país, ascendem aos 60 milhões de euros.

José Poças Rascão e o filho aproveitar--se-iam da actividade farmacêutica como pretexto para celebrarem contratos com as instituições bancárias, suportados em documentação que não era verdadeira, chegando mesmo ao ponto de forjar documentos de outras instituições de crédito.

O esquema, que está a ser investigado no DIAP de Lisboa e pela Polícia Judiciária (PJ) de Setúbal, terá sido iniciado em 2009. Inicialmente, eram pai e filho que davam a cara pelos pedidos de crédito. A certa altura, alteraram o método, passando a recrutar testas-de--ferro que aliciariam com contrapartidas económicas de um valor insignificante, muitas vezes com a promessa de que seriam contratados para trabalhar nas farmácias.

A PJ de Setúbal tem indícios de que os dois arguidos detidos no âmbito da Operação Pharma nunca terão tido intenção de pagar os empréstimos que contraíam – o que terá provocado uma bola de neve: quando aparecia um buraco, os dois homens arranjavam maneira de pedirem um novo crédito para o taparem, gerando outro.
Num só caso, duas instituições bancárias terão saído lesadas em mais de 5 mil milhões de euros. A dupla celebrara um contrato de factoring, através do qual cedia a um banco os créditos que tinha noutro banco. Quando o banco A se dirige ao banco B para cobrar as facturas que os clientes lhes terão emitido, é informado de que, afinal, elas não existem ou não são verdadeiras.

Os dois arguidos são ainda suspeitos de fraude fiscal – embora os rendimentos possam ser ilícitos, teriam de ser tributados – e de branqueamento de capitais. Os indícios recolhidos pelos investigadores que, ao que o i averiguou, já têm a análise bancária praticamente concluída, apontam para a existência de dezenas e dezenas de contas em bancos portugueses, num circuito complexo que teria como fim dissimular a origem dos rendimentos e a sua trajectória. Há ainda a suspeita de usurpação de uma entidade sediada fora do espaço europeu para, alegadamente, fazer sair parte do dinheiro do país.

O elemento mais velho da dupla é professor na Escola Superior de Ciências Empresariais do Instituto Politécnico de Setúbal.