22.1.16

Pobreza no Parlamento: “demagogia” ou “desempobrecimento nacional”?

Ana Cristina Pereira ,Andreia Sanches, in "Público"

O PS, que requerera o debate de urgência no Parlamento sobre combate à pobreza, não levou nenhuma proposta nova. Antes descreveu o que considera ter sido o impacto das políticas do Governo anterior “Em cada mês de governação PSD/ CDS houve mais cinco mil pobres, dois mil dos quais crianças e jovens”, disse, logo a abrir, o deputado João Galamba e explicou por que é que acha que o executivo de António Costa é o “Governo do desempobrecimento nacional”, expressão usada por outro deputado socialista, Tiago Barbosa Ribeiro. “É só demagogia!” gritou-se na bancada da oposição.

Foi, de resto, um debate bastante aceso, o de ontem, no Parlamento.

Galamba falou de “selvajaria social na austeridade” para descrever o que se viveu nos últimos tempos, com uma taxa de risco de pobreza a atingir os 19,5% em 2014. Os deputados do PSD e do CDS não deixaram de reagir ruidosamente uma vez mais.

De seguida, o CDS-PP fez saber, através do deputado Filipe Lobo D Ávila, que acabara de entregar uma proposta de diploma à assembleia.

Quer que as pensões mínimas, sociais e rurais sejam actualizadas anualmente, tendo como base o valor da in? ação prevista para o ano em que entram em vigor e não o aumento da in? ação do ano anterior, como agora. É que o já anunciado aumento de 0,4%, para 2016, das pensões até 628 euros, “dá três cêntimos por dia” [no caso da pensão social]. Indignação ruidosa, de novo, desta vez nas bancadas da esquerda.

José Soeiro, do BE, declarou: “80% dos pensionistas que vão ver agora as suas pensões aumentadas tiveramnas congeladas pelo seu Governo.” E mais, disse Soeiro: “As poucas pensões que o Governo [PSD/CDS] aumentou foi uma aldrabice. Aumentaram as pensões, tiraram o Complemento Solidário para Idosos [CSI].” Quem recebia a pensão social e CSI, por exemplo, perdeu rendimento, já dissera Galamba.

O CSI, recorde-se, foi criado pelo Executivo de José Sócrates para assegurar que nenhum pensionista, que não tivesse outros rendimentos, recebia uma pensão abaixo do limiar de pobreza (limiar que está actualmente nos 422 euros mensais). Mas nos últimos anos, esta medida sofreu alterações o valor de referência dos rendimentos, que determina quem pode ter direito, baixou e o universo de bene? ciários foi encolhendo.

Tanto Diana Ferreira, do PCP, como José Luís Ferreira, do PEV elogiaram as medidas já adoptadas pelo Governo PS, de alargar o CSI e descongelar as reformas inferiores a 628 euros, mas mostraram-se insatisfeitos. Pediram “um aumento real das pensões”.

Já Filipe Lobo D Ávila não deixou de responder a Soeiro. Disse que o BE chegou a apresentar uma proposta para o Orçamento do Estado de 2015, que previa “um aumento de 25 euros por mês nas pensões, e agora acaba por aceitar 3 cêntimos por dia”. Rematou: “Deviam corar de vergonha.” “Os senhores actualizaram mais ou menos 800 mil pensões”, respondeu Cláudia Joaquim, a secretária de Estado do Segurança Social. O Governo socialista vai actualizar 2,5 milhões, sublinhou ministro da Solidariedade e Segurança Social, José Vieira da Silva. Lembrando também que o Governo anterior se limitou a aumentar as pensões mínimas com carreiras contributivas curtas, de até 15 anos, o ministro acrescentou, não sem ironia: “Todas as outras não tiveram um cêntimo de aumento, mesmo as dos pensionistas com carreiras contributivas de 15 a 20 anos, por exemplo, que recebem 275 euros de pensão, o que não é propriamente uma pensão milionária.” Ao mesmo tempo, o CSI “foi duplamente desvalorizado”, prosseguiu. O seu valor foi reduzido e “deixou de ser alvo de divulgação”, o que, lembrou, é importante numa prestação que tem de ser requerida pelos idosos.

No último dia de 2015, o seu Governo decidiu repor o valor de referência do CSI que existia em 2013, 5022 euros/ano, o que deverá perVieira da Silva diz que aumentos nas pensões e mudanças no CSI têm de ser vistos de “forma integrada” Foi quente o debate no Parlamento. O Complemento Solidário para Idosos e os aumentos deste e do anterior Governo das pensões tiveram um papel central nas intervenções dos deputados Parlamento Andreia Sanches Em Dezembro houve menos idosos com complemento solidário Estatísticas da Segurança Social mostram forte baixa no abono de família O número de idosos com complemento solidário (prestação social que pode ser requerida por quem tem pensões muito baixas) continuou em quebra, em Dezembro: o ano acabou com 166.174 beneficiários contra 170.529 contabilizados em Dezembro de 2014 (chegaram a ser mais de 236 mil em 2011).
O mesmo se passou com os titulares de abono de família: 1.119.222, menos 498 mil crianças abrangidas do que um ano antes. Menor foi a redução no Rendimento Social de Inserção (RSI), que chegava no fim de 2015 a 209.390 pessoas, novas e menos novas, muito perto das 209.734 registadas um ano antes. As mais recentes estatísticas mensais da Segurança Social confirmam ainda uma tendência para a redução do universo dos que são abrangidos por alguns apoios sociais destinados aos mais pobres o RSI, por exemplo, chegava em Dezembro de 2011 a mais de 316 mil pessoas, um ano depois era pago a menos de 281 mil e em Dezembro de 2014 não chegava aos 210 mil. Um corte de 34% num período em que a taxa de pobreza aumentou de 17,9% para 19,5%. O montante médio da prestação é hoje de 213 euros por família abrangida.

Com as medidas recentemente aprovadas pelo Governo é previsível que estes números voltem a subir. Por exemplo, no último dia do ano, o Governo decidiu repor o valor de referência do Complemento Solidário para Idosos que existia em 2013, 5022 euros/ano, o que deverá permitir que mais pessoas possam ser abrangidas.

As estatísticas mostram ainda que as prestações de parentalidade sobem em geral, num ano em que a natalidade também subiu: mais de 38 mil beneficiários em Dezembro de 2015 contra 33.577 em Dezembro de 2014 (números que incluem os beneficiários de subsídio parental inicial, subsídio parental alargado e subsídio social parental inicial).

mitir que mais pessoas possam ser abrangidas. Claudia Joaquim estimou que 70 mil idosos possam voltar a bene? ciar desta medida.
Pedro Roque, do PSD, ainda fez questão de sublinhar que todos naquelas bancadas estavam “a favor do Estado Social”. O deputado defendeu que o anterior Governo, mesmo num momento difícil, “salvaguardou os portugueses de menores rendimento” e criou “o Programa de Emergência Social”. Já Cláudia Joaquim disse que “o Programa de Emergência Social resume-se às cantinas sociais” que custaram mais de 40 milhões de euros por ano. “E nem uma avaliação encontrámos” sobre o seu impacto, prosseguiu. Vai agora ser feita, prometeu, explicando que, seja como for, nos próximos seis meses as cantinas continuarão a funcionar.

Já Vieira da Silva respondeu ao PCP e ao PEV, reconhecendo que os aumentos das pensões são baixos “É óbvio que há limitações” , mas há o aumento do CSI. “É preciso ver isto de forma integrada.” PAULO PIMENTA Acabou no ? nal de 2015 a Estratégia Nacional de Integração das Pessoas Sem-Abrigo. Os vários Núcleos de Planeamento, Intervenção a SemAbrigo (NPISA) aguardam orientação do Instituto de Segurança Social. Ninguém sabe se a estratégia termina mesmo, se se prolonga, se dá lugar a uma nova. O Bloco de Esquerda quer que o Governo a avalie, a renove e lhe destine recursos.

Incitado por Bruxelas, Portugal criou em 2007 um grupo de trabalho para desenvolver uma Estratégia Nacional de Integração das Pessoas Sem-Abrigo. O plano, com um eixo sobre informação e outro sobre intervenção, foi aprovado em Março de 2009, mas nunca teve dotação orçamental.
O Instituto de Segurança Social, que coordena a estratégia, não respondeu ainda às questões colocadas pelo PÚBLICO, pelo que, para já, é impossível dizer se há uma avaliação interna, se há uma decisão, quantas pessoas em situação de sem-abrigo foram sinalizadas, quantas saíram das ruas, quantas foram integradas, quantas continuam a ser acompanhadas, em que partes do país.

De acordo com o plano, sempre que o número de sem-abrigo justi? ca, deve constituir-se um NPISA e delinear-se um conjunto de respostas integradas. Em 2013, quando foi feita a avaliação intercalar, havia 14 - Almada, Amadora, Aveiro, Braga, Cascais, Coimbra, Faro, Figueira da Foz, Lisboa, Oeiras, Porto, Seixal, Setúbal e Vila Nova de Gaia. Poucos iam além da articulação entre técnicos. Nessa altura, 4420 pessoas sem-abrigo em todo o país eram acompanhadas.

Muito ? cou por fazer nesta estratégia destinada a garantir que ninguém é obrigado a permanecer na rua mais de 24 horas. Um exemplo: não foi criado qualquer centro de emergência (estruturas de resposta imediata, das quais se sairia, com um diagnóstico já feito, para alojamento temporário ou permanente).

José Soeiro, eleito pelo círculo do Porto, ouviu falar nas falhas - em Julho do ano passado levou ao ParBloco quer que Governo renove estratégia de integração de sem-abrigo lamento membros do movimento Uma Vida Como a Arte, formado por pessoas com experiência de rua -, mas confere mérito à estratégia, que juntou entidades públicas e privadas de diversas áreas. A transversalidade da intervenção e a articulação de técnicos, de entidades, parecem-lhe características demasiado importantes no combate à pobreza.

“Faltaram recursos”, resume o deputado. “Há medidas concretas que estavam previstas e que não foram desenvolvidas.” Críticas e esquecimento O NPISA-Porto foi o que mais se desenvolveu: criou uma plataforma de intervenção, outra de voluntários, outra de emprego, outra ainda de expressão, a que chamou Vozes do Silêncio. Em vez de um centro de emergência, lançou um serviço de triagem: um atendimento de primeira linha, assegurado, à vez, por técnicos de organizações que fazem parte a rede coordenada pela Segurança Social. E sobram críticas. O número de técnicos disponibilizados pelos parceiros foi diminuindo com o tempo. A triagem não funciona ao ? m-de-semana. O albergue não chega para as encomendas. Um quarto de pensão pode ser mais aconselhável e não haver verba.

No início de 2015, a EAPN/Rede Europeia Anti-Pobreza - Portugal questionou o então ministro da Segurança Social, Pedro Mota Soares.
Ainda houve uma reunião, mas já no ? m da legislatura, diz Sérgio Aires, consultor daquela entidade e dirigente do Observatório de Luta Contra a Pobreza na Cidade de Lisboa.

“Era suposto ter havido uma avaliação do impacto da estratégia, executada por entidade externas”, salienta José Soeiro. O balanço permitiria perceber o que correu bem, o que correu mal, delinear propostas de reformulação da Estratégia a partir de 2015. “É um tema su? cientemente importante para não se descurar “, diz. “A sensação que temos é que caiu no esquecimento”.

O ano chegou ao ? m sem que tivesse sido divulgado qualquer relatório de avaliação. E, diz ainda, “o anterior Governo não fez nenhuma diligência para lançar uma nova estratégia.” Esta quinta-feira, o grupo parlamentar do Bloco de Esquerda entrega na Assembleia da República um projecto de resolução a recomendar “ao Governo que proceda a uma avaliação participada e integrada da estratégia, incluindo todas as entidades parceiras e as próprias pessoas sem-abrigo”, que a renove, “garantindo a parceria entre os diferentes sectores da política social, as entidades envolvidas e as pessoas sem-abrigo”, e que “destine recursos” para a sua concretização.

O mais provável é que a proposta baixe à Comissão do Trabalho, da Solidariedade e da Segurança Social.

Ana Cristina Pereira PAULO PIMENTA Muito ficou por fazer na estratégia de integração dos sem-abrigo 4420 Em 2013, quando foi feita a avaliação intercalar da estratégia que acabou em 2015, eram acompanhadas 4420 pessoas sem-abrigo em todo o país Melhores pensões Aumentos nas pensões mínimas A ideia é simples: em vez de fazer contas com o passado, fazê-las para o futuro. O CDS entregou ontem no Parlamento uma proposta para que as pensões mínimas, sociais e rurais sejam actualizadas anualmente pelo menos consoante a inflação do ano prevista para o ano em que o aumento entra em vigor.

O PSD já prometeu entregar idêntica proposta, sendo ambas discutidas no dia 28 deste mês.

O líder parlamentar do CDSPP defendeu que a medida é “da maior justiça social”, por se tratar das “pensões mais baixas das pensões baixas”, e em “defesa de mais de um milhão de pensionistas que serão afectados pela medida do Governo que provocará uma perda real do seu poder de compra”.
Se as pensões fossem actualizadas este ano tendo como referência a inflação de 1,5% prevista no DEO Documento de Estratégia Orçamental como propõe o CDS, os beneficiários da pensão social receberiam mensalmente mais 3,02 euros, da pensão rural teriam mais 3,63 euros, e a pensão mínima aumentaria 3,93 euros. Mas com a proposta de aumento de 0,4% do Governo os pensionistas recebem, respectivamente, mais 80 cêntimos mensais (pensão social), 96 cêntimos (rural) e 1,05 euros (mínima).

O PSD apressou-se a vir anunciar que vai entregar um diploma com o mesmo teor.

O deputado Adão Silva disse que o Governo “começou muito mal” ao aumentar as pensões de 1,1 milhões de pensionistas mais pobres em apenas 0,4% quando a inflação prevista pelo próprio PS é “muito maior”. A direita quer aprovar estes diplomas com o Orçamento do Estado para 2016, com retroactivos a Janeiro.