5.9.17

Menos migrantes chegam à Europa após acordo com milícias armadas líbias

Alexandre Martins, in Público on-line

Desde o dia 9 de Agosto não foi registada uma única morte no Mediterrâneo e o número de pessoas que chegaram à Europa caiu cerca de 80%. Associated Press noticia existência de um acordo que liga Itália, o Governo provisório da Líbia e milícias armadas acusadas de violação e tortura.

Os números mais recentes sobre a chegada de migrantes e refugiados à Europa através do Mar Mediterrâneo deixaram analistas e organizações não-governamentais espantados - sem explicação aparente, no último mês chegaram ao continente europeu apenas 2936 pessoas, quando há um ano o balanço de Agosto tinha encerrado em 21.294, depois de em Julho já se ter registado uma queda de 50% em relação a 2016.

Entre o início do ano e o domingo passado, 121.517 pessoas fizeram a travessia do Mediterrâneo entre países como a Líbia e Itália, Grécia, Chipre e Espanha - por esta altura, no ano passado, já tinham chegado aos mesmos destinos 272.612 pessoas, a maioria cidadãos de países da África subsariana. Com menos chegadas, o número de mortes também desceu - de 3228 no ano passado para 2410 este ano.

Os números que foram sendo avançados pela Organização Internacional para as Migrações desde o início do ano não deixavam antever uma queda significativa - foi só a partir de Julho que se registou uma queda acentuada, que tem sido cada vez mais impressionante: desde o dia 9 de Agosto que não há registo de uma única morte no Mar Mediterrâneo.

Não há uma explicação oficial para esta descida abrupta no número de chegadas à Europa e no número de mortes, mas há algumas movimentações que servem para levantar a ponta do véu - e pelo menos uma delas pode vir a revelar-se embaraçosa para os governos europeus.

Já esta semana, a agência Associated Press noticiou que o Governo italiano (através dos seus serviços secretos) fez um acordo com duas milícias armadas líbias acusadas de serem as principais responsáveis pelo tráfico de seres humanos na região de Sabrath - um dos principais pontos de partida de migrantes e refugiados.

Segundo a investigação da agência de notícias, as milícias estão a fazer o contrário do que faziam até agora - em vez de forçarem milhares de pessoas a fazerem a travessia do Mediterrâneo em condições miseráveis (muitas vezes depois de as chantagear, explorar e espancar), as milícias Al-Ammu e Brigada 48 fazem agora o papel de agentes da autoridade ao serviço do frágil Governo provisório liderado por Fayez al-Sarraj. Para além disso, há denúncias de maus-tratos contra migrantes e refugiados por parte dos agentes da Guarda Costeira da Líbia, que foi reforçada nos últimos meses após um acordo com a União Europeia.

"Temos documentado uma série de violações dos direitos humanos cometidos por essas agências", disse à Euronews o investigador Matteo de Bellis, da Amnistia Internacional, referindo-se em particular à nova Guarda Costeira da Líbia, que foi "recrutada pelos Governos europeus para assumir o controlo do Mediterrâneo central". Há também acusações de que as milícias continuam a controlar centros de detenção de migrantes e refugiados onde a Amnistia Internacional registou "casos horríveis" de violação, tortura e escravatura.

Apesar da eficácia que se traduz na diminuição do número de chegadas à Europa e de mortes no Mediterrâneo, os acordos feitos entre um frágil Governo provisório líbio, milícias armadas que têm contribuído para manter o país numa situação caótica e agentes dos serviços secretos italianos tem tudo para correr mal, disse ao Washington Post o especialista em migrações Marco Funk, do European Policy Center. "Essas milícias andam sempre à procura daquilo que lhes dá mais lucro. Tenho dúvidas sobre a sustentabilidade desta abordagem. Acho que não vai durar muito tempo."

Para além dos receios em relação ao tratamento dos migrantes que são detidos pela Guarda Costeira líbia ou impedidos de inciar a travessia pelas milícias armadas, as organizações não-governamentais dizem que esta solução pode levar a que as pessoas procurem outros pontos de partida, tal como aconteceu no ano passado quando houve um reforço das operações entre a Turquia e a Grécia. Desta vez, é possível que muitas pessoas comecem a tentar entrar na Europa através da Península Ibérica - apesar de o número global de travessias ter descido este ano, as chegadas a Espanha registaram uma enorme subida, de 3805 nos primeiros sete meses de 2016 para 8385 entre Janeiro e Julho deste ano.

O Governo italiano nunca confirmou a existência de um acordo com as milícias líbias - oficialmente Roma diz que não faz comentários sobre assuntos relacionados com os seus serviços secretos, ou então afirma que não faz acordos com traficantes, o que pode não querer dizer muito (se as milícias estiverem efectivamente a trabalhar para o Governo líbio, podem ter deixado de ser tratadas como grupos de traficantes). As fontes ouvidas pela Associated Press dizem que as negociações foram feitas directamente entre elementos dos serviços secretos de Itália e os líderes das milícias.