26.6.18

Prémio para o construtor de casas num país sem chão

Rute Barbedo e Leonardo Monteiro , in Expresso

O Mónaco virou uma cidade EY: nas ruas, nos hotéis, nos debates, na gala internacional do

Vencedor. Com o plano “Casa para Todos”, Rubens Menin foi o primeiro empreendedor da América do Sul a entrar para a lista de vencedores do World Entrepreneur of the Year, um marco que o júri fez questão de salientar na noite de entrega do prémio, no Mónaco. António Rios de Amorim, presidente da Corticeira Amorim, foi o representante de Portugal, entre 46 países, depois de ter vencido a edição nacional do galardão, atribuído pela consultora EY, a 13 de abril. A EY tem premiado, todos os anos, empreendedores que se destacam pela sua liderança, pela inovação, pela visão e também pelo impacto social da sua atividade. Menin sucede ao canadiano Murad Al-Katib, que utilizou o seu império de proteína vegetal para alimentar refugiados através do Programa Mundial de Alimentos das Nações Unidas

Brasil, dezembro de 2017. Quase um quarto da população vive na pobreza, 13,3 milhões dos quais em situação extrema, com 133,72 reais (€31) por mês, segundo os dados mais recentes do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. Quem pode ter casa neste país? Esta era a pergunta que, já em 1979, ressoava na cabeça de Rubens Menin, então um jovem de 23 anos, acabado de sair da Universidade Federal de Minas Gerais.

Com a desigualdade social como pano de fundo, o engenheiro, filho de engenheiros, decidiu montar com dois sócios uma empresa focada no segmento da habitação de baixo custo. Quanto mais apostavam numa estratégia para aumentar o acesso à habitação mais se gritava à sua volta que iam pelo “caminho errado”. Pelo menos é esta a versão contada pelo empresário brasileiro, presidente executivo da MRV Engenharia, a maior construtora da América Latina, e, desde 16 de junho, vencedor do World Entrepreneur of the Year (Empreendedor Mundial do Ano) 2018, o prémio atribuído pela consultora EY — e ao qual o Expresso se associa este ano — desde 1986 para distinguir a inovação, o impacto social e a capacidade de gestão e liderança no mundo das empresas. Com poucas palavras para agradecer a distinção quando subiu ao palco em Monte Carlo, no Mónaco, Menin deu à assistência tempo para perceber, 39 anos depois da fundação da MRV, que o que estava errado em tudo isto eram os avisos.

“O meu trabalho é fazer casas para as pessoas. A casa é a coisa mais importante que se pode ter”, afirmou o brasileiro na noite em que arrecadou pela primeira vez para a América do Sul o prémio de empreendedorismo. Focado neste propósito, Rubens Menin investiu na tecnologia para acelerar processos e tornar mais acessível o produto final. “Conseguimos pegar na construção civil, que é artesanal, e aos poucos ir industrializando, até ela ficar cada vez mais affordable [acessível]”, explicou o empreendedor. Nos últimos cinco anos, apresentaram ao mercado preços 25% mais baixos, e o objetivo é “fazer muito mais”, garante o empresário.

Leve na grua, leve no bolso
Se um metro quadrado de um apartamento pesava duas toneladas há alguns anos, a MRV conseguiu reduzir o peso em 500 quilogramas. “Estamos a planear chegar a uma tonelada por metro quadrado”, destacou o presidente da MRV, que já entrou no mercado norte-americano e tem planos para expandir o negócio para outros continentes. Uma das marcas da inovação da empresa está presente no chamado método “parede de betão”, através do qual é possível construir um edifício de quatro andares com 16 unidades habitacionais em 10 dias.

Com mais de 300 mil propriedades no seu portefólio e o impacto de ter construído a casa de um em cada 200 brasileiros, a MRV registou em 2017 uma receita líquida de 1,4 mil milhões de dólares (€1,2 mil milhões) e um lucro de 197 milhões de dólares (€170 milhões). Os números também pesaram na balança do júri que nomeou o brasileiro Empreendedor do Ano, mas perante o painel que compunha a final do Mónaco (estavam representadas organizações de 46 países) falar de milhões não terá sido particularmente impressionante.

Foi a capacidade de tornar a habitação acessível a algumas das comunidades mais pobres do Brasil, bem como a história de “persistência para ser bem-sucedido contra um cenário de desafios económicos nacionais e anos turbulentos”, como frisou Mark Weinberger, presidente executivo da EY, que mais contribuiu para a decisão do júri, presidido por Jim Nixon, da Nixon Energy Investments. “O painel de jurados ficou impressionado com o seu espírito inovador e empreendedor e com o seu propósito de contribuir para uma sociedade mais justa e igualitária”, declarou Nixon.

“Ele está no auge”
No décimo país mais desigual do mundo (segundo dados de 2017 divulgados pela Organização das Nações Unidas), “ser a maior construtora do país tinha tudo para ser má notícia”, escrevia a revista brasileira “Encontro”, em 2015, num artigo sobre Rubens Menin intitulado “Ele está no auge”. “O mercado está metido numa séria crise, e a venda de imóveis despencou nos últimos anos. As construtoras estão com estoques [stocks] abarrotados. Mas Menin não tem do que reclamar. Ele está, afinal, colado numa marca que parece pertencer a um outro Brasil: a MRV. Só na última década, a empresa cresceu quatro mil vezes — pulou de 120 milhões de reais (€27 milhões) para 5 mil milhões de reais (€1151 milhões) de receita líquida —, e o seu valor patrimonial cresceu mais de seis mil vezes”, destacavam os redatores.

A história deste empreendedor é, no entanto, bem diferente das que conferiram a Jeff Bezos e Reid Hoffman, fundadores da Amazon, ou Sergey Brin e Larry Page, da Google, vitórias entre empreendedores de todo o mundo distinguidos pela EY. Ainda assim, acredita Menin, há um aspeto comum a todos: “O poder de um empreendedor é o de mudar o mundo. Todos os empreendedores que encontrei aqui não estão a pensar em negócios mas em mudar o mundo. E eu espero fazer a minha parte.”

Foi também esta atmosfera de proximidade e o contacto permanente entre grandes empresários — inclusive António Rios de Amorim, presidente da Corticeira Amorim e representante português na final do prémio (ler “A cortiça vai continuar a ganhar mercado”) — que marcou o evento da consultora com sede no Reino Unido entre os dias 13 e 16 de junho.

Com uma série de painéis de discussão e apresentações sobre as economias do futuro, Monte Carlo foi o lugar da “fina-flor do empreendedorismo mundial” durante quatro dias, nas palavras de João Alves, presidente da EY Portugal. Mesmo quem não pisou o palco da vitória levou alguma coisa para casa. “O evento está muito virado para a partilha de informação entre participantes e guest speakers [oradores convidados] e, portanto, são dias muito produtivos”, declarou o responsável.

“Todos diziam que íamos no caminho errado”
Passaram 39 anos desde que Rubens Menin fundou a MRV Engenharia e viu o seu trabalho reconhecido internacionalmente. Reduzir o custo da habitação sem perder qualidade tem sido o propósito que o move. Desde 2013, conseguiu baixar os preços em 25% no segmento do baixo custo. Além de liderar a MRV Engenharia, o empresário de 62 anos é também presidente do Bancointer, da LOG Commercial Properties, da Urbamais, da ahs Residential e da Associação Brasileira de Incorporadoras Imobiliárias. Já teve um blogue e agora elege o Twitter como um dos meios preferenciais de comunicação. Seguem-no 259 mil pessoas.

Por que razão entrou neste sector?
O meu pai e a minha mãe eram engenheiros, cresci com a engenharia no meu ADN. Quando começámos a empresa não foi fácil. Todos diziam que íamos no caminho errado e no sector da construção chamavam-nos de patinho feio. Mas decidimos continuar em frente. Entretanto, dei muito emprego e cresci muito, mas não é suficiente criar emprego, tem de haver um grande propósito por detrás.

O que significa este prémio?
É um momento ímpar na vida da gente, muito bacana. A casa própria é um problema muito importante no Brasil, mas também no mundo. Então, acho que isso aumenta a força de a gente mudar esse momento de fazer mais casas próprias para a população de baixa renda [rendimento]. Não sei o que o júri pensou, mas o que eu vejo é que [ter] casa própria é muito caro, então você tem que baixar o custo sem perder a qualidade. Qual é a forma de fazer isso? Tecnologia. Hoje, o nosso custo está 25% mais barato do que há cinco anos. Mas não podemos parar por aí, temos de baixar mais ainda. O grande desafio é esse.

Vencer o prémio é uma oportunidade para expandir o negócio?
Não acredito que, hoje, uma empresa de alto impacto possa ser uma empresa nacional; ela tem de ser globalizada. A MRV é a maior empresa [de construção de habitação] da América Latina, mas não é a maior do mundo. Queremos ser um grande player no mundo. Já estamos nos Estados Unidos... Mas para isso precisamos de ter tecnologia e capacidade para poder expandir.
“A cortiça vai continuar a ganhar mercado"

Nem sempre o presidente da Corticeira Amorim esteve convicto de que a cortiça teria lugar certo no mundo. Na altura em que passou a liderar o negócio em 2011, esta matéria-prima natural perdia terreno para produtos alternativos, como o plástico. Os resultados do grupo em 2017 — fechou com €73 milhões e viu subir as vendas em 9,2% — mostram que António Rios de Amorim soube dar a volta à situação, através da diversificação do negócio, aposta no design e na inovação.

Como foi defender a candidatura frente ao júri?
Tudo isto é muito estruturado. Recebemos um conjunto de indicações acerca dos tópicos sobre os quais o júri pode fazer perguntas e temos uma sessão de preparação com vencedores de edições anteriores, que já passaram por estas entrevistas e exames aos candidatos. Quando se está na entrevista, é um momento de stresse muito grande, porque, em dois minutos, temos de contar a razão pela qual estamos aqui. Depois, seguem-se 18 minutos de perguntas, desafios, provocações, que claramente tentam ver a reação e o contributo do candidato.

Qual foi a pergunta mais difícil que lhe fizeram?
Sobre a valorização do indivíduo... Nós, na Corticeira Amorim, valorizamos a equipa. O que faz diferença é um espírito, uma cultura. Portanto, converter isso tudo para falar em nome pessoal é algo a que não estou minimamente habituado.

Qual é o foco da corticeira para os próximos anos?
A Corticeira Amorim é ambiciosa e empresa que não cresce não tem grande futuro. O crescimento é um dado fundamental. Acreditamos que na área das rolhas a cortiça vai continuar a ganhar quota de mercado contra os produtos alternativos — já no início deste ano, temos conquistado mercados e clientes importantes —; e achamos que a cortiça, como material natural e renovável, vai ganhar com o aumento de fiabilidade que a tecnologia permitiu atingir. O mercado do vinho continua em crescimento e a cortiça também ajuda o vinho a valorizar-se. E esta é a área que representa 70% do negócio da empresa.
Artigos publicados originalmente no Expresso de 23 de junho de 2018