29.6.18

Crise dos refugiados: Líderes europeus chegam a acordo sobre migrantes

in Sapo24

França e Espanha defendem centros de desembarque para migrantes "em solo europeu"

Migrações: Primeiro-ministro italiano ameaça com veto na cimeira da UE

"Os 28 líderes da UE concordaram com as conclusões do Conselho Europeu, incluindo sobre imigração", informou o presidente da instituição, Donald Tusk, através do Twitter, ao final de uma noite de complexas negociações.
O primeiro-ministro italiano, Giuseppe Conte, celebrou o acordo destacando que "a Itália já não está só" sobre a questão. "Este acordo reconhece que a gestão dos fluxos migratórios deve ser organizada com um enfoque integrado, como havíamos pedido, no plano interno e externo, e com um controle de fronteiras", disse Conte.

O primeiro-ministro da Polónia, Mateusz Morawiecki, cujo país se recusou a acolher os refugiados no plano de divisão adotado entre 2015 e 2017, celebrou o "ótimo compromisso". "Há declarações sobre recolocações de caráter voluntário baseadas no consenso".

O que diz o acordo
Neste acordo, o Conselho Europeu compromete-se a "impedir o regresso aos fluxos descontrolados de 2015 e a travar ainda mais a migração ilegal em todas as rotas existentes e emergentes".

A par, o documento prevê "intensificar esforços" para travar contrabandistas e continuar "a apoiar a Itália e outros Estados-membros que estão na linha da frente desta questão".

Foi ainda firmado o compromisso de "face ao recente aumento dos fluxos no Mediterrâneo Ocidental", a União Europeia "apoiar financeiramente e de outras formas todos os esforços conduzidos por Estados-membros, especialmente Espanha, e países de origem e trânsito, em particular Marrocos, para impedir a imigração ilegal".

Reconhecendo a necessidade de uma nova abordagem no acolhimento, os líderes europeus apelam "ao Conselho Europeu e à Comissão Europeia para que "explorem rapidamente o conceito de plataformas regionais de desembarque, em estreita cooperação países terceiros relevantes, bem como com o ACNUR e a OIM."

O documento acrescenta que as plataformas devem operar “fazendo as devidas distinções das situações individuais, em conformidade com o Direito Internacional e sem criar um efeito de chamada”. Os 28 não mencionam diretamente os países envolvidos pois os Estados devem dar primeiro o consentimento sobre a instalação das infraestruturas nos respetivos territórios .

Acresce o documento que os que forem acolhidos devem ser transferidos para centros de acolhimento na União Europeia. O objetivo é que estes centros procedam à distinção entre refugiados e migrantes económicos. A recepção de migrantes e eventual relocalização e reinstalação será de cariz "voluntário", tendo por vista um "esforço partilhado" dos Estados-membros.

O Conselho Europeu reconheceu ainda que travar o problema migratório requer uma "mudança transformação substancial socioeconómica do continente africano".

Por fim, o "Conselho Europeu recorda a necessidade de os Estados-Membros assegurarem o controlo eficaz das fronteiras externas da União Europeia (UE), com o apoio financeiro e material da UE", sublinhando a necessidade de acelerar significativamente o regresso aos países de origem dos migrantes irregulares na UE.

Uma negociação complexa
A reunião começou às 15 horas (13:00 em Lisboa) em Bruxelas e prolongou-se durante mais de 13 horas, nove das quais foram dedicadas ao debate migratório e sob a ameaça de um possível veto de Itália e as reticências do Grupo de Visegrado (Polónia, Hungria, República Checa e Eslováquia).

No arranque das negociações, a Itália estava a bloquear a adoção de conclusões comuns sobre vários temas discutidos na primeira parte da cimeira europeia em Bruxelas com o objetivo de forçar uma solução sobre os imigrantes. A decisão italiana impedia, inclusive, o anúncio das conclusões dos 28 mandatários europeus sobre defesa e comércio.
Conte, cujo governo populista fechou os portos nas últimas semanas a barcos como o "Lifeline" e o "Aquarius", com migrantes socorridos no mar, havia ameaçado vetar a declaração conjunta caso não obtivesse "ações concretas" dos seus pares, como uma maior partilha da responsabilidade.

"A Itália não precisa de mais palavras, mas de atos concretos. Chegou a hora e, desse ponto de vista, (...) estou disposto a agir de acordo com isso", se não houver resposta às exigências italianas, declarou Conte ao chegar à cimeira de dois dias em Bruxelas.

Três anos depois da maior crise de refugiados na Europa desde a Segunda Guerra Mundial, o acolhimento dos imigrantes continua a colocar os 28 países da UE em disputa, apesar da sua vontade de darem, unidos, um novo impulso ao bloco face à saída do Reino Unido em março do ano que vem (Brexit).

A Alemanha também simboliza a crise política vinculada à migração. A outrora influente chanceler Angela Merkel enfrenta a ameaça do seu ministro do Interior de impedir, de maneira unilateral, a entrada de solicitantes de asilo procedentes de outros países da UE.

O chefe do governo espanhol havia pedido "solidariedade" para com demais países, "especialmente com a Alemanha, que está a sofrer uma crise política", mas Roma rejeitava-se a concentrar-se apenas em responder as exigências alemãs para salvar Merkel.

O primeiro-ministro húngaro, Viktor Orban, advogou à chegada por "fortes controlos de fronteira" para evitar a "invasão" de imigrantes.

Plataformas de desembarque
A Hungria faz parte dos países do Grupo de Visegrado, contrários a uma divisão de migrantes entre os países do bloco, conforme proposto por Itália e por alguns países do Mediterrâneo para reformular o Regulamento de Dublin.

Esta legislação europeia, cuja reforma os 28 tentam levar para a frente há mais de dois anos, estabelece que o país europeu onde um migrante pisa pela primeira vez é responsável por administrar o seu pedido de proteção internacional.

A "minicúpula" de 16 no domingo expôs o leque de opções colocadas pelos governos europeus para blindar o bloco: "centros fechados" na Europa, uma maior cooperação com os países de trânsito e de origem dos migrantes, ou reforçar a Frontex, a agência que ajuda os países na gestão das suas fronteiras externas e contribui para a harmonização dos controlos fronteiriços da UE.
Outras propostas sobre a mesa era a de criar "plataformas regionais de desembarque fora da Europa", para onde transferir os migrantes socorridos no mar e fazer uma seleção. Embora se falasse do norte da África, o Marrocos descartou este conceito esta quinta-feira.

Algumas destas medidas acabaram por avançar no compromisso firmado esta madrugada.

A "cúpula das cúpulas", nas palavras de um funcionário europeu de alto escalão, deixa em segundo plano a difícil negociação do Brexit, dominante nas reuniões anteriores, e o balanço que pode fazer a primeira-ministra britânica, Theresa May, sobre esse processo.
(Notícia atualizada às 09h38)