25.6.18

Há cinco décadas a lutar pela igualdade no feminino

Rita Neves Costa, in Jornal de Notícias

As prisões, as reuniões e os protestos do MDM

Dulce Roclo "Mulheres atuais são idênticas às de 68" Esteve presente na reunião na Padaria do Povo, em Lisboa, onde o movimento foi fundado. Aos 92 anos, continua, todos os dias, a contribuir para a construção da democracia Varia Jose Rib iro "Abril foi uma garrafa de champanhe" Recorda o medo que teve quando foi desafiada para a luta organizada Já tinha sido presa e torturada pela PIDE. Mas disse sim e considera que a luta das mulheres se mantém Há cinco décadas a lutar pela igualdade no feminino Movimento Democrático de Mulheres nasceu do combate à ditadura. A luta continua a fazer sentido Rita Neves Costa sociedade@jn.pt Em 1968, o Movimento Democrático de Mulheres (MDM) nascia com o objetivo de combater a ditadura fascista, então ancorada em Marcello Caetano, já depois da saída de António de Oliveira Salazar da presidência do Conselho de Ministros. Hoje, com 50 anos, o movimento histórico olha para os problemas femininos e para a desigualdade de género com o mesmo assombro que na década de 60.

Ainda antes do MDM, já a Liga Republicana de Mulheres (1908) e o Conselho Nacional das Mulheres Portuguesas (1914) lutavam pela colocação das preocupações femininas na agenda social e política. O Conselho Nacional fecharia por ordem de Salazar, 33 anos após a sua criação. O MDM tornou-se realidade após uma assembleia-geral, na Padaria do Povo, em Lisboa. Foi nesta cooperativa que se começaram a realizar as reuniões. "Como já estávamos na época do Marcello Caetano, queríamos saber como íamos continuar a nossa atividade política", explica Dulce Rebelo, de 92 anos, uma das fundadoras do MDM. Em 1969 avizinhavam-se as eleições legislativas e as mulheres queriam fazer parte do processo. "A mulher não era reconhecida como cidadã.

Só podia votar quem tivesse licenciatura ou fosse viúva", afirma Maria José Ribeiro, de 82 anos, outra fundadora.

Do voto à despenalização do aborto em 2007, foram várias as razões que levaram mulheres de todas as idades, profissões e regiões até ao MDM. Atualmente, o movimento tem uma direção nacional de 33 mulheres, para assegurar o funcionamento. "Ninguém nos deu nada, tudo foi conquistado. Se as mulheres deste país têm direitos, devem-nos à luta organizada", conclui Sandra Benfica, 46 anos, dirigente do MDM. Ver vídeo jri.pt Aos 92 anos, ainda é possível ver Dulce Rebelo a caminhar em manifestações de defesa dos direitos das mulheres: na frente de combate e a segurar cartazes com palavras de ordem e de exaltação ao dia 8 de março, em que se assinala o Dia da Mulher.
Começou no MDM em reuniões na Padaria do Povo, em Lisboa, a tentar descortinar com as companheiras como haveriam de votar nas próximas eleições legislativas de 1969. "Havia um grupo de jovens que se reunia em sessões mais ou menos clandestinas para abordarmos os problemas femininos", relembra a fundadora.

Além de tentarem contornar as restrições do que chama de "ditadura feroz", Dulce Rebelo avança que a Guerra Colonial, para aquelas mulheres da década de 60, foi um dos motores de mobilização.
"Havia um aumento de custo de vida brutal e ninguém sabia como iam aguentar aquelas circunstâncias".

Nas ex-colónias portuguesas, vidas de maridos, filhos e irmãos perdiam-se no mato e não raras vezes, a mulher tornava-se o sustento da casa e por isso, chefe de família. As reuniões serviam sobretudo para se entreajudarem e tomarem posições, cujo objetivo final seria "derrubar o fascismo".

Fazer parte do MDM era equivalente a desrespeitar as normas do Estado Novo. "Embora as possíveis perseguições pudessem acontecer, o movimento foi aumentando em número de aderentes", recorda a antiga professora universitária. A existência de um caderno reivindicativo, as saudações de paz com outros países e a distribuição de folhetos permaneciam clandestinos.
Até que Abril de 1974 chegou.

Para Dulce, o movimento nunca estagnou, adaptou-se. "Temos o direito de evocar os nossos direitos na Constituição. E temos de dizer que 'a democracia se-constrói todos os dias'", afirma. Quanto às novas gerações e aos novos movimentos feministas, a fundadora do MDM acredita que as bases de igualdade de género mantêm-se, tal como em 68. "As mulheres atuais são idênticas às do passado.

Têm lutado com convicção". Tinha 23 anos quando a incentivaram a entrar para a luta organizada das mulheres. Mas Maria José Ribeiro recuou. "Eu fiquei muito assustada", diz ao JN. Antes já tinha sido presa e torturada nas instalações da PIDE no Porto, o atual Museu Militar, por pertencer a movimentos de jovens. O receio de entrar no MDM era sobretudo e especialmente por ser um grupo de mulheres. "Disse logo que era muito complicado", explica a fundadora. Mudou de ideias. MariaJosé Ribeiro aderiu e 59 anos depois continua a fazer parte dos órgãos sociais do Movimento Democrático de Mulheres.

Nos anos seguintes a 1968, o movimento foi construindo uma rede organizada de mulheres em várias localidades. "Tínhamos as amigas de Braga, de Viana, entre outras, e comunicávamos". Desse contacto resultavam ações de um grupo que a antiga profissional de seguros, de 82 anos, considera "semiclandestino".

"As reuniões aconteciam ao sábado a uma hora pacata e as mulhe: res vinham porque eram mulheres", explica. Um grupo de jovens do sexo feminino a conversar em casa parecia inofensivo para o marido, o pai e a ditadura.
Antes do 25 de Abril de 1974, o debate de ideías sobre a condição da mulher fazia-se assim à luz do dia, mas com cautela. No entanto, para Maria José Ribeiro, o dia dos cravos vermelhos foi muito revelador. "Eu não sei onde estava tanta coisa entranhada. Porque foi como uma garrafa de champanhe.

Abriu-se e 'puni', as mulheres apareceram rapidamente na rua".
A seguir à Revolução, apareceram outras mulheres, não ligadas ao MDM, que protestaram também. "Existiram manifestações com mulheres desnudadas, com tachos e panelas nas cabeças. Nós não nos revemos nisso", diz. Porém, quando se trata de comentar os novos movimentos de defesa dos direitos das mulheres, como o MeToo ou o Time's Up, mais presentes nos Estados Unidos da América, Maria José Ribeiro não vacila: "A história das mulheres é tão rica, tem de ser exprimida de várias formas".