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31.7.23

A ofensiva de Itália contra as famílias não tradicionais

De Valérie Gauriat & euronews

O Parlamento italiano debate um projeto de lei que visa transformar a gestação de substituição no estrangeiro num crime universal.

Se o projeto de lei for aprovado, os cidadãos italianos que se deslocarem a países onde essa prática é legal arriscam-se a ficar presos e a pagar uma multa.

Ao mesmo tempo, o governo está a endurecer a sua posição em relação às famílias homoparentais.

Os municípios que até agora concediam certidões de nascimento reconhecendo pais do mesmo sexo foram intimados a deixar de o fazer.

Os repórteres da Euronews, Valérie Gauriat e Davide Raffaele Lobina, estiveram em Itália para descobrir quais são as implicações desta política para as famílias.

A criminalização da gestação de substituição no estrangeiro

Debora e Michele casaram-se em 2012 com o sonho de construir uma família numerosa. Mas Debora sofre de endometriose aguda. Uma gravidez seria demasiado arriscada para ela. Depois de terem tentado adotar crianças em vão, consideraram a hipótese de recorrer à gestação de substituição no estrangeiro, já que, em Itália, esta prática é ilegal.

A primeira-ministra italiana e o seu partido de direita, apoiado pelo governo de coligação, querem que o Parlamento vote um projeto de lei que criminalize os cidadãos italianos que recorram a esta prática em países onde ela é legal.

Ofensiva contra as famílias homoparentais

Em Itália, a adoção e as técnicas de procriação medicamente assistida são proibidas para os casais do mesmo sexo. Aqueles que encontraram opções no estrangeiro puderam, nos últimos anos, registar as certidões de nascimento dos seus recém-nascidos, reconhecendo ambos os pais, em algumas cidades italianas.

Mas o Governo intimou os municípios a deixarem de o fazer. O Ministério Público de Pádua impugnou recentemente 33 certidões de nascimento de crianças nascidas de casais de lésbicas, desde 2017.

Irene e Laura casaram-se no Canadá. Os seus filhos, Alessandra e Davide, nasceram através de fertilização in vitro no estrangeiro. Foram notificadas de que a certidão de nascimento de Alessandra seria retificada através da anulação do apelido da chamada mãe não biológica. Esperam a mesma notificação para o seu filho Davide. Se um tribunal confirmar a ação do Ministério Público, os seus filhos deixarão de ser oficialmente irmãos.

"Isso pode ser muito penalizador para as crianças. O facto de o Estado agir contra elas, anulando oficialmente uma parte da família", considerou Laura.

A solução seria candidatar-se à adoção em casos especiais. No entanto, o Tribunal Constitucional sublinhou que este procedimento não é suficientemente protetor do interesse da criança e que o Parlamento deve colmatar esta lacuna legislativa. "Uma lei seria útil, desde que não venha do atual governo", conclui Irene.

12.5.22

Recuo nos critérios de avaliação que incluíam abortos foi em resposta ao “sentir social”, diz ministra

in Público

Marta Temido insistiu que não estava em causa o direito das mulheres no caso dos indicadores de avaliação das Unidades de Saúde Familiar modelo B que incluíam o aborto voluntário.

A ministra da Saúde insistiu, esta quinta-feira, que não estava em causa o direito das mulheres no caso dos indicadores de avaliação das Unidades de Saúde Familiar modelo B que incluíam o aborto voluntário e disse que o grupo técnico recuou na proposta para responder ao “sentir social”.

“O grupo deu uma nota sobre o tema, referindo que havia necessidade de acompanhar aquilo que era o sentir social, que não estava minimamente posto em causa. Sempre dissemos que não estava em causa o direito das mulheres e, portanto, há um adaptar do indicador para responder aquilo que efectivamente se pretendia”, justificou Marta Temido.

Na quarta-feira, o grupo de trabalho criado para rever o modelo de organização e funcionamento das Unidades de Saúde Familiar (USF) modelo B decidiu retirar os indicadores relativos à Interrupção Voluntária da Gravidez” (IVG) e às Doenças Sexualmente Transmissíveis (DST) da avaliação de desempenho dos profissionais.

Na nota que divulgou a propósito deste recuo, o grupo técnico apresentou um pedido de desculpas “a todas as mulheres que se sentiram ofendidas com esta proposta”, reforçando “a necessidade de continuar a defender medidas que assegurem o acesso à informação, a métodos de contracepção eficazes e seguros, a serviços de saúde que contribuem para a vivência da sexualidade de forma segura e saudável, independentemente do género”.

Questionada sobre se acompanha este pedido de desculpas, a ministra respondeu: “O Ministério da Saúde não faz censura dos trabalhos dos grupos técnicos, acompanha-os, respeita-os, estimula-os, mas tem também a obrigação de, com uma outra leitura, que é uma leitura política da realidade, conduzir o trabalho no sentido de que ele reflicta não só escolhas técnicas correctas, mas também aquilo que é o sentir geral da população”.

"Foi feito um pedido de desculpa por quem fez esta proposta, o grupo técnico. Ao Ministério da Saúde não lhe cabe, uma vez mais, censurar o trabalho dos grupos técnicos, cabe-lhe acompanhá-lo, orientá-lo e também promover a sua discussão mais ampla, sempre com respeito total e completo por dois valores essenciais: os direitos das mulheres, mas também o direito à liberdade de pensamento, a discussão e o debate”, acrescentou.

26.8.21

Dever de solidariedade

Jorge Sampaio, opinião, in Público on-line

Está agora a ser preparado, para além de um reforço do programa de bolsas para estudantes sírios, libaneses e outros, um programa de emergência de bolsas de estudo e de oportunidades académicas para jovens afegãs. Apelo a todos parceiros da Plataforma para que colaborem sempre mais connosco. Façamos uma vez mais prova de que sabemos estar à altura das nossas responsabilidades.

Os dramáticos atentados do 11 de Setembro originaram manifestações de veemente repúdio à escala mundial e desencadearam uma intensa cooperação internacional, na qual Portugal se integrou desde a primeira hora, e cujo objectivo primordial era a luta contra o terrorismo por forma a garantir uma segurança internacional duradoura. A intervenção militar no Afeganistão, em 2001, inscreveu-se neste contexto e foi um exercício legítimo perante o direito internacional. O sucesso militar então alcançado foi significativo, com a derrota do regime taliban e a aniquilação das forças da Al Qaeda e dos seus aliados.

Mas, subjacentes aos ataques do 11 de Setembro, havia objectivos políticos e ideológicos, como sejam o de atiçar a discórdia e o ódio entre o Ocidente e o Islão, que, a meu ver, exigiam uma resposta forte de natureza não militar. A iniciativa da Aliança das Civilizações, lançada pelas Nações Unidas em 2006 - depois da problemática, contestada e danosa invasão e ocupação militar do Iraque e da multiplicação de atentados à bomba contra civis em vários países, designadamente ocidentais - era, a meu ver, a resposta certa para promover o diálogo de civilizações, uma cultura da tolerância, do conhecimento e respeito mútuos e uma coexistência pacífica entre os povos com base no direito internacional e na protecção dos direitos humanos. Lamentavelmente, apesar da bondade dos seus fundamentos e da sua ambiciosa agenda, esta iniciativa nunca dispôs dos meios humanos e financeiros de que necessitava para desempenhar cabalmente a sua missão, para além de o seu enquadramento institucional pelo sistema das Nações Unidas ter sido lento, insuficiente e pouco expressivo no terreno. Lembro-me particularmente bem de uma diligência que efectuei na minha qualidade de Alto Representante da Aliança das Civilizações para persuadir os EUA a aderir a esta iniciativa, durante a qual o embaixador Z. Khalizad (agora o Enviado Especial dos EUA para o Afeganistão) me interpelou, entre o irónico e o céptico, repetindo a célebre frase but how many divisions has you got, Sir? (Mas quantas divisões militares tem o Senhor?).

De qualquer forma, o que pretendo sublinhar é que as duas primeiras décadas deste século XXI nos trouxeram já matéria de sobra para reflexão urgente – reflexão por parte da comunidade internacional (e quem diz comunidade internacional, diz Estados, organizações internacionais como o as Nações Unidas e as suas agências e as organizações regionais, de que quero destacar a União Europeia e a NATO por nos serem especialmente próximas e pelo seu peso decisivo nas dinâmicas internacionais), mas também a nível das sociedades e do exercício da cidadania, ou seja por parte dos cidadãos, das organizações da sociedade civil, fundações, empresas, comunidade académica, associações e actores vários, etc.

Há urgência em dar resposta aos desafios de longo prazo que são comuns a toda a humanidade, quer seja no plano das alterações climáticas, da revolução digital, dos desequilíbrios mundiais, das desigualdades ou da instabilidade e conflitualidade crescentes em certas regiões que ameaçam a paz global. Há pois urgência em forjar novos consensos para promover um processo de desenvolvimento sustentável, mais equitativo e mais solidário. Há ainda urgência em relançar a confiança na cooperação multilateral, nos processos de diálogo, mediação, concertação e negociação, na diplomacia preventiva. Há depois urgência em mobilizar mais esforços para uma actuação concertada, sobretudo em contexto humanitário.

Não podemos ignorar que o século XXI tem sido marcado por sucessivas crises humanitárias que atingem milhões de pessoas, agravando as suas condições de vida e exacerbando a sua vulnerabilidade – especialmente das crianças, mulheres e idosos - ou originando movimentos maciços de populações que ficam à mercê de redes criminosas de toda a espécie. Urge reforçar respostas coordenadas a este desafio que é global, mas que se declina sempre no plano local, motivado por uma variedade de factores que vão dos conflitos aos desastres naturais, passando pelas pandemias ou pelas alterações climáticas.

As novas crises que surgem e que nos são presentes através de imagens avassaladoras que os media disponibilizam praticamente em tempo real não podem ter o efeito pernicioso de fazer esquecer crises mais antigas e prolongadas ou conflitos enquistados, frequentemente apelidados de “congelados”. Não podemos responder às crises humanitárias ao sabor de modas ou ignorá-las por razões de cansaço, enfado ou indiferença. A crise síria, no Iémen, no Haiti, no Tigray, no Sudão, no Sudão do Sul, na Somália, em Cabo Delgado ou a actual situação no Afeganistão, para citar apenas alguns exemplos, atingem homens, mulheres, jovens e crianças com a mesma gravidade, igual força e idêntica desesperança. Importa intervir sempre no completo respeito pelos princípios da humanidade, neutralidade, independência e imparcialidade, subjacentes à actuação humanitária, seja em que domínio, sector ou local se trate, sob pena de desacreditar e inviabilizar os propósitos e resultados pretendidos.

Nunca seria demais recordar que a solidariedade não é facultativa, mas um dever que resulta do artigo 1.º da Declaração Universal dos Direitos Humanos - Todos os seres humanos nascem livres e iguais em dignidade e em direitos. Dotados de razão e de consciência, devem agir uns para com os outros em espírito de fraternidade

O programa de bolsas de estudo para estudantes sírios, com o objectivo de contribuir para dar resposta à emergência académica que o conflito na Síria criara, deixando milhares de jovens para trás sem acesso à educação, foi lançado em 2013 pela Plataforma Global para os Estudantes Sírios, a que tenho a honra e o gosto de presidir, inscrevendo-se neste contexto humanitário. Entretanto, a Plataforma foi alargando o seu âmbito de actuação para além da crise síria, e hoje trabalha na criação de um Mecanismo de Resposta Rápida para o Ensino Superior nas Emergências (RRM). Neste contexto, está agora a ser preparado, para além de um reforço do programa de bolsas para estudantes sírios, libaneses e outros, um programa de emergência de bolsas de estudo e de oportunidades académicas para jovens afegãs.

Aproveito, assim, esta tribuna para lançar um apelo a todos parceiros da Plataforma – às entidades oficiais, às instituições do ensino superior, centros de estudos e investigação, bem como empresas, fundações, outras organizações e particulares - para que colaborem sempre mais connosco, e disponibilizem apoios, oportunidades académicas e profissionais, estágios e vagas para estes jovens oriundos de sociedades atingidas por conflitos e crises humanitárias que carecem de protecção e que só buscam poder seguir em frente no encalço dos seus sonhos. A experiência que reunimos nos últimos 7 anos com a integração de estudantes sírios tem mostrado o quanto esta tem sido duplamente benéfica, não só para os estudantes, que assim encontram um horizonte de futuro para as suas vidas, como para as comunidades de acolhimento que desta forma se renovam, dinamizam e reforçam o seu potencial criativo, produtivo e de inovação. E mesmo que assim não fosse, nunca seria demais recordar que a solidariedade não é facultativa, mas um dever que resulta do artigo 1.º da Declaração Universal dos Direitos Humanos - Todos os seres humanos nascem livres e iguais em dignidade e em direitos. Dotados de razão e de consciência, devem agir uns para com os outros em espírito de fraternidade. Façamos uma vez mais prova de que sabemos estar à altura das nossas responsabilidades.


Antigo Presidente da República



1.3.21

“Tivemos uma ditadura com uma ideologia de género fortíssima que nunca foi posta em causa”

Ana Sá Lopes, in Público on-line

Lígia Amâncio, socióloga, afirma que o poder da ideologia de género salazarista e o individualismo explicam a ausência de feminismo em Portugal.

A socióloga Lígia Amâncio diz que em Portugal ninguém se habituou a debater as desigualdades sociais baseadas no sexo, na etnicidade. “É por isso que estamos com o problema sobre o racismo, outra negação da sociedade portuguesa”. Apesar de ter esperança nas novas gerações, mais desprendidas em relação à “mordaça” existente na sociedade, admite que as coisas ainda piorem “por conta da invasão da extrema-direita”.

O século XXI pode ser o século das mulheres? Houve uma altura que se falava muito do pós-feminismo…
Agora não há nada colectivo para analisar, é tudo individual. E como é tudo individual, tudo depende da minha vontade, da sua vontade… (risos). Essa é uma característica de uma época que explica bem a ausência de feminismo. O feminismo como qualquer outro movimento social vive de um sentimento de mobilização colectiva. Aqui em Portugal temos outra agravante. Nos outros países, os anglo-saxónicos, a própria Itália e a França, tiveram movimentos feministas importantes na segunda vaga e nós não tivemos.

A segunda vaga está a falar dos anos 60...
Nós tivemos uma primeira vaga importante - houve congressos internacionais em que Portugal participou. Mas na segunda vaga estamos em plena guerra colonial, era impossível. Uma sociedade em guerra não pode ter feminismo. A preocupação das mulheres naquela altura era com os pais, os irmãos e os maridos. Essa ausência de experiência histórica do feminismo também nos deixou alguns défices, nomeadamente de experiências, sororidade entre mulheres, respeito pela voz das mulheres. Em contrapartida, tivemos uma entrada facilitada das mulheres no mercado de trabalho pela própria guerra colonial. Nos outros países, a entrada das mulheres no mundo do trabalho é uma reivindicação do movimento feminista. O movimento da primeira vaga tinha-se focado no acesso ao voto. O da segunda vaga foca-se no acesso ao emprego. Em Portugal não foi preciso.

Não havia homens, tinham emigrado, estavam na guerra, portanto as mulheres tiveram que ir trabalhar. E apesar da fortíssima ideologia da ditadura à volta da feminilidade normativa - as mulheres tinham que obedecer, ser submissas, e ser boazinhas, e muito mães, e muito ternas — a sociedade portuguesa acomodou perfeitamente a saída das mulheres de casa para irem trabalhar. E elas tiveram uma grande vantagem porque a seguir à guerra veio a democracia e com a democracia a igualdade. As mulheres portuguesas já não foram mandadas para casa como foram as americanas, as inglesas e as francesas - que substituíram os homens aquando da mobilização para a segunda guerra mundial. Há estas particularidades em Portugal que explicam um bocadinho porque é que as mulheres portuguesas chegaram a uma situação muito semelhante às mulheres de outros países sem terem passado pelo mesmo movimento nem tendo uma história de feminismo atrás dela.

Nunca tivemos um movimento feminista forte?
Na primeira vaga tivemos, mas toda a gente já se esqueceu. E nos anos seguintes é diluída na luta antifascista. Depois da dissolução do Conselho Nacional das Mulheres Portuguesas, da prisão da Maria Lamas, aqueles anos 40/50 são anos de aniquilação, já ninguém pensava no feminismo, era preciso era combater a ditadura. Isso compreende-se perfeitamente.

Mas como se explica que haja poucos movimentos feministas em Portugal?
É que a ideologia de género da ditadura era muito muito forte! E foi muito eficiente. Eu pertenço a uma geração em que essa ideologia era ensinada nos manuais escolares. O Salazar tem discursos sobre o que as mulheres devem ser. A Constituição de 1933, no capítulo da igualdade dos cidadãos, abre uma excepção para as mulheres devido ao seu papel na família. Temos uma ditadura com uma ideologia de género fortíssima que nunca foi completamente posta em causa por nenhuma acção da democracia. A democracia nunca combateu activa e conscientemente essa ideologia.

A democracia alinhou a sua legislação de Estado de direito democrático pela legislação de referência dos organismos internacionais. Passou a integrar na sua ordem jurídica a igualdade, a protecção das mulheres, o combate à discriminação. Mas não há nenhuma acção política que combata a ideologia de género [de Salazar]. Há coisas em Portugal que são quase únicas! O trabalho doméstico em Portugal continua a ser em 90% exclusivamente feminino. Nos outros países, quando os dois trabalham fora de casa, as horas que as mulheres dedicam ao trabalho doméstico reduzem. Em Portugal não, ficam iguais. E, mais do que isso, as mulheres dizem que fazem aquilo que lhes compete. Não só são objecto de uma situação injusta como não são capazes de pôr em causa essa situação!

As mulheres portuguesas continuam a seguir a ideologia de género salazarista?
Exactamente. Não têm instrumentos nem força para combater esse ideal. Não têm movimento colectivo, não têm organização, não têm diálogo entre si... Uma coisa que me chama sempre muita atenção é a falta de associações profissionais femininas. Todos os problemas que enfrentam dentro da profissão resolvem-nos individualmente. Acham sempre que a culpa é delas, alguma coisa que não estão a fazer bem...

Isso leva-nos para a culpa feminina... Ser má mãe, má profissional, má várias coisas.
Tenho estudado com uma doutoranda minha as profissões altamente qualificadas. Apesar das mulheres serem dotadas de diplomas há uma permanente desconfiança em relação à competência delas. A pressão no seio da profissão é enorme e elas raramente se sentem completamente integradas. Estão sempre a investir para serem aceites, para provar que... “Esqueçam que eu sou mulher, eu sou uma boa profissional”... Simultaneamente, a pressão da família. Isso levou-nos à catástrofe demográfica em que estamos. Não havia maneira de resolver o problema senão deixando de ter crianças. E mesmo assim a vida do casal não é fácil. E há estudos que mostram que nessas profissões altamente qualificadas, as mulheres, quando a situação é de grande tensão, abdicam da sua carreira a favor da carreira do parceiro.

Mas isso existe ainda?
Porque acham que é da sua competência manter um bom ambiente familiar. Lá está, o individualismo somado à tal ideologia de género que vem de trás.

E acha que neste século vamos conseguir acabar com essa ideologia de género?
Há sinais interessantes nas novas gerações... Há uma mordaça neste país que faz com que as mulheres digam ‘ai eu não sou feminista, eu sou feminina’. Fazem-se crónicas a insultar alguém por ser feminista, as pessoas vivem num terror...

Mesmo mulheres jovens qualificadas têm esse discurso do “eu não sou feminista”...
Num tempo em que ainda havia conferências (risos) a Helena Pereira de Melo, da Nova, que trabalha com a Teresa Beleza dizia: “As alunas dizem ‘ai eu não sou feminista’, ‘eu não quero ser feminista’. Perguntei: ‘Não defende a igualdade de direitos entre homens e mulheres?’, 'Ah, isso defendo’. ‘Então tenho uma má notícia para si. É feminista'”. (risos) Toda a gente diz que é a favor da igualdade de direitos entre homens e mulheres. Então porque é que não é feminista? É porque está a pensar que feminismo é outra coisa... São fantasmas. Aquilo da ausência de feminilidade.

As mulheres têm que ser bonitas, atraentes, sensuais, mesmo quando são intelectuais. Há outra explicação possível. Portugal tem muitas singularidades. O 25 de Abril traz uma enorme sensibilidade a uma única desigualdade social, que é a de classe. Não há mais nenhuma. É por isso que estamos com o problema que estamos face ao debate do racismo. É outra negação da sociedade portuguesa. Ninguém se habituou a debater este assunto no quadro das desigualdades sociais, baseadas no sexo, na etnicidade. Toda a gente compreende políticas para combater a pobreza. Agora, políticas para a igualdade entre homens e mulheres?

Portugal nunca discutiu o racismo...
Exactamente. Aqui há uns anos uma estudante minha estava a trabalhar sobre a questão das quotas e da lei da paridade. E eu combinei com ela fazermos um estudo para perceber se esta percepção negativa das quotas era uma percepção em relação ao instrumento em geral ou se era em relação ao instrumento aplicado à questão das mulheres. Fizemos um inquérito em que dávamos vários exemplos de quotas. Um dos exemplos que dávamos era o da distribuição dos fundos europeus por regiões. Chegámos à conclusão de que as pessoas são completamente a favor das quotas regionais, só não são a favor das quotas de género e das baseadas na cor da pele. Aí o problema é dos indivíduos, eles que o resolvam. As regiões não podem resolver o problema sozinhas, mas quanto às mulheres e minorias étnicas, é problema delas.

Mas isso ainda é da tal ideologia de género salazarista?
Acho que isto tem que ver com o facto de vivermos, de há 30 anos para cá, uma ideologia que combate qualquer acção colectiva, qualquer desigualdade estrutural — a ideia é recusada porque acha-se que a sociedade não fabrica nada, só os indivíduos é que fabricam. E não há causas colectivas que se apliquem às mulheres ou a indivíduos que tenham uma cor de pele diferente. Thatcher dizia: “Eu não sei o que é a sociedade, só conheço indivíduos e famílias”. Depois, olha-se para o mundo desta maneira. As mulheres são umas coitadinhas que andam a queixar-se, querem tratamento privilegiado. É tudo logo triturado ao abrigo da noção individualista.

Mas o movimento MeToo foi uma grande mudança, não se estava à espera...
Aqui há uns anos, uma investigadora que fez um trabalho notável na Universidade de Harvard, que depois levou à criação de uma comissão de acompanhamento da desigualdade de género na instituição, dizia: “O problema é que é sempre preciso que as mulheres atinjam uma certa maturidade na carreira para conseguir mobilizá-las para isto”. Não é uma jovem investigadora no início de carreira que se vai mobilizar para esse tipo de luta porque tem medo de perder oportunidades. É o mesmo com o MeToo.

Durante muito tempo aquelas mulheres aguentaram tudo e mais alguma coisa em nome da carreira delas. Demorou algum tempo até haver suficientes mulheres que tinham atingido maturidade, estabilidade financeira, reputação, para serem capazes de vir cá para fora falar dessas coisas. Mas isso é verdade em qualquer carreira. Também não deixa de ser engraçado que logo que apareceu o MeToo não temos a imprensa portuguesa invadida por casos que levaram ao MeToo. Vemos é a imprensa portuguesa invadida por críticas aos métodos do MeToo. As próprias formas de luta estão sujeitas a uma censura. Não são as vítimas que decidem como é que lutam para melhorar a sua situação, é o grupo maioritário que lhes diz o que têm que fazer para continuarem a ser boazinhas.

As mulheres no século XXI podem deixar de ser boazinhas?
Os homens podem ser bonzinhos e mauzinhos e as mulheres igual. É outra questão enganadora quando se discute a questão da paridade. Não é porque as mulheres são boazinhas que é preciso que elas lá estejam. Até podem ser uns estupores... Não é essa a razão. A razão da luta é que na sociedade há homens e mulheres e numa democracia representativa têm que estar distribuídos equitativamente.

Mas apesar do aumento de mulheres na magistratura vemos o crime de violência doméstica tratado como se fosse um crime de segunda ordem...
Com uma enorme displicência. Acho que não há consciência dos aspectos estruturais que estão por detrás do crime de violência doméstica. Mas alguém deu essa formação aos juízes? Isso também se aprende. Há uma estranha tolerância em Portugal às desigualdades de género que chega a ser chocante. Como é possível que depois de 30 anos de melhoria constante das qualificações da população, em que as mulheres têm estado sempre à frente, continuem a trabalhar 53 dias à borla por ano? As pessoas convivem com este tipo de desigualdade com a maior das displicências. Isto tem a ver com a ausência de experiência histórica do feminismo. As mulheres neste país não têm voz. Logo que abrem a boca, levam uma bofetada: “Estás a ser feminista”. Ou então elas dizem: “Eu não sou feminista mas...”.

Chamam-lhes feministas histéricas...
O feminismo está associado a qualquer coisa de negativo, socialmente censurável e não feminino!

Mas quais são as nossas esperanças para o mundo de amanhã?
Eu acho que antes disto melhorar vai piorar por conta da invasão da extrema-direita - em termos de discurso, normas de comportamento, de referências, etc. Tornou-se uma presença muito significativa com a era Trump. Estivemos resguardados dessas influências mas também já deixámos de estar. Se a gente olhar para o Vox, em Espanha, o grau de misoginia daquele partido é uma coisa que já nem se vê em mais parte nenhuma. A agenda daquele partido é de combate às políticas de igualdade.

E tem tido sucesso, viu-se agora na Catalunha...
Vimos que 75 milhões de americanos votaram naquele indivíduo que dizia que as mulheres tinham que ser “grabbed by the pussy”. Por que é que a gente chegou a este grau de degradação? Há um recuo civilizacional, desse ponto de vista. Temos tido um sector da sociedade, muito bem representado nos media, que combate profundamente toda a diversidade que é suposta existir numa democracia. E um dos meios desse combate é o ódio ao politicamente correcto.

O politicamente correcto nasce nas ciências sociais para exprimir uma sociedade diversa. Temos um grande equívoco neste debate em Portugal e também tem dificultado a tomada de palavra por grupos minoritários. Apesar de terem havido conquistas positivas, o debate público mostra que há muita rejeição de quem sai um bocadinho fora da caixa. É um estado de falta de maturidade democrática. Por que é que a democracia é só o homem branco que escreve nos jornais? Há muitas maneiras de ser humano.

Mas as coisas podem mudar...
Acho que estamos numa fase em que as coisas se arriscam a piorar um bocadinho. Mas também me parece que em Portugal há gerações mais novas, que não têm propriamente o receio da tal mordaça e usufruem de conhecimentos adquiridos mais cedo. Eu vejo esta geração mais desprendida em relação a essas manifestações de mordaça que a sociedade portuguesa tem, quase instintivamente.

22.2.21

Gaza: Mulheres lutam contra imposição de autorização de homens para viajar

Maria João Guimarães, in Público on-line

Organizações palestinianas dizem que veredicto de tribunal islâmico exigindo autorização de familiar para viagens de mulheres solteiras não respeita a Lei Básica da Palestina nem as convenções de direitos de que é signatária.

Um juiz de um tribunal islâmico de Gaza está a rever uma decisão polémica impondo a necessidade de autorização de um familiar para mulheres que queiram viajar, depois de uma onda de protestos de organizações de defesa de direitos humanos e de direitos de mulheres no território.

A medida, anunciada no domingo passado, é especialmente controversa, já que a Faixa de Gaza está sujeita a um bloqueio de Israel e do Egipto, que controlam tudo o que sai e o que entra no território e limitam muito a circulação de pessoas.

“É uma decisão chocante, é um erro que tem de ser corrigido”, disse ao PÚBLICO por telefone Mona Al-Shawa, responsável do departamento de direitos das mulheres no Palestinian Center for Human Rights (PCHR). Mona Al-Shawa, que faz parte de uma delegação que discutiu a decisão com o juiz do Supremo Conselho Judicial, sublinha que há vários pontos problemáticos e que o magistrado só parecia disponível para rever um deles.

O ponto que recebeu mais atenção foi a obrigação de uma mulher solteira receber autorização de um familiar masculino antes de viajar. Esta obrigação existia, por exemplo, na Arábia Saudita, mas foi entretanto revertida.

A decisão do tribunal islâmico sugere ainda que uma mulher casada precisaria da autorização do marido para viajar, e o juiz decretou também que os homens podem ser impedidos de viajar pelo seu pai ou avô, se isso significar “dano grave”, mas o parente teria de iniciar um procedimento em tribunal para o impedir de ir.

A primeira alteração foi deixar a necessidade prévia de autorização escrita mas manter a possibilidade de a viagem ser bloqueada por um parente masculino – algo que, aponta Mona Al-Shawa, já tende a ser feito na prática pelas autoridades que controlam as saídas.


Finalmente, o tribunal diz que em casos de casais divorciados em que a custódia seja detida pelo pai, este pode decidir sobre viagens de filhos sem a permissão da mãe. Mas se for a mãe a ter a custódia, ela terá de pedir autorização ao pai (e caso sejam casados, o pai também tem de dar autorização).

O juiz Hassan al-Jojo, que preside ao Supremo Conselho Judicial, diz que estas decisões são necessárias porque houve casos de raparigas que viajaram sem o conhecimento dos seus pais, e homens que deixaram mulheres e filhos sem ganha-pão.

Mona Al-Shawa enumera os modos em que este veredicto, ao apresentar medidas diferentes para homens e mulheres, desafia a lei básica palestiniana de 2003 (a base para uma futura Constituição de um Estado) e tratados internacionais de que a Palestina é signatária, como a Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra as Mulheres (CEDAW). A medida está a ir além da aplicação da lei, diz ainda – o papel do tribunal não é fazer novas leis.

“Estamos sob bloqueio há 13 anos”, sublinha Mona Al-Shawa, notando a ironia de, com tantas restrições, haver mais uma a restringir a liberdade, em especial das mulheres.

“Já é suficiente mau que as políticas de Israel e do Egipto tenham deixado os palestinianos encurralados em Gaza durante tantos anos”, escreveu Rothna Begum, da Human Rights Watch, sobre a decisão. “Agora uma nova imposição do Supremo Conselho Judicial ainda impõe mais restrições às poucas mulheres que podem sair.” Esta decisão é “um terrível passo atrás”.

Mesmo as provisões que não discriminam o género deverão afectar mais as mulheres, diz Begum – é mais provável que as famílias ponham mais restrições ao movimento das mulheres. E mesmo antes desta medida, não será preciso falar com muitas jovens em Gaza até uma dizer que não foi estudar para fora porque os pais não permitiram.

O processo para qualquer habitante do território já é cheio de dificuldades, e um pedido de saída pode ser aprovado uma vez, e não autorizado noutra. Não se sabe em que espaço de tempo poderá vir a autorização de saída, se vier. Se for rejeitada, não será dado um motivo, contam os habitantes que já fizeram estes pedidos.
Mais mulheres a trabalhar

O veredicto coincide com a abertura do posto fronteiriço de Rafah, no Egipto, e Reham Owda, analista e especialista em direitos das mulheres, disse à Reuters que pode destinar-se a diminuir uma recente tendência de mulheres tentarem sair do território para conseguir emprego – as mulheres têm grande presença nas universidades e o território tem muito poucas oportunidades de emprego (a taxa de emprego é de 49%).

“O governo de Gaza quer limitar [as viagens] a restringir o movimento das mulheres que sejam ambiciosas e queiram sair à procura de formação ou trabalho, e escapar ao bloqueio israelita”, declarou Owda à Reuters.

As dificuldades económicas dos últimos anos mudaram a perspectiva em relação ao trabalho das mulheres, antes mais professoras ou enfermeiras, e as famílias, que viam com maus olhos outras profissões, mudaram de opinião. Algumas organizações, como a academia de código/incubadora de startups Gaza Sky Geeks, privilegiam mulheres e uma das apps com mais sucesso é de uma mulher.

Há ainda outro factor, a aproximação das eleições palestinianas. Há quem veja aqui um potencial problema para o Hamas, no poder desde 2007 (depois de ter vencido as eleições, uma disputa com a Fatah levou a uma luta entre as duas facções e à divisão do território, ficando o Hamas no poder em Gaza e a Fatah na Cisjordânia).

As condições de vida na Faixa de Gaza têm piorado com a falta de fornecimento regular de energia eléctrica e o bloqueio de não deixa entrar materiais básicos de construção (Israel diz que podem servir para fazer túneis, que já foram usados para ataques no seu território). Por outro lado, este poderia ser um modo de o movimento conseguir apoio da base mais conservadora, diz o diário britânico The Guardian.

Mona Al-Shawa está a ver as eleições com “alguma esperança” traga possibilidade de avançar medidas de protecção dos direitos das mulheres. Todos os partidos vão ter de ter 20% de mulheres, e não podem estar relegadas para o final das listas: tem de estar uma mulher nos três primeiros lugares, outra nos quatro seguintes, e assim sucessivamente.

93% de eleitores palestinianos registados para as próximas eleições

Quinze anos depois da última vez que foram às urnas, cerca de 93% dos palestinianos que podem votar inscreveram-se para participar nas próximas eleições legislativas de 22 de Maio e presidenciais de 31 de Julho, segundo a Comissão Central de Eleições.

Os palestinianos com mais de 18 anos podiam fazer o registo online, por telefone ou pessoalmente. Dos 2,8 milhões de palestinianos com direito a voto, registaram-se 2,6 milhões. Nas últimas eleições, em 2006, a percentagem foi de cerca de 80% dos 1,6 milhões de eleitores potenciais – mas apenas um milhão acabou por ir às urnas.

Essa votação acabou com uma vitória do movimento islamista Hamas, que concorreu pela primeira vez em eleições nacionais.

Isso levou a uma reacção internacional e uma luta entre o Hamas e a Fatah, do presidente Mahmoud Abbas. Esta terminou com a divisão do poder entre Gaza, a cargo do Hamas, e a Cisjordânia, que se manteve sob tutela da Fatah.

O anúncio das novas eleições foi encarado com um cepticismo generalizado, depois de décadas de inimizade entre as duas facções. Mahmoud Abbas, 85 anos, deverá recandidatar-se.

Em aberto está ainda a participação nas eleições dos palestinianos que vivem em Jerusalém Oriental, que Israel tomou em 1967 e anexou em 1980, numa acção nunca reconhecida pela comunidade internacional.

Em 2006, Israel permitiu que os palestinianos votassem em Jerusalém Oriental, que querem ter como capital de um futuro Estado (Israel, pelo seu lado, reivindica toda a cidade, una e indivisível, para sua capital).

17.2.21

Mulheres ganham menos 14% que homens e quadros superiores ganham menos 26,1%

in o Observador

A diferença salarial entre homens e mulheres é de 14% sendo que as mulheres ocupam, com maior frequência, postos de trabalho em que apenas se recebe o salário mínimo nacional.

As mulheres continuam a ganhar menos do que os homens, sendo a diferença de 14%, na generalidade, e de 26,1% entre os quadros superiores, refere um estudo da CGTP divulgado.

Segundo a análise do Gabinete de Estudos Sociais da CGTP-IN, baseada em dados do INE referentes ao quarto trimestre de 2020, as mulheres trabalhadoras ganham em média salários 14% mais baixos do que os trabalhadores do sexo masculino, situação que se verifica em todos os grupos etários e em quase todos os tipos de contrato.

A desigualdade é ainda mais elevada quando são comparados os ganhos nas qualificações mais altas, atingindo um diferencial de 26,1% entre os quadros superiores. Quando são comparados os ganhos mensais e não apenas salários, o diferencial global sobe de 14 para 17,8%, dado que os homens fazem mais trabalho extraordinário e recebem mais prémios, porque as mulheres ainda dão mais assistência à família.

Estes dados vão na mesma linha do diferencial encontrado pela CGTP a partir dos Quadros de Pessoal de 2018, através dos quais concluiu que as mulheres trabalhadoras auferiam, em média, salários base 14,5% mais baixos do que os homens, para trabalho igual ou de valor igual, no setor privado e no setor empresarial do Estado. De acordo com o estudo, na Administração Pública o problema de desigualdade verifica-se no acesso de mulheres a cargos dirigentes, sendo apenas 41% do total de dirigentes superiores, apesar de constituírem 61% dos trabalhadores do setor, o que depois se reflete nos seus salários.

Segundo a análise feita pela CGTP, não só os salários auferidos pelas mulheres trabalhadoras são em média mais baixos do que os dos homens, como elas ocupam com maior frequência postos de trabalho em que apenas se recebe o salário mínimo nacional. Em abril de 2019, cerca de 31% das mulheres recebiam o salário mínimo, face a 21% dos homens.

Para mostrar que esta desigualdade não tem justificação, a CGTP cita o relatório da OIT “Trabalho Digno em Portugal 2008-18. Da crise à Recuperação”, que refere que “o aumento do emprego no caso das mulheres em idade ativa foi responsável por 90% da subida total do emprego entre 2012 e 2016, tendo assim praticamente reduzido a diferença de género no emprego, muito embora tal não se tenha verificado no caso dos salários”.

A subvalorização do trabalho e das competências das mulheres e o seu reflexo na retribuição, que é geralmente mais baixa ao longo da vida, também se reflete no baixo valor das prestações de proteção social e nas pensões de reforma, com situações, em muitos casos, de grave risco de pobreza e de exclusão social”, salientou, a propósito a CGTP.

Os dados do último trimestre do ano passado analisados pela central sindical mostram também que os trabalhadores com vínculos precários têm salários mais baixos que os trabalhadores com vínculos permanentes, sendo a diferença tanto maior quanto mais precário é o vínculo.

Os falsos trabalhadores independentes ou sujeitos a outros vínculos contratuais ainda mais precários que os contratos a termo ganham, em média, salários 27% abaixo dos auferidos pelos trabalhadores com contratos permanentes, sendo o diferencial de menos 22% no caso dos trabalhadores com contrato a termo”, diz o estudo.

Segundo a CGTP, os salários em Portugal não são suficientes para retirarem os trabalhadores da pobreza pois um em cada dez trabalhadores empobrece a trabalhar, sejam mulheres ou homens. A Intersindical citou também o Relatório Mundial sobre Salários 2020-2021, da OIT, para afirmar que a atual crise pandémica “está a ter consequências mais negativas em Portugal em termos salariais, do que em outros países da Europa e particularmente entre as mulheres trabalhadoras”.

Segundo o relatório da OIT, os trabalhadores viram os seus rendimentos do trabalho diminuir após o surgimento da Covid-19, sendo Portugal o país, de entre 28 países europeus estudados, onde ocorreram as maiores perdas salariais entre o 1.º e o 2.º trimestre de 2020, as quais foram sentidas de forma agravada entre as mulheres.

Os trabalhadores portugueses perderam, em média, 13,5% dos seus salários no 2.º trimestre de 2020, acima da perda média de 6,5% dos 28 países analisados, mas a perda das mulheres foi de 16%, face aos 11,4% perdidos pelos homens trabalhadores portugueses.

Em quase todos os 28 países estudados as perdas salariais ocorreram sobretudo devido à descida do número de horas trabalhadas e não tanto por desemprego. Em Portugal as perdas salariais devido à redução do número de horas trabalhadas foram de 11,7%, enquanto 1,8% da diminuiução de rendimento resultou da perda de emprego.


15.1.21

Detetados em Portugal 101 casos de mutilação genital feminina em 2020

in SicNotícias

Os profissionais de saúde detetaram 101 casos de mutilação genital feminina em 2020, num ano em que os serviços foram afetados pela pandemia, mas mesmo assim prosseguiram sensibilizados para este crime, que obteve recentemente a primeira condenação em Portugal.

Os profissionais de saúde detetaram 101 casos de mutilação genital feminina em 2020, num ano em que os serviços foram afetados pela pandemia, mas mesmo assim prosseguiram sensibilizados para este crime, que obteve recentemente a primeira condenação em Portugal.

Dados do gabinete da secretária de Estado para a Cidadania e a Igualdade, Rosa Monteiro, solicitados pela agência Lusa, indicam uma diminuição das situações identificadas, em relação a 2019 (129).

"Portugal conta hoje com uma equipa estruturada e qualificada de profissionais nos Agrupamentos de Centros de Saúde (ACES), que partilham recursos e atuam em rede nos cinco ACES em que o projeto se iniciou: Almada-Seixal, Amadora, Arco Ribeirinho, Loures-Odivelas e Sintra", afirmou o gabinete de Rosa Monteiro.

Nestes territórios, de acordo com a mesma fonte, foram realizados, em 2019, um total de 68 ações de formação sobre esta temática, que capacitaram 1.176 profissionais de setores-chave como a saúde (médicos, enfermeiros e psicólogos) e a educação (docentes, assistentes operacionais e técnicos).

"PRÁTICAS SAUDÁVEIS - FIM À MUTILAÇÃO GENITAL FEMININA"

Iniciativas desenvolvidas no âmbito do projeto "Práticas Saudáveis -- Fim à Mutilação Genital Feminina", criado em 2018, e que em fevereiro de 2020 viu alargada a ação a mais cinco ACES: Cascais, Estuário do Tejo, Lisboa Central, Lisboa Ocidental e Oeiras, e Lisboa Norte.

Este projeto, uma iniciativa da secretária de Estado Rosa Monteiro, tem vindo a "reforçar e estruturar, no panorama nacional, o combate à mutilação genital feminina, através da integração e responsabilização dos serviços de saúde de proximidade, pela qualificação e trabalho em rede de profissionais de terreno (saúde, educação, Ministério Público, entre outros), com uma profunda e estreita relação com as organizações não-governamentais (ONG) especializadas no terreno.

A Administração Regional de Saúde de Lisboa e Vale do Tejo, a Comissão para a Cidadania e a Igualdade de Género (CIG) e o Alto Comissariado para as Migrações partilham a coordenação das iniciativas, tendo as ONG passado a contar com um financiamento específico através da subvenção da CIG.

O gabinete de Rosa Monteiro ressalva que, em 2020, e "embora constrangida pela eclosão da pandemia de covid-19, a atividade dos ACES manteve-se e beneficiou da estreita parceria com estas oito ONG nos diferentes territórios do projeto".

Neste período, foram dinamizadas 44 'workshops'/'webinars'/ações de sensibilização e de formação, num total de mais de 900 pessoas abrangidas, entre profissionais de saúde, de educação, estudantes de medicina e enfermagem, psicólogos, assistentes sociais e pessoas de comunidades de risco.

O número de casos assinalados reflete "a maior capacitação de profissionais para detetar, sinalizar e agir perante situações de mulheres e meninas vítimas de mutilação genital feminina".

Em 8 de janeiro foi conhecida a sentença do primeiro julgamento por um crime de mutilação genital feminina em Portugal, onde a prática é considerada crime autónomo desde 2015, punido com pena de prisão de dois a 10 anos.
Mulher condenada a 3 anos de prisão pelo crime de mutilação genital da filha

Rugui Djaló, cidadã guineense residente em Portugal, foi condenada, no Tribunal de Sintra, a uma pena de três anos de prisão efetiva pelo crime de mutilação genital da sua filha.

Maimuna, nascida em Portugal em 25 agosto de 2017, tinha 1 ano e alguns meses quando viajou com a mãe para a Guiné-Bissau, em 04 de janeiro de 2019. Rugui queria "mostrar a filha aos familiares" residentes no país africano.

Regressaram em 15 de março de 2019 e três semanas depois Rugui levou a filha a uma consulta no centro de saúde, alegando que ela estaria com "assadura da grada".

Apesar de ter sido aconselhada nesse sentido, a arguida não levou a filha ao hospital.

Já no decurso do julgamento, a menina foi sujeita a perícia médica, na qual foram detetadas cicatrizes "compatíveis com uma mutilação genital feminina de tipo IV" e "não compatíveis com assadura da fralda", como alegado pela defesa.

Realçando as "lesões permanentes" causadas à filha menor, na altura com 1 ano de idade, o coletivo entendeu que a arguida "sabia o que estava a fazer e o que isso significava" em termos de consequências, concretamente que "tal conduta era punida por lei".

Em Portugal, estima-se que 6.576 mulheres com mais de 15 anos possam ter sido sujeitas a mutilação genital feminina, a qual consiste na remoção parcial ou total dos órgãos genitais femininos externos. Serão 500 mil em toda a União Europeia e 200 milhões em todo o mundo, segundo dados das organizações nacionais e mundiais que lutam contra esta prática.

8.1.21

Mutilação genital feminina em Portugal. “É preciso muita sensibilização para isso acabar”

Aline Flor, in Público on-line

Esta sexta-feira, o Tribunal de Sintra decide sobre o primeiro caso de mutilação genital feminina que chegou a julgamento em Portugal. Esta prática tradicional nefasta é crime no nosso país desde 2015.

Neste P24, conversamos com Aulato Djaló, uma jovem guineense que defendeu em Dezembro, no ISCTE, uma tese de mestrado sobre as políticas públicas em matéria de MGF nos últimos 20 anos em Portugal. Voltamos a ouvir Fatumata Djau Baldé, presidente do Comité Nacional para o Abandono das Práticas Tradicionais Nefastas à Saúde da Mulher e da Criança da Guiné-Bissau, uma das figuras mais importantes da transformação de mentalidades no país africano e na comunidade guineense em Portugal.


5.8.19

Mulheres sauditas já não precisam da permissão de um homem para viajar

De João Paulo Godinho, in Euronews

O governo da Arábia Saudita anunciou esta sexta-feira que as cidadãs com mais de 21 anos podem agora obter passaporte e viajar para o estrangeiro sem precisar da autorização de um homem (pai, marido, filho ou outro familiar do sexo masculino).

A Amnistia Internacional veio já reconhecer a importância da decisão. Para Lynn Malouf, diretora de pesquisa para o Médio Oriente, este é um passo "muito bem-vindo", que se vai traduzir em "maior autonomia e paridade para as mulheres" na Arábia Saudita.

No entanto, há ainda quem critique um suposto desvio aos princípios do Islão ou veja riscos nesta alteração. Numa contraofensiva, os membros ultraconservadores da sociedade saudita partilharam vídeos de sermões de religiosos sauditas pregando o sistema de “guardião masculino”.

As cidadãs sauditas passam também a poder declarar oficialmente nascimentos, casamentos ou divórcios e a terem autoridade parental sobre os seus filhos menores, mudanças que também enfraquecem o sistema de “guardião” obrigatório para as mulheres.

As reformas inserem-se na série de medidas de liberalização tomadas pelo príncipe herdeiro Mohammed bin Salman, que tenta mudar a imagem do reino.

No espaço de um ano, as mulheres sauditas passaram a poder conduzir e a frequentar estádios de futebol, algo que estava apenas reservado aos homens até um passado recente.

18.3.19

Ativista iraniana que surgiu em «Taxi» de Jafar Panahi condenada a prisão e 148 chicotadas

Publicado por Hugo Gomes & Jorge Pereira, in C7nema

A advogada dos direitos humanos Nasrin Sotoudeh, que se tem dedicado nos últimos anos a defender mulheres que protestam contra as leis que obrigam a usar o Hijab, foi sentenciada a 33 anos de prisão pelo governo iraniano.

Sotoudeh representou diversos ativistas e políticos da oposição iraniana que foram presos após as eleições presidenciais iranianas de junho de 2009, bem como prisioneiros condenados à morte por crimes cometidos quando eram menores de idade. Detida pela primeira vez em setembro de 2010, acusada de “difusão de propaganda anti-governo” e "conspirar para prejudicar a segurança do Estado ", Sotoudeh foi confinada a uma cela solitária na Prisão de Evin. Em janeiro de 2011, as autoridades iranianas condenaram Sotoudeh a 11 anos de prisão, além de impedi-la de exercer advocacia e de deixar o país por 20 anos. Posteriormente, um tribunal reduziu a pena de prisão de Sotoudeh para seis anos e a sua proibição de trabalhar como advogada por dez anos.

Vencedora, conjuntamente com Jafar Panahi, do Prémio Sakharov do Parlamento Europeu em 2012, ela viria a ser libertada em 2013. A segunda detenção chegou em junho passado, e para além dos 33 anos a que foi condenada agora, Sotoudeh viu ainda ser acrescentada a pena de 148 chicotadas.

A Amnistia Internacional já se pronunciou sobre o caso, considerando repugnante “prender um defensor dos direitos humanos por atividades pacíficas”, apontando que o “juiz do caso de Nasrin Sotoudeh usou a sua discrição para garantir que ela permanecesse presa por mais do que o exigido pela lei iraniana. Um ultraje e uma injusta sentença ”. A organização lançou uma petição pedindo a libertação de Sotoudeh.

Recordamos que Nasrin Sotoudeh teve uma aparição especial no galardoado com o Urso de Ouro, Taxi, de Jafar Panahi, cineasta condenado em 2010 a 6 anos de cadeia e proibido de filmar durante 20 anos pelo governo, mas que mesmo assim dirigiu secretamente quatro filmes, incluindo o referido e ainda uma obra que concorreu ano passado pela Palma de Ouro em Cannes (3 Faces, a estrear brevemente em Portugal).

6.11.18

Mutilação genital feminina existe em Portugal

Rosa Valente de Matos, in Público on-line

A MGF constitui uma violação dos direitos humanos, uma forma de violência contra as mulheres e um atentado à sua saúde. Portugal não pode ficar para trás.

No bairro Hafia, na Guiné-Bissau, o ambiente é de festa. As roupas coloridas e a música tradicional incentivam as pessoas a dançar na terra vermelha. A comunidade está organizada num grande círculo que aguarda com expectativa uma peça de teatro ao ar livre. Não é uma representação qualquer. É um momento cenográfico único para, com o apoio de personagens, dizer não às práticas tradicionais nefastas associadas à mutilação genital feminina e mostrar a todos os presentes que não há qualquer suporte cultural ou religioso para prosseguir esse tipo de comportamentos. A mutilação genital feminina é uma prática ilegal, com impactos múltiplos, sobretudo na saúde, que ainda afeta mais de 200 milhões de meninas e mulheres em mais de 50 países, incluindo Portugal.

Vai um copo de vinho de ratinhos? Olho de cabra em conserva? Os pratos mais nojentos têm um museu
No passado mês de setembro realizei uma visita de trabalho de quatro dias à Guiné-Bissau, integrando uma comitiva liderada pela secretária de Estado para a Cidadania e Igualdade, Rosa Monteiro. Durante o tempo em que estivemos naquele país foi possível reunir com vários dirigentes e associações e visitar comunidades em Bissau e no interior, bem como equipamentos de saúde, permitindo conhecer, no terreno, o impacto que as excisões totais ou parciais de partes genitais têm em vários momentos da vida das meninas e mulheres que a elas são sujeitas, nomeadamente na gravidez e parto.
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A visita foi também uma oportunidade para testemunhar o resultado positivo do trabalho em curso, designadamente de projetos relacionados com o fim da mutilação genital feminina (MGF) e dos casamentos precoces e forçados, projetos estes que têm sido exemplarmente impulsionados pela inspiradora Fatumata Djau Baldé, presidente do Comité Nacional para o Abandono das Práticas Nefastas, com o apoio do Governo de Portugal.

A MGF está longe de ser um problema exclusivo dos países africanos. É um problema que também existe em Portugal, sobretudo em algumas bolsas de migrantes africanos na zona de Lisboa e que exige uma resposta integrada para pôr fim a esta violação dos direitos humanos. Conhecer a realidade é imprescindível para procurarmos soluções que respeitem as culturas e que trabalhem com as pessoas a partir da matriz de perceção e ação adquirida.

Foi precisamente no contexto do trabalho partilhado entre a Saúde e a Cidadania e Igualdade que se enquadrou a visita feita à Guiné, permitindo afinar as medidas específicas de um protocolo a implementar na Região de Saúde de Lisboa e Vale do Tejo e que abrange os Agrupamentos de Centros de Saúde de Sintra, Amadora, Loures-Odivelas, Arco Ribeirinho e Almada-Seixal.
Nos últimos anos foi possível melhorar a capacidade dos sistemas de informação da saúde para incluir na Plataforma de Dados da Saúde um campo específico de registo para a identificação de casos de MGF nas mulheres que acorrem aos serviços de saúde. São mais de 250 as situações já registadas.

Esse trabalho tem sido complementado por uma sensibilização e preparação dos profissionais de saúde para este tema, pretendendo-se agora estruturar o que já existe e densificar a promoção de projetos, a realização de ações de informação e sensibilização, num processo que passa necessariamente por envolver comunidades locais, redes transdisciplinares e multissetoriais. Esta ação deve privilegiar os projetos junto das escolas, enquanto espaços privilegiados para a formação das crianças e jovens também em temas relacionados com a saúde e a cidadania. A multipolaridade na abordagem exige uma integração das políticas em torno de objetivos comuns, o que requer a articulação de áreas como a cidadania e igualdade, saúde, educação, segurança social, justiça e forças de segurança, entre outras.
A necessidade de intervir para a erradicação da MGF é reconhecida em instrumentos internacionais, como a Convenção do Conselho da Europa para a Prevenção e o Combate à Violência contra as Mulheres e à Violência Doméstica (Convenção de Istambul). A Agenda 2030 para o Desenvolvimento Sustentável tem como lema principal “não deixar ninguém para trás”. A MGF constitui uma violação dos direitos humanos, uma forma de violência contra as mulheres e um atentado à sua saúde.

Portugal não pode ficar para trás. Dar uma resposta integrada conjugando a cooperação com os países africanos, e a ação nas bolsas ainda existentes no nosso território ao fenómeno da MGF, é um desafio de cidadania e de civilização que vale a pena continuar a abraçar.

22.10.18

"Para acabar com os estereótipos sobre as mulheres negras"

in Diário de Notícias

Instituto da Mulher Negra em Portugal é apresentado este sábado, em Lisboa. No INMUNE, mulheres, negras, feministas interseccionais querem questionar o instituído pela sociedade, a narrativa única, contrariar o poder, acabar com estereótipos. De todo o tipo.

"Todos os seres humanos nascem livres e iguais em dignidade e em direitos", lê-se no artigo 1.º da Declaração Universal dos Direitos Humanos, adotada pelas Nações Unidas, a 10 de dezembro de 1948. "Todos os seres humanos podem invocar os direitos e as liberdades proclamados na presente declaração, sem distinção alguma, nomeadamente de raça, de cor, de sexo, de língua, de religião, de opinião política ou outra, de origem nacional ou social, de fortuna, de nascimento ou de qualquer outra situação", lê-se no artigo 2.º da mesma declaração, que ao todo tem três dezenas de artigos.

70 anos passados sobre a adoção deste importante documento, comprova-se que, a cada minuto, a cada hora e a cada dia que passa, em várias partes do mundo, nos mais variados tipos de situações, o que nele consta não é respeitado. Comprova-se que este é um dos muitos exemplos de disposições, declarações, tratados, leis, diretivas, protocolos que parecem estar muito à frente do seu tempo por não serem acompanhados pela realidade.
"Se olharmos para países como Portugal, Espanha, Itália, quantas mulheres são assassinadas por violência doméstica? Há um nível de emancipação a nível da legislação que não acompanha a realidade. E isto significa algo. Que nada está garantido", diz ao DN Joacine Katar Moreira, académica e ativista negra, presidenta do Instituto da Mulher Negra em Portugal (INMUNE). Porque nada está garantido, ela e mais de três dezenas de mulheres negras decidiram criar este instituto, que é oficialmente apresentado este sábado, às 17.00, na Cordoaria Nacional, em Lisboa.

21.9.18

Tribunal invoca "sedução mútua" e "mediana ilicitude" em caso de jovem violada quando inconsciente

Fernanda Câncio, in DN

Relação do Porto mantém pena suspensa para dois funcionários de discoteca de Gaia condenados por terem tido "cópula" com jovem de 26 anos quando "incapaz de resistir". E fala em "danos físicos" sem "especial gravidade".

"A culpa dos arguidos [embora nesta sede a culpa já não seja chamada ao caso] situa-se na mediania, ao fim de uma noite com muita bebida alcoólica, ambiente de sedução mútua, ocasionalidade (não premeditação), na prática dos factos. A ilicitude não é elevada. Não há danos físicos [ou são diminutos] nem violência [o abuso da inconsciência faz parte do tipo]."

As considerações pertencem a um acórdão da Relação do Porto, datado de junho e assinado pelos juízes Maria Dolores da Silva e Sousa (relatora) e Manuel Soares, dizendo respeito a um caso ocorrido em novembro de 2016, quando uma jovem de 26 anos - a quem se dará o nome de Maria -- foi, de acordo com o dado como provado, submetida, enquanto "incapaz de resistência" por estar muito embriagada, a relações sexuais "de cópula completa" por dois funcionários da discoteca Vice Versa, em Vila Nova de Gaia, na casa de banho da mesma e quando o estabelecimento se encontrava já encerrado, não havendo mais ninguém nele além dos arguidos e de Maria.
"A culpa dos arguidos [embora nesta sede a culpa já não seja chamada ao caso] situa-se na mediania, ao fim de uma noite com muita bebida alcoólica, ambiente de sedução mútua, ocasionalidade (não premeditação), na prática dos factos. A ilicitude não é elevada. Não há danos físicos [ou são diminutos] nem violência [o abuso da inconsciência faz parte do tipo]."

Os homens, de 25 e 39 anos à data dos factos, respetivamente barman e porteiro/relações públicas da discoteca, Marcos e Paulo de primeiro nome, foram condenados a quatro anos e meio de prisão em acórdão de fevereiro do juiz 2 do Juízo Criminal Central de Nova de Gaia, que suspendeu a aplicação da pena, suspensão confirmada pela Relação. De acordo com esta última decisão - não foi possível consultar a da primeira instância, já que estas por norma não são disponibilizadas na net - a acusação feita pelo MP (que recorreu por não concordar com a suspensão da pena) não foi toda considerada procedente.

Os arguidos, que estiveram de fevereiro a junho de 2017 em prisão preventiva e depois em prisão domiciliária com pulseira eletrónica até ao julgamento, foram apenas condenados "pela prática, em autoria material, de um crime de abuso sexual de pessoa incapaz de resistência", descrito no artigo 165º do Código Penal e cujo enquadramento penal é de dois a dez anos de prisão.
"Ela estava toda desmaiada"
Não recorreram da condenação, apesar de, segundo o recurso do MP, não admitirem ter cometido o crime nem manifestarem "qualquer arrependimento pela prática dos factos": "Apenas reconheceram ter mantido relações sexuais com a ofendida, negando o estado de inconsciência em que a mesma se encontrava. (...) Apenas se limitam a mostrar arrependimento em função das consequências que para si próprios os factos praticados podem acarretar; ou seja um arrependimento focado e centrado nas suas pessoas."
Considerando que "ambos os arguidos desprezaram totalmente os mais elementares valores morais e jurídicos de respeito devido pela liberdade e autodeterminação sexual da ofendida, ao se aproveitarem do seu estado de inconsciência para com ela manterem relações sexuais de cópula", o MP frisa no recurso que a seguir ao crime o barman Marcos não mostrava dúvidas sobre o "estado de inconsciência da ofendida", referindo-o "em telefonemas intercetados na escuta ao seu telemóvel dizendo "(...) ela estava toda fodida (...)" e "(...) Não. Ela estava toda desmaiada no quarto de banho (...).""
O barman não mostrava dúvidas sobre o "estado de inconsciência da ofendida", referindo-o "em telefonemas intercetados na escuta ao seu telemóvel dizendo: "Ela estava toda fodida" e "Ela estava toda desmaiada no quarto de banho."
Aparentemente, a falta de arrependimento não foi valorizada pelo tribunal de recurso. Tão-pouco terá sido tida em conta a possibilidade de os arguidos serem condenados pela forma agravada do crime - a que prevê um aumento de um terço nos limites mínimo e máximo quando, nos termos do artigo 177º do CP, é "cometido conjuntamente por duas ou mais pessoas" -- e que, aparentemente, o tribunal inferior rechaçou argumentando "não se ter demonstrado o planeamento de uma decisão conjunta ou a sua execução com diferentes papéis atribuídos a cada um mas, em vez, duas resoluções autónomas e distintas."

Igualmente, o facto de pelo menos Paulo, o porteiro, não ter usado preservativo quando submeteu Maria a "cópula completa, ejaculando" - foram encontrado resíduos do seu sémen no exame forense que foi feito quer a Maria quer às suas roupas - não mereceu qualquer censura penal ou sequer menção na decisão, apesar de ser uma conduta que coloca a vítima em perigo acrescido.

"Os arguidos não demonstraram qualquer arrependimento pela prática dos factos. Apenas reconheceram ter mantido relações sexuais com a ofendida, negando o estado de inconsciência em que a mesma se encontrava. (...) Apenas se limitam a mostrar arrependimento em função das consequências que para si próprios os factos praticados podem acarretar."

Quanto a serem ambos funcionários do estabelecimento, facto que o MP frisa no seu recurso impor-lhes "um comportamento mais cuidadoso senão mesmo de proteção" dos clientes, "pelo que redobrado era o seu dever de não serem eles a abusar dessas situações [de excesso alcoólico], especialmente com comportamentos sexuais altamente reprováveis e dolosos" também não terá sido considerado relevante pelas duas instâncias - como, de resto, a evidência de estes terem mantido a vítima num local fechado, que controlavam, durante várias horas.

Diz a Relação: "Os factos demonstram que os arguidos estão perfeitamente integrados, profissional, familiar e socialmente e dão-nos conta de, pelo menos, grande constrangimento dos arguidos perante a situação que criaram. Os arguidos não têm qualquer percurso criminal. A leitura dos factos espelha personalidades com escassíssimo pendor para a reincidência."

Tribunais só viram atenuantes
"Todo o caso é apreciado no pré-entendimento de que eles não vão para a prisão. Tudo o que pode ser usado para atenuante é invocado, tudo o que devia ser agravante não é", comenta Inês Ferreira Leite, penalista, professora da Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa e membro da direção da associação feminista Capazes.

"A falha começa pelo MP, que não fez uma acusação com todos os elementos que deveria ter usado. Deveria ter sido mencionado o não uso de preservativo e sido pedido que os arguidos fossem inscritos na lista de agressores sexuais e lhes fossem aplicadas as penas acessórias para pessoas que cometam crimes sexuais. Não deviam poder voltar a trabalhar em funções em que fiquem responsáveis por outras pessoas, nomeadamente em bares e discotecas. Isso não se consegue evitar só com o regime de prova [acompanhamento pelo Instituto de Reinserção Social com um plano específico] que o tribunal impôs no período da pena suspensa."
Não achando que "a pena seja necessariamente injusta no caso" ou que o acórdão seja "especialmente chocante", a jurista crê que deveria ter sido contemplada a agravação "por terem cometido o crime em conjunto, ter havido conjugação de esforços. Aliás o tribunal considera que não houve premeditação - e concordo que não houve -- mas pode considerar-se a possibilidade de concertação prévia. Porque é que o porteiro leva a amiga a casa e não as duas? Porque deixa a vítima sozinha com o barman?"
"Há sempre tolerância em relação a este tipo de arguidos, os acusados de crimes sexuais contra mulheres. São apresentados como boas pessoas, como não criminosos, que numa dada situação deram largas aos seus instintos sexuais."

Além disso, opina Ferreira Leite, "o que salta à vista no acórdão é a forma menorizante como se despacharam os efeitos do crime na vítima." Para além de só serem mencionadas as sequelas físicas, quando "é de conhecimento obrigatório que todos estes crimes têm um impacto psicológico e emocional muito grande", o facto de o acórdão mencionar "um ambiente de sedução mútua" surge-lhe incompreensível: "Não encontro na descrição quaisquer factos objetivos que demonstrem a sedução mútua." Acresce, sublinha, que "ou há ou não há consentimento para o ato sexual e se não há consentimento há crime, o que nada tem a ver com a existência ou não de um clima de sedução prévia. Sendo certo que ainda por cima o crime foi cometido pelos dois arguidos. Será que o tribunal está a dizer que a vítima seduziu os dois?"
E conclui: "Há sempre tolerância em relação a este tipo de arguidos, os acusados de crimes sexuais contra mulheres. São apresentados como boas pessoas, como não criminosos, que numa dada situação deram largas aos seus instintos sexuais. E se nem discordo da suspensão da pena é preciso ter em conta que temos em Portugal pessoas condenadas a prisão efetiva por crimes contra a propriedade ou por corrupção, sendo como estes arguidos primários [ou seja, sem condenações anteriores]."

"Este caso é o nosso La Manada"
"É o nosso La Manada", diz uma magistrada que pede para não ser identificada, referindo-se ao processo relativo à violação de uma jovem espanhola de 18 anos, também em 2016 e também quando embriagada, por cinco homens, nas festas de San Fermin, em Pamplona, e cuja sentença encheu as ruas de Espanha de protestos, por se ter considerado que não tinha sido usada violência na consumação do crime. "O que mais revolta é que quando estão em causa crimes contra mulheres o sinal que os tribunais dão é sempre este, de desculpabilização do comportamento dos agressores. O que era preciso para terem pena efetiva? Que já tivessem violado ou roubado antes?"
Como a penalista citada, considera que deveria ter sido valorizada a comissão em conjunto e o não uso de preservativo. Mas ao contrário dela crê que "a medida da pena demonstra que o crime foi desvalorizado. Há um sinal de impunidade para a comunidade. Uma mulher inconsciente foi violada duas vezes! Que humilhação para ela constatar que ficam com pena suspensa."

"O que mais revolta é que quando estão em causa crimes contra mulheres o sinal que os tribunais dão é sempre este, de desculpabilização do comportamento dos agressores. O que era preciso para terem pena efetiva? Que já tivessem violado ou roubado antes?"
A indignação sobe de tom: "E o acórdão refere que ela esteve a dançar na pista? Mas que importância tem isso? Que relevo, que relação? E de onde vem a "sedução mútua"? Esta mulher tinha vomitado e estava na casa de banho mal disposta. Provou-se que estava incapaz de resistir quando a violaram. Até se podia ter despido na pista, caramba. Está a tentar-se que recaia na vítima uma parte da responsabilidade. E que é isto da "baixa ilicitude"? O que seria alta ilicitude? Às vezes parece que a argumentação jurídica permite que a gente se perca e não veja a gravidade das coisas. Estamos a escudar-nos no argumento jurídico para branquear os factos."
Os factos, então. Voltemos atrás, à noite de sábado 26 de novembro. Maria, de quem pouco se sabe a partir do acórdão, tinha-se deslocado com uma amiga ao Vice Versa, que ambas frequentavam há alguns meses e de onde conheciam os arguidos. Pelas 3.30, havendo já no bar, lê-se na factualidade provada, "poucos clientes e aproximando-se a hora do seu encerramento - 4 horas da madrugada -, o arguido [barman] começou a servir à [vítima] vários "shots" - pelo menos três -, de bebidas alcoólicas (...) dizendo que era oferta, sendo certo que a ofendida já havia consumido várias bebidas também alcoólicas."

"De onde vem a "sedução mútua"? Esta mulher tinha vomitado e estava na casa de banho mal disposta. Estava incapaz de resistir quando a violaram. Está a tentar-se que recaia na vítima uma parte da responsabilidade."
Pouco depois, já após as quatro da manhã, a amiga de Maria mostrou-se mal disposta, sentando-se num sofá na zona Vip, acompanhada por Paulo. Maria juntou-se-lhes, acompanhada por Marcos, e começou também a sentir-se nauseada, sendo levada por Marcos ao exterior do bar (supõe-se que para apanhar ar). Perto das cinco da manhã, como não se sentisse melhor, Maria foi levada por Marcos à casa de banho feminina e aí sentou-se no chão, junto à sanita, e vomitou. Paulo foi também à casa de banho nessa altura e "aí verificou sinais de embriaguez" em Maria.

25.6.18

Há cinco décadas a lutar pela igualdade no feminino

Rita Neves Costa, in Jornal de Notícias

As prisões, as reuniões e os protestos do MDM

Dulce Roclo "Mulheres atuais são idênticas às de 68" Esteve presente na reunião na Padaria do Povo, em Lisboa, onde o movimento foi fundado. Aos 92 anos, continua, todos os dias, a contribuir para a construção da democracia Varia Jose Rib iro "Abril foi uma garrafa de champanhe" Recorda o medo que teve quando foi desafiada para a luta organizada Já tinha sido presa e torturada pela PIDE. Mas disse sim e considera que a luta das mulheres se mantém Há cinco décadas a lutar pela igualdade no feminino Movimento Democrático de Mulheres nasceu do combate à ditadura. A luta continua a fazer sentido Rita Neves Costa sociedade@jn.pt Em 1968, o Movimento Democrático de Mulheres (MDM) nascia com o objetivo de combater a ditadura fascista, então ancorada em Marcello Caetano, já depois da saída de António de Oliveira Salazar da presidência do Conselho de Ministros. Hoje, com 50 anos, o movimento histórico olha para os problemas femininos e para a desigualdade de género com o mesmo assombro que na década de 60.

Ainda antes do MDM, já a Liga Republicana de Mulheres (1908) e o Conselho Nacional das Mulheres Portuguesas (1914) lutavam pela colocação das preocupações femininas na agenda social e política. O Conselho Nacional fecharia por ordem de Salazar, 33 anos após a sua criação. O MDM tornou-se realidade após uma assembleia-geral, na Padaria do Povo, em Lisboa. Foi nesta cooperativa que se começaram a realizar as reuniões. "Como já estávamos na época do Marcello Caetano, queríamos saber como íamos continuar a nossa atividade política", explica Dulce Rebelo, de 92 anos, uma das fundadoras do MDM. Em 1969 avizinhavam-se as eleições legislativas e as mulheres queriam fazer parte do processo. "A mulher não era reconhecida como cidadã.

Só podia votar quem tivesse licenciatura ou fosse viúva", afirma Maria José Ribeiro, de 82 anos, outra fundadora.

Do voto à despenalização do aborto em 2007, foram várias as razões que levaram mulheres de todas as idades, profissões e regiões até ao MDM. Atualmente, o movimento tem uma direção nacional de 33 mulheres, para assegurar o funcionamento. "Ninguém nos deu nada, tudo foi conquistado. Se as mulheres deste país têm direitos, devem-nos à luta organizada", conclui Sandra Benfica, 46 anos, dirigente do MDM. Ver vídeo jri.pt Aos 92 anos, ainda é possível ver Dulce Rebelo a caminhar em manifestações de defesa dos direitos das mulheres: na frente de combate e a segurar cartazes com palavras de ordem e de exaltação ao dia 8 de março, em que se assinala o Dia da Mulher.
Começou no MDM em reuniões na Padaria do Povo, em Lisboa, a tentar descortinar com as companheiras como haveriam de votar nas próximas eleições legislativas de 1969. "Havia um grupo de jovens que se reunia em sessões mais ou menos clandestinas para abordarmos os problemas femininos", relembra a fundadora.

Além de tentarem contornar as restrições do que chama de "ditadura feroz", Dulce Rebelo avança que a Guerra Colonial, para aquelas mulheres da década de 60, foi um dos motores de mobilização.
"Havia um aumento de custo de vida brutal e ninguém sabia como iam aguentar aquelas circunstâncias".

Nas ex-colónias portuguesas, vidas de maridos, filhos e irmãos perdiam-se no mato e não raras vezes, a mulher tornava-se o sustento da casa e por isso, chefe de família. As reuniões serviam sobretudo para se entreajudarem e tomarem posições, cujo objetivo final seria "derrubar o fascismo".

Fazer parte do MDM era equivalente a desrespeitar as normas do Estado Novo. "Embora as possíveis perseguições pudessem acontecer, o movimento foi aumentando em número de aderentes", recorda a antiga professora universitária. A existência de um caderno reivindicativo, as saudações de paz com outros países e a distribuição de folhetos permaneciam clandestinos.
Até que Abril de 1974 chegou.

Para Dulce, o movimento nunca estagnou, adaptou-se. "Temos o direito de evocar os nossos direitos na Constituição. E temos de dizer que 'a democracia se-constrói todos os dias'", afirma. Quanto às novas gerações e aos novos movimentos feministas, a fundadora do MDM acredita que as bases de igualdade de género mantêm-se, tal como em 68. "As mulheres atuais são idênticas às do passado.

Têm lutado com convicção". Tinha 23 anos quando a incentivaram a entrar para a luta organizada das mulheres. Mas Maria José Ribeiro recuou. "Eu fiquei muito assustada", diz ao JN. Antes já tinha sido presa e torturada nas instalações da PIDE no Porto, o atual Museu Militar, por pertencer a movimentos de jovens. O receio de entrar no MDM era sobretudo e especialmente por ser um grupo de mulheres. "Disse logo que era muito complicado", explica a fundadora. Mudou de ideias. MariaJosé Ribeiro aderiu e 59 anos depois continua a fazer parte dos órgãos sociais do Movimento Democrático de Mulheres.

Nos anos seguintes a 1968, o movimento foi construindo uma rede organizada de mulheres em várias localidades. "Tínhamos as amigas de Braga, de Viana, entre outras, e comunicávamos". Desse contacto resultavam ações de um grupo que a antiga profissional de seguros, de 82 anos, considera "semiclandestino".

"As reuniões aconteciam ao sábado a uma hora pacata e as mulhe: res vinham porque eram mulheres", explica. Um grupo de jovens do sexo feminino a conversar em casa parecia inofensivo para o marido, o pai e a ditadura.
Antes do 25 de Abril de 1974, o debate de ideías sobre a condição da mulher fazia-se assim à luz do dia, mas com cautela. No entanto, para Maria José Ribeiro, o dia dos cravos vermelhos foi muito revelador. "Eu não sei onde estava tanta coisa entranhada. Porque foi como uma garrafa de champanhe.

Abriu-se e 'puni', as mulheres apareceram rapidamente na rua".
A seguir à Revolução, apareceram outras mulheres, não ligadas ao MDM, que protestaram também. "Existiram manifestações com mulheres desnudadas, com tachos e panelas nas cabeças. Nós não nos revemos nisso", diz. Porém, quando se trata de comentar os novos movimentos de defesa dos direitos das mulheres, como o MeToo ou o Time's Up, mais presentes nos Estados Unidos da América, Maria José Ribeiro não vacila: "A história das mulheres é tão rica, tem de ser exprimida de várias formas".

"Tenho arrepios. Nunca imaginei em toda a minha vida que conduziria nesta avenida"

Rita Ferreira, in DN

Não é um domingo qualquer na Arábia Saudita. Acabou a proibição de conduzir para as mulheres. Pegaram no volante logo à meia noite
Os primeiros minutos deste domingo na Arábia Saudita ficaram marcados pela presença inédita de mulheres ao volante nas estradas do reino, uma reforma histórica neste país ultraconservador, levada a cabo pelo príncipe herdeiro, Mohammad bin Salman.

"Tenho arrepios. Nunca imaginei em toda a minha vida que conduziria nesta avenida ", contou à AFP Samar Almogren, apresentadora de televisão e mãe de três filhos, enquanto descia a King Fahd Avenue, principal artéria da capital saudita, ao volante do seu automóvel, poucos minutos depois da meia-noite.

A agência conta que dezenas de mulheres aproveitaram a nova lei para circularem ao volante das suas viaturas logo que começou o novo dia, em que foi finalmente levantada uma proibição que durava há décadas e que era o sinal mais visível da repressão sobre as sauditas.

Roa Altaweli quase não dormiu. É isso que conta à BBC: "Acordei mais cedo que o habitual, aliás estava tão entusiasmada que mal consegui dormir. Hoje vou a conduzir para o trabalho e pela primeira vez não vou no banco de trás. Vou ao volante. Ainda mal posso acreditar.

Em Jeddah, a cidade onde vive, as primeiras mulheres a conduzir foram recebidas com aplausos nas ruas.


Mona Al-Fares é médica. Ainda antes da meia-noite entrou para dentro do carro e ficou à espera. Chave na ignição, assim que o relógio anunciou a mudança da lei girou-a, meteu a primeira e arrancou. O marido e os filhos iam no carro com ela, contou à CNN: "Sinto-me estupefacta. Estou mesmo a conduzir no meu país? Sinto-me feliz, aliviada. Sinto que sou livre."

O dia é bom para quem vai conduzir pela primeira vez. As crianças estão de férias da escola, há pouco trânsito. Roa é parteira e teve de ir para o hospital trabalhar. O pai foi ao lado para lhe dar algumas indicações. "Passei pela polícia no caminho, mas sem medo de ser mandada parar. Tenho uma carta de condução e estou a conduzir legalmente na Arábia Saudita. Parei para tomar café num drive-in e fui a primeira mulher condutora que o funcionário alguma vez atendeu."


Roa chegou ao hospital, estacionou e fechou o carro. Diz que caminhou confiante para o trabalho. "Temos um longo caminho a percorrer. Hoje é um dia histórico, e parece um dia carregado de promessas de um futuro com mais dias históricos para as mulheres na Arábia Saudita."

A questão de saber se a sociedade saudita estava pronta para ter mulheres ao volante de viaturas foi matéria de um longo debate no reino, que nem sempre decorreu nos moldes esperados.
Em 2013, um conhecido clérigo saudita, o xeque Saleh al-Louhaidan, chegou a garantir que a condução de automóveis poderia danificar os ovários das mulheres e deformar a sua pelve, o que levaria a malformações dos recém-nascidos.

Anunciada em setembro de 2017, a medida promovida pelo príncipe herdeiro integra um amplo plano de modernização do país, pondo fim a uma proibição que se tornou símbolo do da posição secundária atribuída às mulheres pelo regime.

A medida está a ser encarada por muitos como o início de uma nova era numa sociedade que vive sob um regime islâmico rigoroso.

"É um passo importante e uma etapa essencial para a mobilidade das mulheres", resume Hana al Jamri, autora de um livro que será publicado em breve sobre as mulheres no jornalismo na Arábia Saudita.
A escritora lembra que as mulheres sauditas "vivem num sistema patriarcal", e que a possibilidade de conduzir automóveis vai ajudá-las a desafiar as rígidas normas sociais do reino.

Segundo estimativas da empresa de consultadoria PricewaterhouseCoopers, cerca de três milhões de mulheres sauditas devem adquirir a carta de condução e começar a dirigir até 2020.

Apesar da abertura das escolas de condução, muitas mulheres reclamam da falta de instrutores e do alto custo das aulas. As autoridades emitiram este mês as primeiras licenças de condução para as mulheres, havendo muitas que simplesmente trocaram a carta de condução estrangeira por uma licença saudita.

26.1.18

Davos debate luta contra as desigualdades

De Euronews

Os problemas e riscos levantados pelas desigualdades económicas e de género são um dos temas fortes da edição 2018 do Fórum de Davos.

Pela primeira vez em quase meio século de história, o Fórum Económico de Davos é integralmente dirigido por mulheres, uma resposta da organização às críticas sobre a predominância do sexo masculino nos comandos do evento.
"Temos de garantir que a voz das mulheres é escutada, que as mulheres tenham os mesmos direitos (que os homens), que haja paridade na força de trabalho e que a vaga de violência contra as mulheres seja, de facto, eliminada."

A direção de Davos é este ano assegurada por sete mulheres, incluindo a diretora do FMI, da IBM e a primeira-ministra da Noruega.

A diretora-executiva da Greenpeace, Jennifer Morgan, espera que seja o inicio de uma nova era:
"Estou muito entusiasmada por ter estas mulheres a dirigir-nos este ano. Espero que seja apenas o inicio e que mais mulheres entrem nas administrações e assumam papeis de liderança e que haja igualdade nos salários, entre muitas outras coisas."

É necessária mais, igualdade, mais paridade e o fim da violência contra as mulheres, refere a Secretária Geral da Confederação Sindical Internacional, Sharan Burrow:

"Temos de garantir que a voz das mulheres é escutada, que as mulheres tenham os mesmos direitos (que os homens), que haja paridade na força de trabalho e que a vaga de violência contra as mulheres seja, de facto, eliminada." Uma equidade que também é necessária para reduzir o fosso crescente entre ricos e pobres,como explica a diretora-executiva da Oxfam, Winnie Byanyima:

"A desigualdade de género e a desigualdade económica estão ligadas e têm de ser tratadas em conjunto. No nosso relatório mostramos que a maioria das pessoas que está presa na pobreza, que tem os trabalhos mais miseráveis com as piores condições de trabalho e com os piores salários, são mulheres."

O mais recente estudo da ONG Oxfam mostra que 42 pessoas acumulam tanta riqueza como os 3700 milhões que representam a metade mais pobre da população mundial, um risco para o qual a sociedade moderna tem de olhar com muita atenção.

15.3.16

Grupo de Chaves da Amnistia Internacional: “Luta pelos direitos da mulher deve ser uma luta sistemática”

Cátia Portela, in "Diário Atual"

O Grupo de Chaves da Amnistia Internacional organizou na terça-feira, dia 8, uma exposição de rua sobre as “Mulheres Ativistas” como forma de assinalar o Dia Internacional da Mulher.

IMG_3413Em frente à Câmara de Chaves foram colocados vários painéis com a fotografia de 34 mulheres, entre quais cinco portuguesas, que dedicaram grande parte da sua vida à luta pela igualdade de género. São mulheres que em diferentes períodos de tempo e um pouco por todo o mundo reivindicaram direitos iguais dentro da sociedade em que estavam inseridas.

Em 1910 a ONU instituiu o dia 8 de março como o Dia Internacional da Mulher como forma de assinalar os grupos de mulheres operárias que no final do século XIX saíram à rua em protesto contra as 15h laborais e os salários baixos.

Desde então, outras mulheres se celebrizaram e inclusive receberam o prémio Nobel, como é o caso recente da paquistanesa Malala Yousafzai, de 18 anos, que ficou conhecida principalmente pela defesa do acesso à educação pelas mulheres na sua região natal, onde os talibãs locais impedem as jovens de frequentar a escola. O ativismo de Malala ficou conhecido pelo mundo inteiro tornando-se num movimento internacional.
O Grupo de Chaves da Amnistia Internacional procurou “assinalar mulheres portuguesas, americanas, de diferentes países africanos e asiáticos, de diferentes idades, de diferentes extratos sociais, no sentido de mostrar que esta não é uma luta só do ocidente, ou só da Europa, ou só das mais ricas, ou só das mais instruídas. É uma luta em diferentes países, de diferentes épocas históricas e com diferentes domínios”, explicou a vice-coordenadora do grupo flaviense.

“É óbvio que a luta das ativistas pela igualdade de género num país como Portugal, ou num país como o Afeganistão e a Arábia Saudita, por exemplo, são diferentes. São diferentes porque os direitos e as conquistas vão-se alterando de país para país consoante o período político e histórico que está a viver”, acrescentou Brigite Gonçalves dando como exemplos alguns casos ocorridos no nosso país e lembrando que a luta pelos direitos da mulher deve ser uma luta sistemática.

Para a vice-coordenadora do Grupo de Chaves da Amnistia Internacional, Portugal tem evoluído e as mulheres já tiveram muitas conquistas, no entanto há domínios que ainda é preciso intervir, nomeadamente a nível laboral onde os salários continuam a ser diferentes entre homens e mulheres com a mesma função e categoria profissional, sendo que o do homem é superior ao da mulher. Também ao nível da política, a advogada defendeu que as mulheres deveriam ter maior representatividade uma vez que na sociedade há mais mulheres do que homens. Porém, tal não acontece porque “tem a ver com o modus operandi e com a forma como historicamente e tradicionalmente estas coisas sempre foram decididas. Normalmente é em pequenos núcleos de homens que se decide quem vai ocupar determinados lugares”, rematou.

“Há muitos outros exemplos”, continuou, “há imensas mulheres licenciadas e doutoradas em economia e em gestão mas ainda não as vemos por exemplo na banca ou no setor financeiro. Também na área financeira, as empresas mais cotadas em Portugal nenhuma delas é presidida no seu conselho de administração por uma mulher. O poder, seja nas academias, seja no setor empresarial ou na política, continua a estar concentrado nas mãos dos homens. Portanto, ainda faz sentido continuar a lutar pelos direitos da mulher porque a luta está inacabada, ou seja, já se conquistou muita coisa mas há uma série de domínios onde é preciso continuar a intervir”, concluiu.

Grupo de Chaves da Amnistia Internacional presente na cidade há três anos.

A exposição dedicada aos direitos da mulher foi mais uma das atividades organizadas pelo Grupo de Chaves da Amnistia Internacional.
“Quase todos os meses temos uma ação. O facto de ser uma cidade pequena e do interior leva a que não consigamos fazer marchas nem vigílias com grande visibilidade. Mesmo assim, optamos por estratégias diferentes, ou seja, fazemos coisas mais simbólicas mas que se notam. Por exemplo, somos o grupo que recolhe mais assinaturas a nível nacional, conseguimos recolher mais de seis mil assinaturas há dois anos e o ano passado quatro mil”, disse a coordenadora do grupo.

“Acho que todos nós podemos ajudar, e esta exposição foi um bocadinho para demonstrar isso. Nesta exposição estão mulheres que, de uma maneira ou de outra, lutaram por uma causa: algumas delas pelos direitos ambientais, outras pela igualdade, outras lutaram contra discriminação, pelos direitos LGBTI, de liberdade de imprensa…todas elas lutaram de uma maneira diferente. Elas não eram ninguém e mudaram o mundo. Nós também podemos mudar o mundo, com as nossas ações, com a nossa tenacidade, não desistindo, não ficando calada, porque o silêncio é morte”.
Paula Dias define-se como uma defensora de causas, tanto ambientais como animais, e por isso mesmo é que decidiu criar um grupo da Amnistia Internacional na cidade.

As principais causas defendidas pelo Grupo de Chaves são o desaparecimento forçado de Juan Almonte Herrera, na República Dominicana, e o caso de Laísa Santos Sampaio, uma ativista dos direitos ambientais no Brasil. No caso de Juan Almonte Herrera o Grupo de Chaves está a desenvolver, em parceria com o Grupo de Lugo e o Grupo de Sintra, várias ações. No outro caso, este ano o grupo teve uma proposta para a realização de uma ação conjunta com o Grupo alemão na abertura dos Jogos Olímpicos, sendo que “a ideia é fazermos uma atividade nos dois países em simultâneo”.
O Grupo de Chaves da Amnistia Internacional é um dos grupos mais ativos do país, juntamente com o Grupo de Coimbra, num universo que ultrapassa os 40.

“Sou suspeita para dizê-lo mas a prova é que sou contactada muitas vezes por outros grupos portugueses, espanhóis, franceses, inclusive do Togo, na África, do Brasil, e dá-me uma satisfação imensa partilhar a minha experiência com eles e ao mesmo tempo aprender coisas novas”, afirmou.
A partilha é a filosofia do grupo que existe na cidade há três anos e que conta já com cerca de 90 elementos, 13 que pagam quotas à secção portuguesa da Amnistia Internacional e os restantes que ajudam das mais variadas formas.

10.3.16

Estes são os melhores e os piores países para se nascer mulher

In "Notícias ao Minuto"

‘A Pobreza é Sexista’, defende este estudo. Os piores países para se nascer mulher são também os mais pobres.

Para assinalar o Dia Internacional da Mulher, a ONE, uma organização contra a pobreza em África, publicou esta semana um estudo anual intitulado ‘A Pobreza é Sexista’.

A investigação analisa legislação discriminatória, a proporção de mulheres em trabalhos renumerados face à proporção de homens, o PIB per capita, a frequência de escolas, o acesso a contas bancárias a probabilidade de morte durante o parto, a prevalência de anemia e a representação política das mulheres de 166 países.

Conclui-se que os piores países para se nascer rapariga estão entre os mais pobres (18 deles são considerados “os países menos desenvolvidos” pelas Nações Unidas).

Segundo este estudo, os piores países para se nascer mulher são:

1. Nigéria

2. Somália

3. Mali

4. República Central Africana

5. Iémen

6. República Democrática do Congo

7. Afeganistão

8. Costa do Marfim

9. Chade

10. União das Comores

E os melhores países para se nascer mulher são:

1. Noruega

2. Suécia

3. Dinamarca

4. Islândia

5. Finlândia

6.Países Baixos

7. Austrália

8. Nova Zelândia

9. Suíça

10. Bélgica

9.3.15

Amnistia Internacional alerta para ameça de retrocesso nos direitos das mulheres

in Jornal de Notícias

Duas décadas após a aprovação de um acordo global de referência sobre a igualdade de género, existe a ameaça de um retrocesso nos direitos das mulheres, advertiu hoje a Amnistia Internacional (AI), em Nova Iorque.

A organização não-governamental de defesa dos direitos humanos apelou para que os governantes continuem a construir sobre os progressos já realizados no âmbito dos direitos das mulheres e ajam urgentemente de forma a honrar esses compromissos.

Estas posições foram expostas num relatório que será apresentado hoje nas Nações Unidas.

"Há vinte anos, os líderes mundiais reuniram-se em Pequim e fizeram promessas de proteger e promover os direitos das mulheres e jovens. Hoje, no Dia Internacional da Mulher, estamos a assistir um retrocesso em muitos países no que se refere aos avanços feitos nos direitos das mulheres", disse Lucy Freeman, diretora do programa de género, sexualidade e identidade da Amnistia Internacional.

"Embora os resultados alcançados desde a adoção da Declaração de Pequim tenham sido significativos, a plena igualdade de género não foi alcançada em nenhum país do planeta e os direitos das mulheres e jovens estão sob ameaça", disse ainda Lucy Freeman.

Tal como a Comissão da ONU sobre o Estatuto das Mulheres (CSW), que também analisou os progressos em relação à declaração de Pequim adotada em 1995, a AI alertou que conflitos e a ascensão do extremismo violento expôs um vasto número de mulheres a múltiplos abusos dos direitos humanos, incluindo rapto, violações e escravidão sexual.

O relatório refere que as mulheres em todo o mundo continuam a enfrentar discriminação, também lhes é negada a igualdade de acesso à participação na vida pública e política e sofrem ainda violência baseada no género e abuso sexual em locais públicos e em casa, enquanto as mulheres defensoras dos direitos humanos frequentemente enfrentam ameaças, intimidações, ataques e, algumas vezes, pagam com a própria vida pelo esforço de promoção da igualdade de género.

Em zonas de conflito, como no Afeganistão, Sudão do Sul, República Centro-Africana, República Democrática do Congo, no nordeste da Nigéria, em áreas controladas pelo grupo extremista Estado Islâmico (IS) e outros grupos armados violentos, há uma escalada da violência contra as mulheres e raparigas.

Às sobreviventes de tais abusos tem sido frequentemente negado o acesso à justiça, enquanto os criminosos saem impunes, adianta a AI.

Segundo o documento, as mulheres continuam a sofrer violência baseada no género e outras violações dos direitos humanos justificadas pela tradição, costumes ou religião, como o casamento forçado, a mutilação genital feminina e crimes cometidos "em nome da honra".

Alguns países tentam diluir as obrigações assumidas em acordos internacionais no que toca ao acesso das mulheres aos contracetivos e aborto devido aos "valores tradicionais" e à "proteção da família".

O relatório da AI apela aos países para que protejam os direitos das mulheres e raparigas que vivem em situações de conflito, que terminem com as práticas nocivas com base na tradição, cultura ou religião, e que as mulheres tenham uma maior participação, em todos os níveis, na tomada de decisões.

A AI também lançou um manifesto exigindo dos governos que transformem as suas obrigações em matéria de direitos sexuais e reprodutivos em ções efetivas.