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20.4.22

Mais de 500 crianças e jovens vítimas de crimes sexuais apoiados em 2021 pela APAV

in Semanário Expresso

Mais de metade dos casos acontecem em contexto intrafamiliar. Os dados também revelam que 80% das vítimas apoiadas eram do género feminino. Já o agressor é do género masculino em mais de 90% das ocorrências

De acordo com os dados mais recentes do projeto CARE 2.0, uma rede de apoio a crianças e jovens vítimas de violência sexual da Associação Portuguesa de Apoio à Vítima (APAV), 508 crianças e jovens vítimas tiveram ajuda através desta iniciativa.

A CARE 2.0 foi criada em 2016 e o projeto está previsto terminar em 2022, mas ano após ano o número de vítimas apoiadas cresce, e, depois de ter começado com 195 nesse primeiro ano, cresceu para 251 no ano seguinte e chegou às 304 em 2018.

Em 2019, a APAV ajudou 417 crianças e jovens, número que aumenta novamente em 2020 para 432 e que cresce em 2021 para 508 vítimas apoiadas.

Tudo somado, significa que no conjunto dos seis anos a CARE 2.0 chegou a 2107 crianças e jovens, tendo também apoiado 206 pessoas que eram familiares ou amigos das vítimas, além de ter realizado um total de 28.247 atendimentos.

De acordo com a coordenadora da rede, os números demonstram “claramente” que “a violência sexual contra crianças e jovens existe e é um fenómeno transversal enquanto sociedade”, mas também que há “sem dúvida nenhuma uma sociedade mais atenta e mais intolerante a estas situações de violência”.

“E também com alguma capacidade adicional, que se calhar não tínhamos há alguns anos, de identificar as diferentes formas que a violência sexual pode assumir e essa maior capacidade de deteção acaba por ajudar a detetar as situações e a desocultar as situações, o que também leva a este maior número de pedidos de ajuda que temos vindo a receber ao longo destes anos”, apontou Carla Ferreira.

Sendo a formação uma das vertentes do programa, a responsável explicou que a mensagem que tentam passar aos adultos é de que perante a mera suspeita de um caso de violência sexual devem agir e pedir ajuda imediatamente, não mantendo a situação em segredo ou tentando fazer a sua própria investigação, uma vez que há entidades competentes para ambas as situações.

Os dados da APAV mostram que 80% das vítimas apoiadas eram do género feminino, viviam sobretudo nas áreas metropolitanas de Lisboa (789) e Porto (576), e tinham idades entre os oito e os 17 anos (1387), enquanto o agressor é sobretudo do género masculino (91,6%).

Carla Ferreira apontou que a maioria dos crimes acontece em contexto intrafamiliar (51%), mas destacou que mesmo nos casos que ocorrem fora do seio familiar as situações de violência são praticadas por pessoas que a vítimas conhece, havendo apenas 7,5% de casos em que o agressor é uma pessoa desconhecida da vítima.

Dada a relação de proximidade entre vítima e agressor na maior parte dos casos denunciados, a responsável apontou que a prevenção deste tipo de crime está muito associada ao ter informação, destacando que há muitos casos que acontecem em contexto familiar que se arrastam por vários anos.

“A prevenção vem ajudar a melhor desconstruir estas situações porque é uma transmissão de informação e esta informação é poder para as pessoas. É as pessoas poderem identificar as situações como sendo abusivas e depois poderem ter aqui algumas ferramentas para poderem responder e pedir ajuda”, defendeu, acrescentando que o mesmo se passa com as crianças.

Quase 80% dos casos reportados à APAV foram depois denunciados a uma autoridade policial ou a um tribunal, mas entre as situações que não foram denunciadas há uma percentagem não quantificada de casos em que o agressor é inimputável por causa da idade, ou seja, tem menos de 16 anos.

Carla Ferreira explicou que quando o agressor tem entre 12 e 16 anos, o caso é encaminhado para o Tribunal de Família e Menores que irá aplicar um processo tutelar educativo.

“Abaixo dos 12 anos não há esta resposta judicial e o que se tenta que exista é uma intervenção ao nível das CPCJ [comissões de proteção de crianças e jovens], através de um processo de promoção e proteção, para quem pratica um ato que pode configurar uma situação de violência sexual possa ter alguma intervenção porque claramente essa pessoa também precisa de intervenção para ser reeducada para o direito e para as normas da vida em sociedade”, explicou.

A responsável adiantou que na faixa etária entre os 12 e os 16 anos, os casos denunciados dizem sobretudo respeito a contactos que acontecem online, desde partilha de imagens ou captura indevida de imagens.

Acrescentou que tem havido casos detetados pela rede e salientou que “não é por serem menores que não se pode intervir”, apesar de nestes casos não seguirem os tramites penais, garantindo que a preocupação é de que haja sempre um encaminhamento.

Estes e outros dados são apresentados nesta quarta-feira, durante o encontro “Seis anos de prevenção e apoio a crianças e jovens vítimas de violência sexual: o Projeto CARE”, na Fundação Calouste Gulbenkian, em Lisboa.

21.9.18

Tribunal invoca "sedução mútua" e "mediana ilicitude" em caso de jovem violada quando inconsciente

Fernanda Câncio, in DN

Relação do Porto mantém pena suspensa para dois funcionários de discoteca de Gaia condenados por terem tido "cópula" com jovem de 26 anos quando "incapaz de resistir". E fala em "danos físicos" sem "especial gravidade".

"A culpa dos arguidos [embora nesta sede a culpa já não seja chamada ao caso] situa-se na mediania, ao fim de uma noite com muita bebida alcoólica, ambiente de sedução mútua, ocasionalidade (não premeditação), na prática dos factos. A ilicitude não é elevada. Não há danos físicos [ou são diminutos] nem violência [o abuso da inconsciência faz parte do tipo]."

As considerações pertencem a um acórdão da Relação do Porto, datado de junho e assinado pelos juízes Maria Dolores da Silva e Sousa (relatora) e Manuel Soares, dizendo respeito a um caso ocorrido em novembro de 2016, quando uma jovem de 26 anos - a quem se dará o nome de Maria -- foi, de acordo com o dado como provado, submetida, enquanto "incapaz de resistência" por estar muito embriagada, a relações sexuais "de cópula completa" por dois funcionários da discoteca Vice Versa, em Vila Nova de Gaia, na casa de banho da mesma e quando o estabelecimento se encontrava já encerrado, não havendo mais ninguém nele além dos arguidos e de Maria.
"A culpa dos arguidos [embora nesta sede a culpa já não seja chamada ao caso] situa-se na mediania, ao fim de uma noite com muita bebida alcoólica, ambiente de sedução mútua, ocasionalidade (não premeditação), na prática dos factos. A ilicitude não é elevada. Não há danos físicos [ou são diminutos] nem violência [o abuso da inconsciência faz parte do tipo]."

Os homens, de 25 e 39 anos à data dos factos, respetivamente barman e porteiro/relações públicas da discoteca, Marcos e Paulo de primeiro nome, foram condenados a quatro anos e meio de prisão em acórdão de fevereiro do juiz 2 do Juízo Criminal Central de Nova de Gaia, que suspendeu a aplicação da pena, suspensão confirmada pela Relação. De acordo com esta última decisão - não foi possível consultar a da primeira instância, já que estas por norma não são disponibilizadas na net - a acusação feita pelo MP (que recorreu por não concordar com a suspensão da pena) não foi toda considerada procedente.

Os arguidos, que estiveram de fevereiro a junho de 2017 em prisão preventiva e depois em prisão domiciliária com pulseira eletrónica até ao julgamento, foram apenas condenados "pela prática, em autoria material, de um crime de abuso sexual de pessoa incapaz de resistência", descrito no artigo 165º do Código Penal e cujo enquadramento penal é de dois a dez anos de prisão.
"Ela estava toda desmaiada"
Não recorreram da condenação, apesar de, segundo o recurso do MP, não admitirem ter cometido o crime nem manifestarem "qualquer arrependimento pela prática dos factos": "Apenas reconheceram ter mantido relações sexuais com a ofendida, negando o estado de inconsciência em que a mesma se encontrava. (...) Apenas se limitam a mostrar arrependimento em função das consequências que para si próprios os factos praticados podem acarretar; ou seja um arrependimento focado e centrado nas suas pessoas."
Considerando que "ambos os arguidos desprezaram totalmente os mais elementares valores morais e jurídicos de respeito devido pela liberdade e autodeterminação sexual da ofendida, ao se aproveitarem do seu estado de inconsciência para com ela manterem relações sexuais de cópula", o MP frisa no recurso que a seguir ao crime o barman Marcos não mostrava dúvidas sobre o "estado de inconsciência da ofendida", referindo-o "em telefonemas intercetados na escuta ao seu telemóvel dizendo "(...) ela estava toda fodida (...)" e "(...) Não. Ela estava toda desmaiada no quarto de banho (...).""
O barman não mostrava dúvidas sobre o "estado de inconsciência da ofendida", referindo-o "em telefonemas intercetados na escuta ao seu telemóvel dizendo: "Ela estava toda fodida" e "Ela estava toda desmaiada no quarto de banho."
Aparentemente, a falta de arrependimento não foi valorizada pelo tribunal de recurso. Tão-pouco terá sido tida em conta a possibilidade de os arguidos serem condenados pela forma agravada do crime - a que prevê um aumento de um terço nos limites mínimo e máximo quando, nos termos do artigo 177º do CP, é "cometido conjuntamente por duas ou mais pessoas" -- e que, aparentemente, o tribunal inferior rechaçou argumentando "não se ter demonstrado o planeamento de uma decisão conjunta ou a sua execução com diferentes papéis atribuídos a cada um mas, em vez, duas resoluções autónomas e distintas."

Igualmente, o facto de pelo menos Paulo, o porteiro, não ter usado preservativo quando submeteu Maria a "cópula completa, ejaculando" - foram encontrado resíduos do seu sémen no exame forense que foi feito quer a Maria quer às suas roupas - não mereceu qualquer censura penal ou sequer menção na decisão, apesar de ser uma conduta que coloca a vítima em perigo acrescido.

"Os arguidos não demonstraram qualquer arrependimento pela prática dos factos. Apenas reconheceram ter mantido relações sexuais com a ofendida, negando o estado de inconsciência em que a mesma se encontrava. (...) Apenas se limitam a mostrar arrependimento em função das consequências que para si próprios os factos praticados podem acarretar."

Quanto a serem ambos funcionários do estabelecimento, facto que o MP frisa no seu recurso impor-lhes "um comportamento mais cuidadoso senão mesmo de proteção" dos clientes, "pelo que redobrado era o seu dever de não serem eles a abusar dessas situações [de excesso alcoólico], especialmente com comportamentos sexuais altamente reprováveis e dolosos" também não terá sido considerado relevante pelas duas instâncias - como, de resto, a evidência de estes terem mantido a vítima num local fechado, que controlavam, durante várias horas.

Diz a Relação: "Os factos demonstram que os arguidos estão perfeitamente integrados, profissional, familiar e socialmente e dão-nos conta de, pelo menos, grande constrangimento dos arguidos perante a situação que criaram. Os arguidos não têm qualquer percurso criminal. A leitura dos factos espelha personalidades com escassíssimo pendor para a reincidência."

Tribunais só viram atenuantes
"Todo o caso é apreciado no pré-entendimento de que eles não vão para a prisão. Tudo o que pode ser usado para atenuante é invocado, tudo o que devia ser agravante não é", comenta Inês Ferreira Leite, penalista, professora da Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa e membro da direção da associação feminista Capazes.

"A falha começa pelo MP, que não fez uma acusação com todos os elementos que deveria ter usado. Deveria ter sido mencionado o não uso de preservativo e sido pedido que os arguidos fossem inscritos na lista de agressores sexuais e lhes fossem aplicadas as penas acessórias para pessoas que cometam crimes sexuais. Não deviam poder voltar a trabalhar em funções em que fiquem responsáveis por outras pessoas, nomeadamente em bares e discotecas. Isso não se consegue evitar só com o regime de prova [acompanhamento pelo Instituto de Reinserção Social com um plano específico] que o tribunal impôs no período da pena suspensa."
Não achando que "a pena seja necessariamente injusta no caso" ou que o acórdão seja "especialmente chocante", a jurista crê que deveria ter sido contemplada a agravação "por terem cometido o crime em conjunto, ter havido conjugação de esforços. Aliás o tribunal considera que não houve premeditação - e concordo que não houve -- mas pode considerar-se a possibilidade de concertação prévia. Porque é que o porteiro leva a amiga a casa e não as duas? Porque deixa a vítima sozinha com o barman?"
"Há sempre tolerância em relação a este tipo de arguidos, os acusados de crimes sexuais contra mulheres. São apresentados como boas pessoas, como não criminosos, que numa dada situação deram largas aos seus instintos sexuais."

Além disso, opina Ferreira Leite, "o que salta à vista no acórdão é a forma menorizante como se despacharam os efeitos do crime na vítima." Para além de só serem mencionadas as sequelas físicas, quando "é de conhecimento obrigatório que todos estes crimes têm um impacto psicológico e emocional muito grande", o facto de o acórdão mencionar "um ambiente de sedução mútua" surge-lhe incompreensível: "Não encontro na descrição quaisquer factos objetivos que demonstrem a sedução mútua." Acresce, sublinha, que "ou há ou não há consentimento para o ato sexual e se não há consentimento há crime, o que nada tem a ver com a existência ou não de um clima de sedução prévia. Sendo certo que ainda por cima o crime foi cometido pelos dois arguidos. Será que o tribunal está a dizer que a vítima seduziu os dois?"
E conclui: "Há sempre tolerância em relação a este tipo de arguidos, os acusados de crimes sexuais contra mulheres. São apresentados como boas pessoas, como não criminosos, que numa dada situação deram largas aos seus instintos sexuais. E se nem discordo da suspensão da pena é preciso ter em conta que temos em Portugal pessoas condenadas a prisão efetiva por crimes contra a propriedade ou por corrupção, sendo como estes arguidos primários [ou seja, sem condenações anteriores]."

"Este caso é o nosso La Manada"
"É o nosso La Manada", diz uma magistrada que pede para não ser identificada, referindo-se ao processo relativo à violação de uma jovem espanhola de 18 anos, também em 2016 e também quando embriagada, por cinco homens, nas festas de San Fermin, em Pamplona, e cuja sentença encheu as ruas de Espanha de protestos, por se ter considerado que não tinha sido usada violência na consumação do crime. "O que mais revolta é que quando estão em causa crimes contra mulheres o sinal que os tribunais dão é sempre este, de desculpabilização do comportamento dos agressores. O que era preciso para terem pena efetiva? Que já tivessem violado ou roubado antes?"
Como a penalista citada, considera que deveria ter sido valorizada a comissão em conjunto e o não uso de preservativo. Mas ao contrário dela crê que "a medida da pena demonstra que o crime foi desvalorizado. Há um sinal de impunidade para a comunidade. Uma mulher inconsciente foi violada duas vezes! Que humilhação para ela constatar que ficam com pena suspensa."

"O que mais revolta é que quando estão em causa crimes contra mulheres o sinal que os tribunais dão é sempre este, de desculpabilização do comportamento dos agressores. O que era preciso para terem pena efetiva? Que já tivessem violado ou roubado antes?"
A indignação sobe de tom: "E o acórdão refere que ela esteve a dançar na pista? Mas que importância tem isso? Que relevo, que relação? E de onde vem a "sedução mútua"? Esta mulher tinha vomitado e estava na casa de banho mal disposta. Provou-se que estava incapaz de resistir quando a violaram. Até se podia ter despido na pista, caramba. Está a tentar-se que recaia na vítima uma parte da responsabilidade. E que é isto da "baixa ilicitude"? O que seria alta ilicitude? Às vezes parece que a argumentação jurídica permite que a gente se perca e não veja a gravidade das coisas. Estamos a escudar-nos no argumento jurídico para branquear os factos."
Os factos, então. Voltemos atrás, à noite de sábado 26 de novembro. Maria, de quem pouco se sabe a partir do acórdão, tinha-se deslocado com uma amiga ao Vice Versa, que ambas frequentavam há alguns meses e de onde conheciam os arguidos. Pelas 3.30, havendo já no bar, lê-se na factualidade provada, "poucos clientes e aproximando-se a hora do seu encerramento - 4 horas da madrugada -, o arguido [barman] começou a servir à [vítima] vários "shots" - pelo menos três -, de bebidas alcoólicas (...) dizendo que era oferta, sendo certo que a ofendida já havia consumido várias bebidas também alcoólicas."

"De onde vem a "sedução mútua"? Esta mulher tinha vomitado e estava na casa de banho mal disposta. Estava incapaz de resistir quando a violaram. Está a tentar-se que recaia na vítima uma parte da responsabilidade."
Pouco depois, já após as quatro da manhã, a amiga de Maria mostrou-se mal disposta, sentando-se num sofá na zona Vip, acompanhada por Paulo. Maria juntou-se-lhes, acompanhada por Marcos, e começou também a sentir-se nauseada, sendo levada por Marcos ao exterior do bar (supõe-se que para apanhar ar). Perto das cinco da manhã, como não se sentisse melhor, Maria foi levada por Marcos à casa de banho feminina e aí sentou-se no chão, junto à sanita, e vomitou. Paulo foi também à casa de banho nessa altura e "aí verificou sinais de embriaguez" em Maria.

12.9.18

Todos os dias, cinco crianças são vítimas de crimes sexuais em Portugal

in o Observador

Os dados revelados pela Polícia Judiciária indicam que, do total de 1.518 casos relacionados com crimes sexuais registados nos primeiros seis meses do ano, 885 foram com crianças e adolescentes.
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Lisboa, Porto e Aveiro são os distritos que registaram os valores mais elevados de crimes sexuais (268, 217 e 95 casos, respetivamente).

Nos primeiros seis meses do ano, cinco crianças foram vítimas de crimes sexuais diariamente e foi registada mais do que uma violação por cada 24 horas. Os dados são da Polícia Judiciária (PJ), que indica ainda que dos 1.518 casos relacionados com abuso e coação sexual, lenocínio, pornografia, prostituição ou violação, 885 envolveram crianças e adolescentes e a maior parte foi perpetrada por familiares ou alguém próximo, avança o Jornal de Notícias.

Lisboa, Porto e Aveiro são os distritos que registaram os valores mais elevados de crimes sexuais (268, 217 e 95 casos, respetivamente) e, refere a PJ, os números pouco diferem dos que foram registados no mesmo período em 2017.

Segundo Ana Vasconcelos, “estes crimes irão perturbar as vítimas [menores] ao nível da sua autoestima e autoconfiança. Também irão perturbar as suas futuras relações amorosas e a sua sexualidade”. A pedopsiquiatra forense acrescentou, em declarações ao JN, que “as memórias episódicas traumáticas” poderão causar “uma personalidade alterada” se as vítimas não forem acompanhadas e ajudadas em tempo útil.

Os dados indicam ainda que o número de vítimas confirmadas é menor do que os inquéritos abertos, mas é muito superior ao número de detidos. Este ano, foram detidos 123 suspeitos, 29 dos quais por violação. Dentro deste número, seis dos detidos tinham uma relação familiar com a vítima e sete conheciam quem violavam.

É mais fácil cometer esses abusos sobre quem está mais próximo e é por isso que isto acontece com professores, treinadores e também com os pais, irmãos, tios e avôs. É mais fácil o muro de silêncio ser levantado aí”, explicou ao JN Carlos Poiares, professor de psicologia forense.

Depois do abuso sexual de crianças (665 casos), a violação (231) e a importunação sexual (97) ocupam o pódio da lista dos crimes sexuais mais cometidos, seguindo-se os atos sexuais com adolescentes (83).

8.8.18

Afeganistão põe fim a exames de virgindade que levam mulheres à prisão

in o Observador

A nova política decretada pelo Ministério da Saúde afegão proíbe hospitais e clínicas de praticarem os exames que, até à data, sentenciavam centenas de jovens à prisão.

Uma nova política de saúde pública, apoiada por uma coligação afegã de líderes religiosos e ativistas e patrocinada pela organização Marie Stopes International, levou à aprovação pelo Ministério da Saúde de um decreto que exige a todos os hospitais e clínicas o fim dos testes de virgindade por questões de saúde.

Numa prisão da província de Balkh no Afeganistão, mais de 200 mulheres são confinadas em pequenas celas sem quaisquer condições sanitárias. O tempo das suas sentenças varia. Porém as condenações são muitas vezes as mesmas: são acusadas “crimes morais” por ter um resultado negativo nos testes de virgindade.

De acordo com um relatório de 2016 da Humans Rights Watch, de cerca de metade das mulheres presas no Afeganistão – e 95% das jovens em detenção juvenil – estão detidas por “crimes morais” como a prática de sexo antes do casamento.
Tem sido uma luta muito longa, mas nós vemos isso como um grande avanço porque a política de saúde pública no Afeganistão é forte e respeitada, tanto no governo quanto nas zonas controladas pelos Taliban, está acima da sharia e temos expectativas de que ela será respeitada e implementada todas as províncias ”, acredita Farhad Javid, o diretor da Marie Stopes International em declarações ao The Guardian.

Os testes de virgindade foram banidos em 2016, mas Javid afirma que a polícia continuou a deter mulheres suspeitas de terem feito sexo e a levá-las para os hospitais onde eram forçadas a fazer o teste.

A polícia acredita que entre os seus deveres está a prisão preventiva de raparigas que suspeitam ter tido relações sexuais fora do casamento. Tanto que o próprio presidente declarou publicamente que durante muito tempo as autoridades e pelas forças de segurança agiram de forma errada.

Para a organização, o próximo passo é fazer com que as mulheres presas sejam libertadas e exoneradas. No entanto, Javid afirma que “é muito difícil saber exatamente quantas mulheres estão presas por esse crime”.
“Também não temos ideia do número de mulheres e meninas que são mortas ou prejudicadas porque, depois do casamento, o marido ou a família dele decidem que ela não era virgem. Mas fazer com que os testes de virgindade banidos em instituições de saúde pública é um passo importante e começamos daqui. ”, concluiu.

18.9.17

António Guterres pede aos líderes mundiais que lutem contra crimes sexuais

in Diário de Notícias

O secretário-geral da ONU vai anunciar na segunda-feira uma proposta sobre prevenção e de combate aos crimes sexuais, cometidos por elementos das missões de manutenção de paz da organização.

António Guterres disse, na sexta-feira, aos jornalistas esperar que proposta seja assinada pelos 193 Estados-membros das Nações Unidas. O documento sublinha "os princípios partilhados" pela organizações e Estados-membros na realização de missões de paz, incluindo compromissos para impedir a exploração sexual, que mancharam as missões da ONU.

O português disse também estar a criar um "círculo de liderança" que vai incluir todos os chefes de Estado e de Governo empenhados a pôr fim à impunidade de alegados criminosos sexuais e no fortalecimento de medidas para impedir a exploração e abusos em destacamentos internacionais.

Os líderes que integram esse círculo vão ser conhecidos na segunda-feira. Um responsável da ONU, citado pela agência noticiosa Associated Press (AP), referiu serem meia centena de dirigentes mundiais.

Em março, António Guterres anunciou novas medidas para lutar contra os crescentes crimes sexuais perpetrados por membros das missões de paz da ONU, incluindo um reforço no acompanhamento e proteção das vítimas e proibição de álcool e confraternizações entre as "tropas".

Na altura, o secretário-geral da organização alertou que "não existe nenhuma varinha mágica que ponha fim ao problema", mas sublinhou: "Acredito que podemos melhorar muito a forma como as Nações Unidas lutam contra este flagelo".

A coordenadora especial para melhorar a resposta da ONU em casos de exploração sexual e abusos, Jane Holl Lute, disse que o secretário-geral acredita ser impossível que as Nações Unidas consigam cumprir missões de prevenção de conflitos e combate à pobreza se estiverem envolvidas em acusações de abusos sexuais.

De acordo com Lote, Guterres tem um programa quadripartido para colocar as vítimas "no centro", pôr fim à impunidade dos alegados criminosos, trabalhar com a sociedade civil e aumentar a educação e transparência, definido pela compreensão de que "este é um perigo constante para as mulheres em qualquer parte do mundo".

"De facto, não existe um lugar onde as mulheres estejam seguras", afirmou Lute. "Não há nenhum país, nenhuma força militar que seja imune a estes comportamentos. Este não é um problema exclusivo do pessoal uniformizado, nem das missões de manutenção de paz".

O encontro de segunda-feira vai estar focado na resposta aos abusos sexuais da ONU e da comunidade internacional, estando prevista a apresentação do primeiro defensor da ONU para as vítimas, nomeado por António Guterres, a advogada e defensora dos direitos humanos australiana Jane Connors, acrescentou Lute.

A responsável indicou que as denúncias de casos de abusos sexuais por elementos das missões da ONU podem aumentar este ano, porque cada vez mais pessoas sentem que "podem confiar e apresentar uma denúncia".

2.2.15

Em 2013 foram condenados 35 menores por crimes sexuais

Ana Cristina Pereira, in Público on-line

Investigador diz que 10% dos condenados por abusos sexuais de menores e 12% dos condenados por violações em 2013 tinham mais de 12 e menos de 18 anos.

Ricardo Barroso, professor auxiliar da Universidade de Trás-os-Montes, concluiu que 60% das violações cometidas tinham sido cometidas em grupo Daniel Rocha

Apesar de minoritária, é expressiva a percentagem de menores de 18 anos no universo das pessoas que respondem por crimes de natureza sexual. Múltiplos estudos feitos em diversos países apontam para 20% de menores entre protagonistas de agressões sexuais e Portugal não é excepção. Ricardo Barroso, professor auxiliar da Universidade de Trás-os-Montes, que fez doutoramento sobre as características e as especificidades dos jovens agressores sexuais, tem as contas feitas: 10% dos condenados por abusos sexuais de menores e 12% dos condenados por violações em 2013 tinham mais de 12 e menos de 18 anos.

O especialista em psicologia, debruçou-se sobre as estatísticas da Direcção Geral de Políticas de Justiça (DGPJ). Pegou nos condenados pelos tribunais judiciais de 1.ª instância com idades compreendidas 16 e 17 anos e juntou-lhes os maiores de 12 internados em centros educativos pelos crimes de violação e abuso sexual de menores.

A DGPJ indica 15 condenados de 16 e 17 anos em 2011, 19 em 2012, nove em 2013, sendo que os dados para este último ano são parciais. Quanto a internados em centros educativos, menciona 23 em 2011 e 18 em 2012. Ricardo Barroso tem notícia de mais rapazes internados: 28 em 2011, 35 em 2012 e 11 em 2013, “o ano com menor número de casos nos últimos 6 anos”.

Há uma explicação para aquela diferença: a estatística oficial é feita com base no crime principal, basta que os menores tenham tido comportamentos de maior gravidade para deixarem de contar como agressores sexuais. Ora, o investigador recorreu a fontes alternativas.

Somando todos os condenados por crimes sexuais com mais de 12 e menos de 18 anos, Ricardo Barroso contou 31 em 2009, 30 em 2010, 43 em 2011, 54 em 2012, 35 em 2013. E, para lá da prevalência, inquieta-se com os seus efeitos na vida das vítimas e dos agressores.

Haverá uma tendência para desvalorizar o abuso entre pares, para os encarar como brincadeiras. “Tenho conhecido casais que são amigos, frequentam as casas uns dos outros, têm miúdos que brincam juntos e um dia encontram-nos na casa de banho. É um embaraço enorme fazer queixa”, diz.

A fronteira nem sempre será fácil de traçar numa idade de tantas mudanças. Importa, porém, distinguir o experimentalismo, a brincadeira, da agressão, do abuso, salienta o investigador. Os actos sexuais abusivos são os praticados sem consentimento do outro, contra a sua vontade, de uma forma agressiva, manipuladora ou ameaçadora.

Divide os jovens agressores sexuais em dois tipos: violadores e abusadores de crianças. No estudo que fez, cerca de 60% das violações cometidas tinham sido cometidas em grupo. “É raro isso acontecer entre adultos”, comenta. “É a pressão do grupo de pares em contexto de comportamentos exploratórios."

As primeiras experiências sexuais podem criar padrões de interesse que se podem vir a revelar sistemáticos. Não é uma inevitabilidade, como se vê pela baixa taxa de reincidência. “Quando se fala de adolescentes, fala-se de padrões sexuais não definitivos, em desenvolvimento”, explica.

O país não tem um programa específico para jovens agressores sexuais, lamenta. Os tribunais, por vezes, optam por ordenar tratamento, mas os técnicos que acompanham as medidas afligem-se para encontrar resposta. A Universidade do Porto recebe alguns, a Universidade do Minho outros, exemplifica.

30.12.14

Crimes sexuais. Mais de 5.700 pediram ajuda à APAV em 13 anos

in RR

As mulheres são as principais vítimas desta forma de violência, que acontece sobretudo em casa e de forma continuada.

Mais de 5.700 vítimas de crimes sexuais, a maioria mulheres, recorrerem aos serviços da Associação Portuguesa de Apoio à Vítima (APAV) entre 2000 e 2012, segundo dados divulgados pela organização esta segunda-feira.

As "Estatísticas APAV Crimes sexuais 2000-2012" referem que, neste período, foram totalizados 5.710 casos, tendo o maior número de crimes ocorrido em contexto de "violência doméstica – violação e abuso sexual de crianças", com 3.473 casos (53,7%).

Analisando a evolução deste crime ao longo dos 13 anos, a associação afirma que "foi pautada por algumas oscilações e de forma irregular". "Houve um aumento significativo de 2000 para 2003, seguida de sucessivas baixas até 2010, tendo havido depois uma significativa subida até 2012", adianta.

O maior número de vítimas verificou-se em 2003, com 627 casos (11%), e o menor número em 2010 (327 casos).

Crimes em casa
Se os homens são os principais agressores, as mulheres são as principais vítimas, atingindo o valor máximo em 2003, com 548 vítimas. Em 17% dos casos, a vítima tinha entre os 26 e 35 anos, e em 14,7% das situações, entre 18 e 25 anos.

O tipo de família das vítimas mais representativo foi a nuclear, em 22,2% dos casos (de 2000 a 2004), e a família nuclear com filhos em 22,3% das situações (a partir 2005).

Relativamente ao nível de ensino das vítimas, a APAV adianta que se distribui "de forma equitativa entre o 1º ciclo e o ensino secundário". No entanto, o ensino secundário apresenta valores um pouco acima dos restantes, com 9,1% do total de casos registados.

Analisando as relações entre o autor do crime e a vítima, a associação verificou que, geralmente, são familiares.

A relação entre cônjuge e companheiro foi registada em 23,6% dos casos, seguindo-se a relação pai/mãe, em 10% dos casos, sendo a residência comum o local do crime mais assinalado (39,5%).

A APAV realça que "a vitimação continuada impôs-se em 63,4% dos casos, sendo as situações pontuais bastante mais baixas (21,7%)".