6.12.19

Pensão de alimentos: maioria de acórdãos deve-se a pais homens que não querem pagar ou querem pagar menos

Joana Gorjão Henriques, in Público on-line

Jurista coordenadora de projecto analisou 65 acórdãos dos Tribunais Superiores entre 2016 e 2019. São as mulheres quem mais inicia processos de incumprimento. O projecto não encontrou qualquer decisão judicial que envolva casais do mesmo sexo com crianças à sua guarda.

A maioria dos acórdãos dos tribunais sobre pensão de alimentos são por incumprimento dos pais homens, revela uma análise da jurista Joana Pinto Coelho. A jurista é coordenadora do projecto Girassol, que se propôs estudar e analisar jurisprudência sobre regulação das responsabilidades parentais em situações de violência doméstica. Parte das conclusões do estudo foram apresentadas na quinta-feira à tarde, no encontro organizado pela Associação Portuguesa de Mulheres Juristas, na Ordem dos Advogados, em Lisboa.
Da análise em matéria de alimentos a 65 acórdãos dos tribunais superiores concluiu-se que “os operadores judiciários continuam a não usar determinados mecanismos que a lei prevê a favor dos menores, desaplicam sistematicamente a convenção de Istambul e mantêm, através das suas decisões judiciais, estereótipos de género”, afirmou ao PÚBLICO a jurista.

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Foram analisadas decisões de tribunais superiores entre 2016 e 2019, que indicam as tendências doutrinárias e jurisprudência em determinadas matérias, explicou. Recorreu-se à base de dados do Ministério da Justiça, escolhendo a “pesquisa por temas”, seleccionando as palavras “responsabilidades parentais”, “regulação”, “incumprimento”, “residência alternada”, “guarda conjunta”, “violência”, “cuidado parental”, “alienação” “alimentos”, “convenção Haia”, “rapto”.

As responsabilidades parentais são sobretudo “definidas em processos de jurisdição voluntária”, ou seja, grande parte dos litígios nesta matéria não chega ao Supremo Tribunal de Justiça. O projecto não encontrou qualquer decisão judicial nos tribunais superiores que envolva casais do mesmo sexo com crianças à sua guarda.

Mães iniciam acções judiciais
São as mães que maioritariamente iniciam os processos de incumprimento de pagamento das pensões de alimentos. E são também as mães as principais requerentes dos processos judiciais que têm como objectivo a fixação de alimentos devidos a menores, confundindo-se em “muitos casos, com a regulação das responsabilidades parentais”, conclui a análise. Joana Pinto Coelho afirmou depois ao PÚBLICO que as pensões de alimentos continuam a ser manifestamente baixas, numa média de 100 euros mensais.

Já os homens são quem forma a maioria dos requerentes de processos que têm como objectivo alterar o regime de responsabilidades parentais para reduzir o valor das pensões de alimentos anteriormente fixadas. Pelo contrário, não foi encontrado um “único acórdão” em que uma mãe, obrigada ao pagamento da pensão de alimentos, quisesse baixar o seu valor.

Para a jurista há várias razões que levam os homens a recorrer ao tribunal superior para pagar uma pensão de alimentos mais baixa: “Degradação de condições económicas, mormente situações de desemprego ou de trabalho precário, inesperado”. Mas também resulta “de discursos de dominação e de formas sub-reptícias de atingir a independência das mulheres”.
alimentos

As consequências do não pagamento da pensão de alimentos aos filhos
Joana Pinto Coelho deixou uma crítica ao sistema judicial quando pede ao Tribunal da Relação o escrutínio de decisões em que os pais homens consideram que “não têm de assumir despesas de computadores, despesas de actividades extracurriculares, equipamento desportivo, óculos de sol, consultas médicas prévias a viagens ao estrangeiro que antecipadamente autorizaram”, entre outras.
Também em relação à pensão de alimentos a filhos maiores — a lei foi alterada em 2015 para que a pensão se mantivesse até aos 25 anos quando o filho está a estudar — há repetição de estereótipos de género, afirmou na comunicação. “Questiona-se, por um lado, a legitimidade activa, ou seja quem deve fazer o pedido? A mãe? Ou o filho ou filha? Continua a questionar-se, até ao Supremo, se a obrigação de pagamento cessa com a maioridade e a necessidade de se intentar nova acção”. E conclui: “Contas feitas, todos os acórdãos que analisamos sobre alimentos a filhos maiores resultam de acções intentadas contra ‘o pai’.”