Clara Barata, in Jornal Público
Os cientistas encarregues de avaliar as alterações climáticas apresentaram ontem a avaliação dos efeitos da subida da temperatura média do planeta
São as pessoas que vivem nas zonas mais pobres do mundo que mais vão sofrer com as alterações climáticas, conclui o relatório do Painel Internacional sobre as Alterações Climáticas sobre os impactes da subida da temperatura média do planeta. "Os mais pobres dos pobres serão os mais afectados", declarou Rajendra Pachauri, secretário deste comité de peritos reunidos sob a égide das Nações Unidas. O estudo foi apresentado ontem em Bruxelas, após uma maratona de negociações, durante toda a madrugada, em que alguns países forçaram a suavização dos termos do documento.
Estados Unidos, China e Arábia Saudita foram os países que mais torceram o nariz à redacção. Em causa estavam, sobretudo, o nível de fiabilidade dos dados dos cientistas e um gráfico que mostrava os efeitos das alterações climáticas sobre os seres vivos, à medida que a temperatura média do globo sobe.
O documento de 23 páginas para os decisores políticos, que resume as mais de 1500 páginas do relatório, foi discutido palavra a palavra. Por exemplo, as negociações emperraram na frase "há um nível de confiança muito alto que muitos sistemas naturais estão a ser afectados por mudanças climáticas regionais, em especial subidas de temperatura." A China discordou da palavra "muito", pondo em causa o que os cientistas diziam ser observações inquestionáveis, relata o jornal San Francisco Chronicle. Vários cientistas que trabalharam no estudo dizem não querer repetir a experiência, diz o USA Today.
O relatório sugere uma abordagem dupla para lutar contra as alterações climáticas: por um lado, os governos têm de pôr em prática medidas de adaptação ao aumento da temperatura global - que é já inevitável, pois o dióxido de carbono lançado para a atmosfera permanece lá durante um século. Isto pode incluir a construção de diques para proteger as zonas costeiras da subida do nível do mar, ou até uso de plantas geneticamente modificadas, para resistirem melhor à seca e ao calor.
Mas é preciso também pôr em prática mecanismos para travar as emissões de gases com efeito de estufa, para conter o aquecimento.
Este é o segundo relatório do IPCC publicado este ano. O primeiro, em Fevereiro, apresentava provas científicas de que o aquecimento global está a acontecer. Este, que será apresentado na reunião do grupo dos oito países mais industrializados (G8) em Junho, mostra quais os efeitos do aquecimento global. "É a primeira vez que usamos verdadeiras observações do clima da Terra, sem estarmos dependentes de modelos computadorizados", disse à revista New Scientist Martin Parry, do Met Office britânico.