Denisa Sousa, in Jornal de Notícias
Trocaram o conforto da sua casa pela dureza de um país destruído pela guerra. A segurança pela incerteza dos dias. Recém-casados, dizem a brincar que estão em lua-de-mel em Huambo, Angola. Pedro e Ana Silva, missionários da Fundação Bomfim, de Braga, estão em África para ajudar a comunidade da zona rural de Etunda, sobretudo os refugiados. O projecto, apoiado pelas Igrejas Baptistas, inclui a construção de uma escola primária.
Sem data de regresso, "um ano de cada vez", ainda estão a adaptar-se a um ritmo muito próprio, mais lento do que aquele a que estão acostumados. "Já nos disseram que, se tivermos 10 coisas numa lista para fazer, já podemos ficar felizes se conseguirmos fazer duas", diz Pedro Silva, engenheiro zootécnico, de 34 anos. Ana, educadora de infância, de 35, anui, sorrindo. Fala de crianças subvalorizadas, sem estímulo. De meninos que morrem com demasiada facilidade.
Por isso, aplicar o projecto da Fundação Bomfim, "Cesta para a Etunda", tem várias etapas e levará o seu tempo. Inicialmente estão a dinamizar a recuperação de um edifício pré-escolar, destinado a 36 crianças, para que estas possam ter uma preparação cognitiva, antes de irem para o primeiro ciclo. "Vai ser por grupos, porque o imóvel não tem espaço para todos. Ou seja, à medida que estão mais preparados vão passando para a primária, quando estiver construída", esclarece Ana.
Em Etunda, onde está uma das missões da Convenção Baptista de Angola, parceira nesta intervenção, há cerca de 200 refugiados de guerra. Quase todos vivem em palhotas, sem luz ou água, alimentando-se, sobretudo, de milho e fruta, dependendo das épocas. O engenheiro, que sublinha que a missão abrange toda a população local, está atento a esta vertente agrícola e de pecuária, já que se pretende que a nova escola possa abastecer, com recursos próprios, a cantina.
Os missionários tinham a intenção de viver em Etunda, mas, por questões de segurança, foram aconselhados a viver na cidade, em Huambo, a poucos quilómetros, onde partilham um apartamento com um casal de angolanos.
Água só fervida e com lixívia. "O banho é com uma caneca", dizem. A potência eléctrica é pouca, à custa de geradores, e Internet é quando calha. "É curioso ver como se vive das aparências. A guerra acabou, agora querem ganhar dinheiro. Poupam para ter um telemóvel de 1000 dólares, mesmo que em casa durmam no chão", conta o casal.
Algo que não encaixa com as graves carências com que a população convive. "As crianças correm descalças pelas ruas, com os esgotos ao lado, apanham doenças... morrem". A euforia pós-guerra gerou outro paradoxo. "Agora toda a gente quer estudar, mesmo que a taxa de abandono esteja nos 97%. Vimos turmas de 150 alunos", contam.