Paula Sá, in Diário de Notícias
A Comissão Europeia (CE) já avisou o Governo português de que poderá suspender os fundos comunitários que serão canalizados para Portugal caso não seja transposta para a legislação nacional uma série de directivas da UE, cujo prazo limite expirou em 31 de Janeiro de 2006.
As directivas em questão têm a ver com os contratos públicos, em especial os relativos à adjudicação dos contratos de empreitadas de obras públicas. Bruxelas notificou mesmo as autoridades portuguesas para o facto de já ter pedido a abertura de um processo de infracção junto do Tribunal de Justiça das Comunidades Europeias.
O deputado do PSD e ex-secretário de Estado do Ambiente José Eduardo Martins, num requerimento enviado hoje ao ministro do Ambiente, Nunes Correia, o interlocutor em Bruxelas no que toca aos fundos comunitários, interpela-o sobre os reflexos que esta infracção poderá ter na aplicação das verbas provenientes dos Fundos Estruturais e de Coesão e que apoiam ou apoiarão projectos de envergadura nacional, regional e local, casos do TGV e do novo aeroporto da Ota.
"Tendo as autoridades portuguesas levado a cabo uma auditoria de grande envergadura quanto a esta matéria, cujos contornos e resultados nunca foram suficientemente explicitados perante o Parlamento, como podemos evitar que a ausência da transposição das novas directivas e a correcção das deficiências não venham a determinar a suspensão ou a redução daqueles importantes fundos para Portugal, ou atrasar ainda mais a entrada em vigor do Quadro de Referência Estratégico Nacional (QREN)?" - questiona o deputado social-democrata.
O QREN (ver caixa), que o Governo "assume como grande desígnio estratégico na qualificação dos portugueses" e como sustentáculo da competitividade e da valorização do território, envolve 21,5 mil milhões de euros entre 2007-2013.
A Grécia, que também é visada nesta decisão da Comissão Europeia pelas mesmas razões que Portugal, já em 2005 viu os fundos comunitários suspensos durante seis meses por um processo do mesmo género do que foi agora iniciado junto do Tribunal de Justiça das Comunidades Europeias.
A CE menciona explicitamente que as lacunas dizem respeito aos contratos públicos relativos à adjudicação de contratos de empreitadas de obras públicas, dos contratos de públicos de fornecimento e dos contratos públicos de serviços. E ainda a coordenação dos processos de adjudicação de contratos nos sectores da água, da energia, dos transportes e dos serviços postais.
Obras sem concurso
Em 2005, a Comissão Europeia procedeu a uma auditoria em Portugal e detectou, entre outras coisas, várias irregularidades no Programa Operacional dos Transportes - que envolve obras como Metro do Porto, Via do Infante e Ponte Europa (Coimbra). Detectou sobretudo nestas grandes empreitadas públicas que apesar de a obra ter passado por um concurso público de adjudicação, era sujeita a novas subcontratações sem abertura de concurso público.
Este procedimento pouco ortodoxo no terreno das obras públicas explica em muito que os custos das mesmas disparem. Portugal pode ser mesmo obrigado a devolver parte das verbas investidas pela UE nalguns dos grandes projectos nacionais. Na prática, o que a Comissão diz é que o nosso País atropela ainda o funcionamento do mercado aberto, que se alicerça nos princípios da livre concorrência, igualdade de tratamento e transparência, plasmados no texto dos Tratados da União.
No requerimento, José Eduardo Martins lembra que o Governo anunciou a intenção de proceder à elaboração de um Código da Contratação Pública e constituir um grupo de trabalho para o efeito. Questiona ainda o ministro do Ambiente sobre a "auditoria de grande envergadura" quanto a esta matéria sujeita à apreciação da CE e levada a cabo pelas autoridades, sem que os resultados tenham sido conhecidos. O deputado quer ainda saber como é que o Governo se propõe a ultrapassar a inexistência no quadro jurídico nacional de uma cláusula que permita o decurso de um prazo razoável para eventual impugnação judicial de um concurso público pelos lesados.
O DN contactou o Ministério do Ambiente sobre a decisão da CE, mas até ao fecho da edição não nos foi dada qualquer resposta.