2.1.08

2007: agravaram-se a pobreza e as desigualdades sociais

José Casimiro, in Esquerda.Net

Portugal é o país da União Europeia onde a desigualdade entre ricos e pobres é maior.
Em Portugal, a pobreza continua a aumentar. Mais de 2,2 milhões de pobres, o que equivale a dizer que um em cada cinco portugueses vive em situação de pobreza. Este valor é significativamente superior ao da média europeia, 16%.

Segundo o Instituto Nacional de Estatística, um terço da população activa seria pobre se dependesse apenas dos rendimentos do trabalho. Ou seja, temos um número alarmante de trabalhadores pobres, que confirma que os baixos salários e a precariedade são também factores de pobreza.

O governo PS recusa encarar de frente o aumento da pobreza. Os idosos são dos mais atingidos, mas não são os únicos. Cerca de 32% da população activa está em risco de pobreza, o que significa que recebe 360 euros/mês ou menos.

Tudo está em falta: medidas estruturais, avaliação e redimensionamento do Rendimento Social de Inserção, políticas salariais, medidas preventivas para a exclusão social, redistribuição da riqueza produzida, e reduzir o fosso entre ricos e pobres.

Portugal é o país da União Europeia onde a desigualdade entre ricos e pobres é maior, os 20% da população com rendimentos mais elevados receberam 8,2 vezes mais rendimentos que os 20% da população com rendimentos mais baixos, quando a média na União Europeia (25 países) era de 4,9 vezes. Ou seja: em Portugal, a desigualdade neste campo fundamental era superior à média comunitária em 67,3%.

Mas "o sol brilha para alguns". Decorria mais de metade do ano, quando foi divulgado que os lucros dos cinco maiores grupos bancários em conjunto com a GALP, PT, EDP e SONAE somaram mais de 5,3 mil milhões de euros em 2006; a remuneração média de cada membro de conselho de administração das empresas cotadas na bolsa representa 31,5 mil euros/mês, muitos foram aumentados 60 vezes mais do que um trabalhador comum. As fortunas dos 100 mais ricos de Portugal aumentaram 35,8% em apenas um ano, atingindo o valor de 34 mil milhões de euros. O mais rico entre os ricos (Belmiro de Azevedo), em apenas um ano, praticamente duplicou a sua fortuna, passando de 1 779 milhões, para 2 989 milhões de euros.

Fica clara a profunda assimetria social, como também fica claro que a redução do défice para os 3% que José Sócrates vergonhosamente se vangloriou no seu discurso natalício, teve custos: a vergonha dos mais de dois milhões de pobres e o crescimento das desigualdades sociais.

Fraco crescimento económico

Mantém-se o fraco crescimento económico, em continua divergência com a U.E., enquanto o desemprego mantém-se num nível inaceitavelmente elevado, um dos mais elevados da Europa. O poder aquisitivo das pessoas continua em perda, segundo o Eurostat.

Os salários continuam a ser baixos. O SMN, mesmo fixado em 426 euros para 2008, continua na cauda da União. O acordo assinado há um ano pelo Governo e por todas as confederações sindicais e patronais, definiu uma evolução do salário mínimo que aponta para que este atinja 500 euros em 2011. Para tal, ficaram fixados os valores de 403 euros, para 2007, e de 450 euros para 2009.

Os dados divulgados pelo INE nas Estatísticas do Emprego relativas ao 2.º semestre de 2007 revelam que os salários médios mensais líquidos dos Trabalhadores por Conta de Outrem (TCO) são significativamente inferiores aos divulgados pelo Eurostat, por um lado, e, por outro lado, mostram que o salário médio mensal de 20% dos TCO, ou seja, de cerca 700 000 trabalhadores, era inferior a 58% do salário médio mensal de todos os trabalhadores. Os salários são reduzidos em Portugal quando os comparamos com os salários médios europeus, não só porque a taxa de crescimento da economia portuguesa tem sido significativamente inferior à taxa média de crescimento da União Europeia, mas também porque a percentagem da riqueza criada anualmente no País (PIB) que reverte para os trabalhadores, sobre a forma de remunerações, tem diminuído em Portugal.

Situação que tende a agravar-se com a imposição pelo Governo de um aumento de 2,1% na Administração Pública, quando já é claro que a inflação para 2008 vai ser superior ao anunciado. É assim que os índices de pobreza, nomeadamente a laboral, se vêm agravando. É assim com a saúde, com a educação / formação, podendo continuar-se a enumerar, quase até à exaustão, nas diversas políticas sociais, aspectos negativos de uma realidade económica, social e política dura para a maioria dos portugueses.

O ano de 2007 encerrar-se-á com um panorama nada animador no quadro de ameaças de agravamento dos problemas decorrentes da crise bancária, também conhecida como a «crise do subprime» que, a concretizar-se, poderão atingir duramente o país, dado o grau de endividamento das famílias e das empresas. Uma parte considerável das famílias sofre na pele as consequências da elevação das taxas de juros, enquanto as condições de acesso ao crédito tornaram-se mais restritivas.

O governo insistiu incorrectamente na ideia de que os sérios problemas do país têm a sua raiz num défice orçamental considerado elevado, quando as grandes questões, que continuam por resolver são, fundamentalmente: a vulnerabilidade do Estado, e a submissão do Governo aos interesses do poder económicos e do sector financeiro e especulativo; o baixo crescimento económico e a tendência para o agravamento do desemprego; o baixo nível de vida de uma parte significativa da população e o grau elevado das desigualdades sociais; a baixa produtividade da maioria das empresas e dos sectores de actividade, apesar do aumento do esforço dos trabalhadores; adesregulamentação do mercado de trabalho, em resultado da precariedade e do elevado não cumprimento das leis laborais; a falta de respostas acertadas no domínio da educação, incluindo o abandono escolar precoce; e o enfraquecimento das políticas sociais, do papel do Estado e da Administração Pública.

Trabalhar mais, durante mais anos e com pensões mais baixas

Nos primeiros meses foram publicadas leis, a Lei de Bases da Segurança Social, e uma que define e regulamenta os regimes de pensões que, a juntar a uma outra publicada no final de 2006 que criou o «Indexante social» determina que os trabalhadores portugueses terão de trabalhar mais, durante mais anos e usufruir de pensões mais baixas, medidas de enorme gravidade social quando se sabe que mais de dois milhões de pensionistas, entre os quase 2,7 milhões que recebem da segurança social, estão na pobreza.

A aceleração da entrada em vigor da formula de cálculo com base em toda a carreira contributiva determinará que todos aqueles que se devem reformar entre 2007 e 2017, mais de 600.000 reformados, sofrerão uma redução na sua pensão, perdendo mil milhões de euros.

Por outro lado, acresce que o governo, para além da redução nas pensões, pretende ainda acrescentar outra medida, o chamado "factor de sustentabilidade", até 2050, com a esperança de vida a aumentar cerca de 4 anos depois dos 65 anos.

A aplicação da nova legislação terá como consequências que o aumento médio das pensões da Segurança Social em 2008 será apenas de 9,99€ por mês, o que corresponde a um aumento médio diário de 33 cêntimos.

Centenas de milhares de pensionistas terão aumentos ainda menores: os 278.300 pensionistas que recebem a Pensão social e os da pensão do Regime Especial das Actividades Agrícolas vão ter um aumento que varia entre 4,86€ e 5,83 € por mês, o que dá por dia entre 16 cêntimos e 19 cêntimos.

Os 571.767 pensionistas com pensões médias de 239,9 € por mês, terão um aumento médio mensal de apenas 6,31 €, o que corresponde a aumento de 21 cêntimos por dia.

Haverá ainda que calcular o acréscimo na pensão para compensar o facto de a actualização da pensão ter lugar apenas em 1 de Janeiro de 2008, e não em 1 de Dezembro de 2007, como normalmente sucedia.

Os aumentos das pensões em 2008 serão muito baixos: o aumento médio variará entre 16 cêntimos e 1,67€ por dia. É a justiça social deste governo PS que também tem vindo a estender estas medidas ao regime de protecção social dos trabalhadores da Administração Pública, enquanto negava aos trabalhadores intermitentes das Artes e Espectáculos o acesso ao regime de protecção social.

Serviços Públicos colocados em causa

A acção deste governo tem vindo a pôr em causa a Escola pública, os professores mantêm a luta contra o Estatuto.

Na data da publicação do novo Estatuto da Carreira Docente (ECD), a 19 de Janeiro, a Fenprof proclamou-o como «o Dia Nacional de Luto dos Professores e Educadores Portugueses», quase 2200 docentes transbordaram as salas onde decorreu a primeira ronda de plenários promovida pelo Sindicato dos Professores da Região Centro (SPRC/CGTP-IN), repudiaram o ECD e manifestaram-se dispostos a prosseguir a luta pela sua revogação. Acções que se estenderam um pouco por todo o País.

Com as novas regras, o concurso passa a efectuar-se apenas de três em três anos e não anualmente, como até aqui, tornando impossível, durante o triénio, a reparação de falhas que sejam detectadas na colocação. No concurso do ano passado, a Fenprof constatou «um anormal e extraordinário conjunto de irregularidades e ilegalidades, em resultado do desaparecimento massivo de vagas e colocações».

A Plataforma de Sindicatos de Professores considerou que o novo ECD é «mais um passo no sentido da desfiguração da profissão, da desvalorização do acto de ensinar e da degradação da escola pública» e será «um instrumento de ataque aos docentes, que remeterá muitos milhares para o desemprego e para o regime de mobilidade especial, o quadro de supranumerários». A Plataforma apresentou uma queixa na Organização Internacional do Trabalho (OIT) contra o Governo português, por considerar que, nas negociações, foram desrespeitadas normas da Convenção n.º 151 da OIT.

O SNS em desmantelamento

Em matéria de saúde, as coisas vão de mal a pior. As más notícias sucedem-se. O anúncio de qualquer nova medida é recebido com cepticismo e receio. Dado por certo é já que não há decisão que não se destine a agravar as condições de acesso aos cuidados de saúde.

A destruição do Serviço Nacional de Saúde a que conduz esta política, toda ela orientada para satisfazer a voracidade dos interesses económicos, o governo PS está a degradar o SNS, a sacrificar ainda mais a generalidade dos portugueses e a favorecer os interesses dos grupos económicos e financeiros, nomeadamente através:

- Do encerramento de unidades e estabelecimentos de saúde, nomeadamente de centros de saúde, 33 SAP's ( e mais 25 se anunciam para 2008) e maternidades, urgências, consultas de especialidade, em simultâneo com a abertura de unidades de saúde privadas em muitas localidades;

- Da manutenção, aumento e criação de novas taxas moderadoras, designadamente as taxas de internamento e das cirurgias de ambulatório e pagamento de actos médicos prestados a doentes crónicos (até aqui isentos);

- Do aumento dos medicamentos para os utentes, com redução da comparticipação do Estado;

- Da sobrecarga das famílias portuguesas, que já suportam em média cerca de 33 por cento dos custos de saúde, contra 24 por cento da média europeia;

- Do aumento dos medicamentos para os utentes, com redução da comparticipação do Estado;

- Da sobrecarga das famílias portuguesas, que já suportam em média cerca de 33 por cento dos custos de saúde, contra 24 por cento da média europeia;

- Da ofensiva contra os direitos dos trabalhadores do SNS, promovendo a precariedade no emprego.

- Da privatização de sectores importantes do SNS;

Tem sido dito que a resposta para a nova rede de serviços de urgência está no transporte. Puro engano, como recentes acontecimentos vieram demonstrar. É que o INEM possui apenas 35 viaturas médicas de emergência e reanimação para todo o território, havendo distritos que têm apenas uma destas viaturas (Bragança, Beja, Viana do Castelo e Aveiro), chegando-se mesmo ao cúmulo de haver outros dois - Évora e Portalegre - que não têm nenhuma destas viaturas. Ou seja, para todo o Alentejo, existe apenas a viatura sediada em Beja.

Tem vindo a encarecer os serviços de saúde para os utentes, decorrente da entrega dos serviços públicos ao sector privado, aos municípios, misericórdias e a instituições particulares de segurança social.

Fecham maternidades, urgências, centros de saúde e de outras unidades permite que entidades privadas as substituam. Tratar-se de uma actuação do Governo, totalmente combinada com as instituições particulares.

Onde fecharam urgências ou atendimentos complementares ou podem vir a fechar, já se inauguraram ou vão inaugurar-se novas unidades privadas.

As instituições que beneficiam com os encerramentos ponderam aumentar as taxas moderadoras. Os reformados, as crianças até aos 12 anos e demais faixas que estavam isentas no SNS, passarão a ter de pagar, se tiverem de recorrer aos serviços particulares.

Outro motivo para a degradação da saúde dos portugueses é a substituição da prevenção pelo tratamento da doença.

As famílias já pagam 30 por cento dos custos totais com a saúde e, com estas medidas, vão ver essas despesas aumentadas, criando-se, para os demais carenciados, «prestações de cariz caritativo ou assistencialistas, como noutros tempos.

O ano de 2007 ficou marcado por inúmeras iniciativas de protesto, promovidas por movimento cívico em defesa do SNS e espontaneamente pelas populações locais afectadas pelos encerramentos ou pela degradação da prestação de cuidados de saúde que segundo o ministro só com fecho de unidades e diminuição de comparticipações já "poupou" 330 milhões de euros.

É uma luta que vai continuar junto e com as populações para a importância e necessidade de promover a defesa do Serviço Nacional de Saúde (SNS), como serviço essencial à melhoria da qualidade de vida e bem-estar de todos os cidadãos com melhor prestação de cuidados médicos e ambulatórios e dizer ao governo que os cidadãos não apoiam nem querem que seja continuada uma política que põe em causa os direitos dos utentes e dos trabalhadores da saúde, em proveito dos grandes grupos económicos.

Um marco civilizacional importante foi conquistado: a vitória inequívoca do Sim à despenalização do aborto

Onze de Fevereiro a vitória inequívoca do Sim à despenalização do aborto marcou definitivamente uma viragem na luta das mulheres e homens no nosso país. Movimentos de Cidadãos e Partidos Políticos empenharam-se nesta que foi uma vitória civilizacional, da modernidade contra o obscurantismo, da liberdade contra a tutela moral, que mudou definitivamente a forma como as mulheres encaradas na sociedade do ponto de vista cultural e social. Uma das consequências directas da vitória do Sim no referendo é o entendimento da maternidade como um direito e uma escolha. Concretizar esta ideia passa não só pela aplicação da lei do aborto, como pela indissociável garantia da protecção da função social da maternidade e paternidade, da implementação dos serviços de saúde e de uma adequada rede de consultas de planeamento familiar e da implementação da educação sexual nas escolas. É preciso continuar a lutar pelo cumprimento de direitos constitucionais que - no plano laboral, da protecção social, da habitação, da saúde e do ensino - assegurem-se as condições económicas e sociais que garantam o direito da mulher e do casal de decidirem sobre o momento e o planeamento do número de filhos que desejam e podem ter.