Henrique Raposo, in Expresso
O affaire Carlos Castro (o acto em si, e as reacções na Net) é a mediática ponta de um iceberg que nós continuamos a desprezar: Portugal não é um país de brandos costumes. 40 mulheres são assassinadas todos os anos. Brandos costumes, my ass.
I. Nós, os urbanóides com mania da sofisticação, sentimo-nos desconfortáveis com o "Correio da Manhã", porque aquele jornal mostra a violência-de-um-povo-que-era-supostamente-brando. O "Correio da Manhã" mostra, todos os dias, que o país dos brandos costumes é um mito. Na sociedade portuguesa, debaixo da capa do porreirismo, existe uma violência sempre pronta a explodir. É como diz Rentes de Carvalho em "Tempo Contado":
"Por um lado é real a serenidade idílica da nossa aldeia e dos montes que a rodeiam, mas ninguém negará a tremenda violência recalcada que um nada faz aflorar".
Se quiserem perceber o ódio que emergiu contra a figura do Carlos Castro, tentem ler o romance "A Amante Holandesa", outro livro de Rentes de Carvalho. Rentes faz aqui o estudo deste ADN português, dessa "raiva que assusta". O livro - atenção - não é sobre a homossexualidade. É sobre esta violência da sociedade portuguesa, uma violência que é visível na Internet, nas estradas, na forma como se abandona os velhos , e, sobretudo, na morte de 40 mulheres por ano às mãos da violência doméstica, esse belo eufemismo.
II. Como é evidente, existe um abismo entre a teoria dos brandos costumes e as 40 mulheres que são mortas todos os anos pelos próprios maridos e namorados. A violência do caso Carlos Castro é, digamos, mais mediática, mas valia a pena olhar para as 40 mulheres não mediáticas que morrem todos os anos às mãos dos maridos-que-têm-medo-de-serem-cornos. Porque a mentalidade nada branda que procura vitimizar o assassino-que-afinal-gosta-de-mulheres e que diaboliza a vítima-que-é-maricas é a mesma mentalidade que diz "ela estava mesmo a pedi-las" - para citar a Paula Cosme Pinto. De facto, muitos tugas pensam que uma mulher de minissaia estava mesmo a pedi-las. E, a este respeito, convém relembrar que o famoso caso de violação colectiva que serviu de base ao filme "Os Acusados" (ao lado) ocorreu na comunidade de emigrantes portugueses nos EUA.
III. Certa vez, uma amiga disse-me que a diferença entre um tuga e um tipo dos confins do Islão mais durinho não é uma diferença de natureza, é apenas de grau.