in Jornal Público
Daniel Bessa, director-geral da Cotec Controlar a despesa pública e executar com rigor o Orçamento, diminuir o endividamento, incrementar as exportações, ao mesmo tempo que se deve tentar combater o desemprego e as desigualdades.
Estas são as principais questões a resolver em 2011, um ano repleto de dificuldades, segundo as personalidades ouvidas pelo PÚBLICO.
António Mota, presidente da Mota-Engil
O maior dos desafios tem a ver com a necessidade de se repensar a Europa. É necessária uma Europa coesa, que defenda a sua moeda e que crie uma estabilidade económica e financeira que lhe permita fazer face aos desafios comerciais que as economias emergentes lançam. Que não permita a especulação financeira aos países mais vulneráveis, que, a agravar-se, trará problemas para todos os países, mesmo aqueles que pensam estar imunes. No entanto, é necessário que Portugal, por si só, dê passos significativos para poder exigir à União Europeia medidas nesse sentido e desde logo terá que concretizar, sem hesitações, as medidas aprovadas de redução de despesa pública. Mas é também necessário que as famílias aumentem o seu grau de poupança e passem a viver em limites compatíveis com a riqueza que produzem. Às empresas deverá ser exigida uma maior competitividade, não só na exportação, mas também, e muito principalmente, na substituição de importações. Será na conjugação de todos estes factores que estará o grande desafio da economia portuguesa, ou seja, conseguir reduzir os seus gastos sem, com isso, deixar aumentar o desemprego e as necessidades de apoio social.
António Nogueira Leite, economista
O maior desafio para a economia portuguesa neste ano que agora começa passa por cumprir escrupulosamente o Orçamento do Estado e concretizar com a máxima brevidade e profundidade as medidas de incremento de produtividade anunciadas de modo a cumprir a parte que nos toca na dificílima missão de assegurar o financiamento externo do Estado e da economia. Em boa verdade, Portugal precisa de fazer muito mais: precisa de incrementar no imediato a sua competitividade externa e garantir as condições de solvabilidade externa de forma sustentada, reformando a sério o Estado e a economia. Porém, garantir o cumprimento do anunciado seria uma novidade e um verdadeiro volte-face relativamente à deplorável execução orçamental de 2009 e de 2010. É por estas e outras razões que, mesmo mudando e passando a cumprir, podemos já não ir a tempo de resolvermos os nossos problemas através das políticas que os nossos eleitos elaboram e tentam concretizar. Temo mesmo que já tenhamos esgotado todo o capital de credibilidade que poderia restar após demonstrações tão exuberantes de incompetência.
António Saraiva, presidente da CIP
A economia nacional tem desequilíbrios estruturais muito acentuados que, para bem do futuro de todos os portugueses, terão de ser corrigidos. Neste sentido, 2011 irá ser um ano muito difícil para todos os agentes económicos, quer para as famílias (devido à perda de rendimento disponível e, consequentemente, de bem-estar), quer para as empresas (em virtude da diminuição da procura e do acréscimo de custos, como, por exemplo, da electricidade e do gás natural, o que se traduz em perda de competitividade), quer, ainda, para o Estado (uma vez que terá de racionalizar recursos e reduzir despesa em montante muito considerável). Assim, considero que o principal desafio irá ser o controlo efectivo da despesa pública. Este deverá ser o primeiro passo para que Portugal possa, desde logo, recuperar a credibilidade externa e volte, a prazo, a registar taxas de crescimento capazes de contrariar o flagelo do desemprego que, infelizmente, ainda deverá continuar a aumentar.
Daniel Bessa, director-geral da Cotec
Com ou sem FMI, Portugal passará, em 2011, por uma política económica interna muito recessiva. Imposta pelos credores, que perderam a paciência connosco (e não lhes faltam, para tal, as razões), sem cuidar agora de saber quem são os maiores responsáveis internos pelo ponto a que se chegou. Com o mercado interno a retrair-se, a economia portuguesa só poderá escapar a uma recessão se for capaz de aumentar consideravelmente as suas exportações. Só por essa via seremos capazes de, com um pouco de sorte, não agravar muito o desemprego nem deteriorar muito as condições de vida das famílias portuguesas. O desafio é precisamente esse: com um dos pés colocado pesadamente sobre o travão, como utilizar o outro para, com pequenos toques no acelerador, oferecer o estímulo possível ao crescimento económico. Sem desvalorização cambial, e com dificuldade em baixar os custos das empresas, resta o estímulo fiscal, nos limites que nos sejam consentidos tanto pela UE como pela OMC. Por mim, teria ensaiado uma dedução dos lucros reinvestidos à matéria colectável do IRC.
João Proença, secretário-geral da UGT
O desemprego atinge actualmente níveis nunca atingidos no nosso país, especialmente para alguns grupos como os jovens, sendo económica e socialmente insustentável. O combate ao desemprego é, para nós, o principal desafio para Portugal. Num contexto que é marcado por constrangimentos orçamentais, a política económica não pode, porém, continuar ausente das suas responsabilidades em termos de combate ao desemprego e a ter como objectivo único a redução do défice orçamental. A situação actual veio demonstrar o insucesso desse tipo de políticas económicas, face aos riscos e problemas associados - estagnação económica, aumento do desemprego, da pobreza e da exclusão e uma maior desigualdade na distribuição de rendimentos. Há muito que a UGT defende políticas económicas que tenham presente a prioridade ao crescimento, à competitividade e ao emprego. Estas passam nomeadamente por mais e melhores investimentos públicos e privados; pelo reforço e uma melhor focalização das políticas activas de emprego, respondendo mais eficientemente aos problemas das pessoas; e ainda pelo combate incessante à economia clandestina e à fraude e evasão fiscais e contributivas. O diálogo social tripartido é a base fundamental para a construção, implementação e acompanhamento destas políticas. A UGT bater-se-á ainda pela adopção de outras medidas, nomeadamente a nível das políticas activas de emprego e do combate à pobreza e à desigualdade na distribuição de rendimentos.
José Reis, professor catedrático da Faculdade de Economia de Coimbra
A economia portuguesa tem um desafio claro em 2011: assegurar que não proliferem na sociedade focos de desintegração, que a conflitualidade social não alastre, que a coesão nacional não seja posta em perigo e que não haja pessoas afastadas dos patamares de uma vida decente. Afinal, este é o verdadeiro desafio a que uma economia se deve sempre submeter: ser um sistema de provisão e uso de bens que dê bem-estar às pessoas e lhes amplie as qualificações e capacidades. O problema, bem se sabe, é que esta finalidade constante de uma economia está em sérios riscos, devido a uma crise que semeou insustentabilidade. Por isso, os desafios que se colocam são já desafios-limite. É esse o problema em 2011. Assim sendo, está também em causa saber se se acrescenta um desafio adicional à economia: o de rejeitar métodos falidos e mecanismos perversos. A questão é saber se é possível superar os desequilíbrios fatais que se criaram entre economia e sociedade, produção e especulação, capital e trabalho.
José da Silva Peneda, presidente do Conselho Económico e Social
As autoridades públicas e os agentes económicos terão de interiorizar que reequilíbrio das finanças públicas e crescimento económico não podem ser vistos como objectivos incompatíveis. Assim, o principal desafio será criar uma nova orientação na política económica, através da qual o dinheiro tem de estar ao serviço de quem cria riqueza e emprego. Esta nova orientação significa apoiar a produção de bens transaccionáveis e obriga a uma ruptura com a prática seguida nos últimos anos, que conduziu o país a um ritmo de desindustrialização que foi dos mais elevados do planeta. Por esta via será possível aumentar as exportações e diminuir as importações, aspecto decisivo com vista à correcção dos graves desequilíbrios da economia portuguesa. Esta desejável nova orientação da política económica teria de ser debatida com os parceiros sociais, para identificar instrumentos, medidas e acções que descriminariam de forma positiva a produção de bens transaccionáveis.
Medina Carreira, fiscalista
Primeiro, há um problema urgentíssimo que é o problema financeiro do país e que passa pela entrada do FMI que ponha as contas na ordem e faça Portugal "entrar nos eixos". Depois, há um problema económico nacional com consequências sociais a prazo e que passa, mais uma vez, pelo FMI. Seria necessário um aval do FMI que permita, com sossego, arrumar a casa durante quatro a seis anos. Para isso, era necessário um acordo de todos os partidos políticos, mas era preciso haver um método diferente de abordagem política que tem faltado desde 1985, quando Portugal optou por aderir à Europa e funcionar internacionalmente como uma economia aberta, em competitividade com o mundo, sem discutir ou pensar como. Portugal tem desacelerado década após década e era necessário pôr a economia a funcionar para as exportações. Como? Agilizando a sociedade, criando eficácia. Isso passa por arrumar a justiça (com quem trabalha nela). Desburocratizando a sociedade. Dando uma volta na educação. Criando um sistema fiscal estável e simples: o actual é uma vergonha. E tudo isto num pano de fundo em que a Europa está a recuar face à China e em que, a prazo, quando, por exemplo, se tiver de escolher entre pagar as pensões ou aos desempregados, haverá revoluções sociais.
Nuno Teles, economista
O grande desafio é o da viabilidade da própria economia portuguesa no actual contexto de austeridade. Face à contracção das despesas pública e privada, a recessão, o aumento do desemprego e a insustentabilidade financeira externa (do Estado e do sistema bancário nacional) são os resultados previsíveis. Só com políticas públicas promotoras do crescimento económico podemos ter um ano de 2011 que nos forneça pistas para a saída da crise. Para isso precisamos de um novo enquadramento europeu que nos liberte da actual ditadura dos mercados financeiros, com instrumentos de financiamento dos Estados em dificuldades e políticas de redistribuição europeias só possíveis com um orçamento europeu robusto. No quadro nacional, uma auditoria democrática à dívida pública que prepare o caminho para a sua reestruturação é imperativo. Só assim conseguiremos a folga orçamental para promover um novo modelo económico assente numa política industrial promotora dos bens transaccionáveis e na redução das desigualdades, principal bloqueio ao nosso desenvolvimento.
Paulo Trigo Pereira, economista
Com um consumo privado que diminuirá pelo efeito conjugado de salários reais em desaceleração ou mesmo redução (funcionários públicos), com uma despesa pública em contracção (quer de consumo público quer investimento), só há mesmo uma saída para minorar a recessão anunciada para 2011: aumentar as exportações em quantidade e qualidade. Há que alterar a tendência da primeira década do século XX em que Portugal foi dos poucos países europeus em que a estrutura sectorial das exportações, assente em bens e serviços com menor procura no comércio mundial, afectou negativamente essas exportações. Se a aposta essencial está nas exportações, não se deverá descurar uma alteração de padrões de consumo orientado para bens e serviços com maior efeito multiplicador na economia. Por exemplo, a redução significativa dos "custos de interesse económico geral" incluídos no preço da electricidade, previstos em 2500 milhões de euros para 2011, permitiria uma reorientação do padrão de consumo das famílias nesse sentido.
Vítor Bento, economista
O principal desafio é o de inverter - ou contribuir decisivamente para isso - o rumo de insustentabilidade financeira em que se encontra actualmente, não apenas ao nível do Estado, mas da economia como um todo. Para isso, precisa de actuar em dois vectores: i) contenção da despesa interna - despesa pública e consumo privado -, por forma a ajustar os consumos nacionais ao nível de rendimento que o país consegue gerar; ii) promoção da competitividade da economia, para que esta possa retomar a senda de crescimento sem a qual: a) aquela contenção terá que ser ainda maior; b) não será possível reduzir o desemprego (que continuará a crescer); e c) tornar-se-á mais difícil (senão impossível) inverter a situação de insustentabilidade. Se este desafio não for vencido, não creio que seja evitável, pelo menos, uma reestruturação de dívida.
com Raquel Martins, Luísa Pinto, Sérgio Aníbal e João Ramos de Almeida
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