Por Ana Rita Faria, Jornal Público
Confiança dos consumidores aproximou-se em Dezembro de recorde negativo histórico. Perspectivas para 2011 são piores do que no pico da recessão
As famílias portuguesas nunca entraram num novo ano com uma visão tão pessimista como em 2011. De acordo com os inquéritos de conjuntura conduzidos pelo Instituto Nacional de Estatística (INE), as perspectivas dos portugueses em relação à evolução da situação financeira do seu agregado e da situação económica do país nunca foram tão fracas como nos últimos meses de 2010.
A subida do desemprego e dos preços é encarada como inevitável e as compras de casa ou de carro estão fora de planos, numa altura em que as condições ao crédito apertam e as oportunidades de poupança são cada vez menores.
O indicador que mede a confiança dos consumidores, calculado pelo INE com base em inquéritos aos portugueses, esteve perto de bater o mínimo histórico em Dezembro, ao atingir os -50,2 pontos, o valor mais baixo desde Março de 2009 (onde chegou a um recorde de -51 pontos).
Este indicador apresentou um comportamento instável ao longo de 2010, registando alguma melhoria a meio do ano, que viria a ser interrompida em Setembro, depois de o Governo ter anunciado as medidas de austeridade do Orçamento do Estado (OE) para 2011.
Já os dados relativos ao clima económico, que mede a confiança dos empresários a partir de inquéritos a mais de 4000 empresas de vários sectores, mostra que não são só os consumidores que estão cada vez mais reticentes quanto à evolução da economia.
A confiança dos empresários intensificou a queda em Dezembro, atingindo um ponto negativo, o valor mais baixo desde Agosto de 2009. Tal como a confiança dos consumidores, o clima económico começou a cair partir de Setembro do ano passado, na sequência do pacote de austeridade anunciado pelo executivo para 2011.
Os sectores da construção e obras públicas e da indústria transformadora apresentaram as maiores quebras de confiança, com o primeiro a aproximar-se mesmo do mínimo histórico registado em Abril de 2003.
Sem margem para poupar
Do lado dos consumidores, o cenário parece ser ainda mais negro. Em Dezembro, quando questionados sobre os últimos 12 meses, os portugueses viam a situação económica do país e do seu agregado ao pior nível desde meados de 2009, altura em que o país estava efectivamente em recessão.
As oportunidades para comprar bens duradouros (casa, carro, mobília e electrodomésticos) ou para poupar eram cada vez menores e pressionaram negativamente a taxa de poupança, que, segundo a estimativa da Comissão Europeia, deverá ter recuado em 2010.
Mas as previsões para os próximos tempos afiguram-se ainda piores. De acordo com os inquéritos do INE, as perspectivas dos consumidores atingiram os valores mais baixos de sempre quer em relação à situação económica do país quer à situação financeira do próprio agregado familiar. Mais do que nunca, os portugueses estão convencidos de que os preços vão subir e de que a compra de bens terá de ser refreada durante este ano. Além disso, nunca viram tão poucas oportunidades para realizar poupanças e continuam a apostar na subida do desemprego.
A retracção vai traduzir-se, desde logo, nas compras de casas ao longo de 2011. Dados relativos a Outubro (os últimos disponíveis) mostram que os portugueses nunca estiveram tão pessimistas quanto à aquisição de habitações. No mercado automóvel, contenção mantém-se como palavra de ordem e só em 2009 havia perspectivas mais negativas.
A compra de carros deverá, assim, abrandar, depois de ter atingido em 2010 o maior volume dos últimos oito anos, estimulada pelo aumento dos preços a partir deste mês (decorrente da subida do IVA) e do fim dos incentivos ao abate de veículos antigos.
Apesar do recorde de vendas automóveis, o consumo privado apresentou já sinais negativos no final do ano passado, reflectindo a crescente falta de confiança na economia e as medidas de austeridade postas em marcha.
Os últimos dados do Banco de Portugal mostram que os consumidores cortaram nos seus gastos em Novembro pela primeira vez desde Agosto de 2009. Além disso, o consumo privado começou a crescer menos do que a actividade económica, fazendo com que esta fique ainda mais dependente das exportações.
Para este ano, o cenário que a maioria dos economistas e das organizações internacionais está a antecipar passa por uma forte quebra no consumo privado e no investimento, que empurrará a economia para uma nova recessão.
As medidas austeras do OE, como o aumento do IVA e os cortes salariais na função pública, vão obrigar as famílias a apertar os cintos, em nome da consolidação orçamental e da meta de colocar o défice nos 4,6 por cento do PIB.