por David Dinis/Paulo Tavares, in Diário de Notícias
Desilusão com o tímido papel do Presidente da República em Portugal, também com Cavaco Silva, António Barreto resolveu não apoiar ninguém nas presidenciais. Diz que é inevitável termos legislativas este ano. E pede aos portugueses que exijam, depois, uma maioria.
Nos contactos preliminares para marcar esta entrevista, fez questão de nos sublinhar que não apoia nenhum dos candidatos a estas presidenciais. Porquê?
Abandonei a política há muitos anos e se de repente apareço a apoiar algum candidato, corro o risco de dar os sinais errados. Por outro lado, tenho acarinhado muito a minha condição de independente. Sendo acessório, também o cargo que exerço na Fundação Francisco Soares dos Santos me obriga a alguma contenção. Mas também há motivos políticos, que passam pelo meu desapontamento radical com a função do Presidente da República em Portugal. Nós fomos muito especiais, ao tentar encontrar um sistema que não é nem água quente nem água fria, nem carne nem peixe. É uma coisa muito esquisita. Não é presidencialista, não é semipresidencialista, não é parlamentarista.
Tem razões históricas...
Que explicam, mas não justificam. Nós podemos ter um regime parlamentarista. Em teoria é a minha ambição última, em que o Presidente da República é, eventualmente, eleito indirectamente e produto de uma maioria. Evidentemente, o Presidente nessas circunstâncias não tem tanto poder político...
Era esse o caminho adequado para a função presidencial?
Do ponto de vista teórico era o meu desejo. É o estado mais acabado de uma democracia evoluída, sólida, consistente. É o Governo Presidencial, em que quem dirige é o Governo e em que o mais importante órgão de soberania é o Parlamento. Mas posso admitir que um sistema presidencial tenha, por tradição ou por necessidade... Por exemplo: hoje em dia, em tempos de crise económica e social tão forte, há muita gente que diz que se o Presidente da República tivesse mais poderes havia muito mais estabilidade, não haveria tanta demagogia.
Não acredita nisso?
Tenho dúvidas. É preciso que haja quem mande, diz-se - e nesse caso o Presidente da República não é o produto de uma maioria (parlamentar ou presidencial), mas o condutor dessa maioria. Isso seria um regime presidencialista. Mas nós conseguimos não ser uma coisa nem outra. Arranjámos este sistema que é uma coisa terrível. Nesta campanha passa-se metade do tempo a ouvir pessoas dizer que querem fazer o que não podem fazer; e a outra metade do tempo a ouvir pessoas dizer que não podem fazer o que gostariam. Isto é totalmente absurdo!
O esvaziamento do cargo é um produto do que fizeram dele os presidentes que tivemos ou do desenho do cargo?
As duas coisas. Os presidentes, todos eles, tentaram sempre exercer o seu cargo aquém das potencialidades constitucionais.
Isso ajudará a explicar a falta de atenção que se tem dado a estas eleições?
Acho que sim. Como é que você pode ser entusiasmado quando ouve dizer "isso não posso fazer"? Ou quando ouve um candidato dizer "eu gostava de desenvolver a economia, gostava de acabar com a pobreza", "Eu gostava de falar duro frente aos grandes chefes do mundo"? Isto não é um motivo de atracção para os cidadãos.
Do ponto de vista do País, estas eleições são pouco importantes?
Acho que tudo se vai passar no domínio do simbólico, qualquer que seja o Presidente eleito estou convencido que, não só por vontade sua mas também pelo funcionamento do Parlamento, estamos condenados a ter eleições nos meses seguintes ou até ao fim do ano - eventualmente esperar-se--á pela votação do Orçamento de 2012. Mas creio que é inevitável. O poder executivo actual está muito, muito desgastado. Quanto ao Presidente eleito vai querer começar de novo, mas vai sentir-se preso, limitado.
No discurso do 10 de Junho de 2009, antes das legislativas, deixou uma série de avisos ao poder político. Desde aí, o País caiu num pântano?
Acho que sim, e não sou o único a dizê-lo. Se as autoridades políticas portuguesas há um ano tivessem tomado algumas medidas importantes, preventivas da crise, hoje não teríamos metade dos problemas que temos. Se Portugal tivesse feito o que devia, ou mesmo se tivesse pedido, há dois anos, apoio à União Europeia ou ao FMI... eu não percebo esta verdadeira obsessão contra o FMI.
O FMI é Deus ou o Diabo? Ajudar-nos-á ou levará o País para um problema maior?
Para um problema maior não leva de certeza. É bom dizer que nós pertencemos ao FMI. Tem-se a impressão de que o FMI é uma entidade exterior, tipo KGB ou Gestapo, que vem aí dar cabo de tudo. O FMI também tem interesse que daqui a cinco anos possa reaver os empréstimos feitos.
Tendo de recorrer ao FMI, a questão é se o Governo tem a força e legitimidade para aplicar essas receitas.
Sem maioria parlamentar é muito difícil. A não ser que haja um acordo formal interpartidário.
Acredita ainda nessa hipótese?
Agora já não. Tive esperança há dois anos, mas foi uma verdadeira palhaçada - o PS e os outros partidos queriam tudo menos isso. O Presidente da República ajudou a que o Governo fosse de minoria. Tudo foi feito para agravar a situação.
Acha que Cavaco Silva podia ter feito diferente, nesses dias?
Acho que sim. Podia ter dito previamente que era isso que queria, pôr os partidos perante as suas responsabilidades. Acho que eventualmente o fez fechado no seu gabinete, mas isso não é a melhor forma de o fazer.
O Parlamento português corre o risco de ficar reduzido a um exercício de soberania encenada nos próximos anos, face à União Europeia?
Acho que já está, em grande parte. (...) Mas estou convencido de que daqui a cinco ou dez anos acontecerá o desmantelar de algumas estruturas excessivamente federais europeias. Está-se a verificar, sem que as pessoas o queiram assumir, que se foi longe demais - na destruição das soberanias, na destruição da diversidade europeia. E criou-se uma ficção.
E o euro? Resistirá?
Grande dúvida.
Não está convencido disso?
Não. Eu gostava que resistisse. Contra mim falo, nunca fui federalista, mas desde o princípio aderi ao euro. A minha esperança era que a disciplina do euro (mais os alemães) iria diminuir a tendência fatal para a demagogia dos governos, iríamos ter uma reduzidíssima inflação, deixaríamos de brincar às desvalorizações. Simples-mente, é verdade que reduzimos a inflação, que não tivemos desvalorização, mas tivemos ainda mais demagogia.
Daqui por um ano, o que imagina que o País esteja a discutir?
Ou as eleições parlamentares ou a posse de um novo Governo, que eu espero que seja maioritário. De um só partido ou de um grupo de partidos. Era bom que nas próximas eleições a população desse um recado aos dirigentes partidários, e dissesse que eles têm de fazer o gesto responsável de encontrar um Governo maioritário. E se esse Governo maioritário não sair das eleições, que façam as coligações ou as alianças necessárias. Os partidos exigem dos portugueses contenção, sacrifícios, responsabilidade, mas são incapazes de fazer a mesma coisa.