9.1.15

Terroristas provocam o ódio contra os muçulmanos deliberadamente

Por Joana Azevedo Viana, in iOnline

Radicais alimentam a discriminação para facilitar recrutamento de franceses, dizem analistas

Miguel Monjardino, especialista em assuntos internacionais, dá menos crédito à tese da vingança como motivo por trás do atentado ao jornal satírico "Charlie Hebdo", inclinando-se para a hipótese de o ataque de quarta--feira ter sido a execução de um plano para alimentar a desconfiança entre os franceses e o ódio face à comunidade muçulmana. Para Monjardino, faz menos sentido pensar que os cartoons tenham ofendido dois ou três militantes islâmicos que responderam tirando a vida aos jornalistas, mas antes que estes podem ter-se servido do "Charlie Hebdo" para um atentado que tem "semelhanças com o que foi feito pela Al-Qaeda no Iraque", ou seja, "ataques altamente provocatórios com vista a provocar a desintegração da sociedade".

A vingança tomou de imediato o foco ao terem sido os próprios suspeitos do ataque, os irmãos Kouachi, a assegurarem--se disso ao gritarem no momento da fuga: "Vingámos o profeta Maomé! Matámos o 'Charlie Hebdo'!" Mas alguns analistas têm assinalado que o problema que enfrenta um grupo como a Al-Qaeda na Europa, que é a sua base de recrutamento, é que os muçulmanos, na sua larga maioria, rejeitam o terrorismo. A maioria dos muçulmanos nem sequer mostra grande interesse pela política, e menos ainda pelo islão enquanto política.

A França é um país de 66 milhões, dos quais cinco milhões são de origem muçulmana. Segundo as sondagens, apenas um terço desta comunidade tem interesse por religião. Os dados indicam que os muçulmanos franceses são a comunidade muçulmana mais próxima de um sentido secular da sociedade. Muitos destes imigrantes chegaram a França no período do pós-guerra, buscando trabalho, e apenas uma minoria era letrada. Os seus netos têm uma perspectiva distanciada do fundamentalismo que grassa no Médio Oriente, sendo antes orientados por uma cultura cosmopolita e urbana.

Em Paris, onde reside uma população muçulmana que tende a ter um nível de instrução mais elevado e que é mais religiosa, a larga maioria não só rejeita a violência como declara a sua lealdade à pátria francesa. O objectivo de grupos inspirados na Al-Qaeda passa, por isso, por "colonizar mentalmente" os muçulmanos franceses, diz o especialista em questões do Médio Oriente Juan Cole, num artigo de opinião que assinou ontem no site Informed Comment. Monjardino explica que, perante a indiferença desta população, a estratégia dos terroristas terá de passar por criar um ambiente de "desconfiança e discriminação", extremando as posições para gerar um ambiente de "guerra civil psicológica".