27.7.23

Ensino Superior: próximo ano letivo contará com mais 1000 camas em residências para estudantes

Joana Pereira Bastos Jornalista e Isabel Leiria Jornalista, in Expresso

Em entrevista ao Expresso na semana em que arrancaram as candidaturas a universidades e politécnicos, o secretário de Estado do Ensino Superior diz que abrirão nove novas residências até dezembro, ainda que o maior efeito do Plano Nacional de Alojamento só venha a ser sentido em 2025. Com o aumento dos critérios de elegibilidade para atribuição de bolsas, já no próximo ano letivo haverá, pelo menos, mais cinco mil estudantes apoiados. E há boas notícias para quem sonha entrar em Medicina: Pedro Teixeira garante que as vagas vão aumentar em “várias dezenas”


Em Portugal existem cerca de 4250 cursos superiores, entre licenciaturas, mestrados e doutoramentos, enquanto que em Espanha, que é quatro vezes maior, há apenas três mil. Há excesso de cursos em Portugal?


Relativamente às licenciaturas e mestrados integrados, o Governo tem procurado fazer alguma regulação no sentido de evitar um crescimento desajustado da oferta e de manter um equilíbrio territorial, com alguma discriminação positiva das instituições localizadas nas regiões de baixa pressão demográfica e também de áreas que entendemos serem prioritárias para o país, como as competências digitais, a formação de professores ou o caso da Medicina e de outros cursos de excelência, com notas de entrada muito altas. Já ao nível dos mestrados e doutoramentos, a principal preocupação que devemos ter é saber se os cursos têm qualidade do ponto de vista científico, pedagógico, do corpo docente e dos recursos. Se tiverem procura, e estando garantida a qualidade através da Agência de Avaliação e Acreditação do Ensino Superior (A3ES), é uma decisão que cabe às próprias instituições. Ainda assim, está previsto que, além da avaliação dos cursos, a A3ES faça também uma avaliação de cada instituição e da sua estratégia em termos de oferta; nesse âmbito, estou em crer que vai surgir uma reflexão sobre se a oferta, nomeadamente de mestrados e doutoramentos, está ajustada à capacidade da própria instituição, às necessidades do mercado de trabalho e à procura, evitando que haja muitos cursos com um número muito baixo de inscritos.



Mas parece-lhe que o número é excessivo, ou não?

Muitas vezes há a perceção que é o Governo que decide quais são os cursos que abrem e não é. Há uma agência de avaliação e acreditação independente, que tem tido um impacto muito grande, permitindo que o sistema esteja muito melhor do que estava há 15 anos. Graças ao seu trabalho, hoje em dia a discussão já não é se os cursos têm ou não têm um mínimo de qualidade. Neste momento, a questão é subir o patamar de exigência e procurar que a oferta formativa, no seu conjunto, esteja ajustada à capacidade das instituições e às necessidades do país.

No caso de Medicina, o Ministério tem incentivado nos últimos anos o aumento de vagas e até a abertura de novos cursos. Mas sabe-se agora que as propostas das universidades de Aveiro e de Trás-os-Montes e Alto Douro para a criação de cursos de Medicina foram chumbadas pela A3ES. Ficou surpreendido com esta decisão, sobretudo sabendo que a Agência deu luz verde à criação do curso de Medicina na universidade privada de Fernando Pessoa, que porventura tem muito menos condições?
A existência de uma agência independente significa, precisamente, que não cabe ao Governo estar a opinar sobre se o curso deve ou não abrir ou se deve ou não fechar. Acho que temos de ser parcos nas nossas opiniões relativamente a esta matéria, porque, em última instância, podemos estar a condicionar uma avaliação que queremos que seja transparente e independente. De qualquer forma, o processo ainda está a decorrer. O relatório preliminar foi enviado às instituições e estas têm agora um tempo para se pronunciar, para contestar ou tentar clarificar alguns aspetos que possam não ter sido bem compreendidos pela comissão de avaliação, a quem depois competirá olhar para essa pronúncia e decidir se mantém ou não o julgamento que fez. É preciso aguardar e respeitar esse tempo.

E no que diz respeito ao aumento de vagas em Medicina?

No âmbito da revisão do sistema de acesso, fizemos, a esse nível, uma alteração importante: as vagas que não forem preenchidas no concurso especial de ingresso em Medicina destinado a licenciados vão passar a reverter para o concurso geral, o que vai traduzir-se num aumento significativo de lugares. O que acontecia antes é que muitas destas vagas especiais, que correspondem a 15% das vagas que são colocadas no concurso geral de acesso, acabavam por não ser preenchidas e ficavam perdidas. Com esta alteração, é razoável esperar que teremos várias dezenas de vagas a acrescentar às que existem neste momento. É muito difícil estimar ao certo quantas serão porque o processo está a decorrer em cada uma das escolas médicas. Mas no geral estamos a falar de mais de 200 vagas colocadas nesta via. Parece-nos que é uma alteração que pode ter algum impacto.

Outra mudança introduzida no regime de acesso ao ensino superior altera o papel e o peso dos exames nacionais. Uma das críticas que foram feitas, incluindo pelo Presidente da República, tem a ver com o fim da obrigatoriedade de realizar exames para a conclusão das disciplinas nucleares de cada curso do secundário. Por exemplo, Matemática deixa de ser exame obrigatório para a conclusão do secundário por parte dos alunos de Ciências e Tecnologia ou de Ciências Socioeconómicas. O que justifica esta alteração?

Essa é uma questão que é decidida pelo Ministério da Educação. Os exames nacionais têm uma dupla natureza: servem para certificar a conclusão do secundário e também como ingresso no ensino superior. Houve muito diálogo [entre os dois Ministérios] e tudo isso foi analisado em conjunto. A parte que compete ao Ministério do Ensino Superior é a definição das condições de ingresso e, a esse nível, o diploma que foi aprovado em Conselho de Ministros, e que agora está para análise do Presidente da República, aumenta o número mínimo de provas de uma para duas. Por um lado, porque é importante que a nota de cada estudante não esteja tão dependente de um único exame e, por outro, por uma questão de diversificação de conhecimentos e de competências, em linha com o que se está a fazer no ensino secundário. Os alunos vão ser obrigados a fazer exame de Português, independentemente de irem para [cursos de] Humanidades ou Ciências, e vão ter que fazer dois exames à sua escolha. Nós valorizamos o papel dos exames, porque estes são um elemento comparativo comum. É por isso que, na proposta que está em análise para promulgação, aumentamos o seu peso.

Com essa alteração, os exames vão passar a ter um peso mínimo de 45% na nota de candidatura ao ensino superior quando antes podiam contar 35%. E serão sempre exigidas duas provas. Os politécnicos alertaram que o número de colocados poderá diminuir com esta mudança, devido ao aumento da exigência. Acha que há esse risco?

Não nos parece. Já tivemos alterações bastante mais profundas, por exemplo quando foram criados os exames nacionais nos anos 1990 ou quando foi introduzida a nota mínima de ingresso [no ensino superior] em 2005, e o efeito dessas mudanças muito conjuntural. Passado pouco tempo, o sistema já estava com um nível de candidatos e de colocados superior que ao se registava antes dessas alterações. Ou seja, o próprio sistema tem-se adaptado a níveis de maior exigência e, portanto, estamos convencidos que, a existir, o efeito será absolutamente residual.

O prémio salarial associado à licenciatura tem vindo a diminuir ao longo dos anos e há milhares de jovens diplomados a ganhar salários que não ascendem a mil euros brutos, sabendo que com esse dinheiro nunca conseguirão ser independentes. Isso não pode desincentivar os alunos de seguir para o ensino superior?

Vejo com muita preocupação a forma como muitas vezes é lida essa ideia, porque há o risco de se achar que os jovens vão ficar numa situação melhor com menos formação quando nada nas estatísticas nos diz isso. Pelo contrário. Os dados dizem-nos que quem tem mais formação fica melhor. Há, de facto, uma aproximação do nível salarial dos licenciados face aos que apenas têm ensino secundário, mas esse é o padrão dos países desenvolvidos. Nós tivemos um grande aumento de diplomados e, portanto, o efeito da escassez relativa alterou-se, já que hoje em dia mais de metade dos jovens entram no ensino superior. É um processo pelo qual já passaram todos os países mais desenvolvidos e onde essa diferença salarial é menor do que em Portugal. E depois há um lado que também começámos a observar, mas que demora mais tempo, e que tem a ver com a mudança na estrutura do emprego e da economia portuguesa. Os dados que o Banco de Portugal tem divulgado mostram que há mais empregos qualificados a serem criados. E só conseguiremos corresponder às expectativas de muitos destes jovens se continuarmos este processo. Mas a prova que a nossa formação superior tem qualidade e é uma vantagem é a facilidade com que muitos dos nossos diplomados conseguem encontrar alternativas lá fora, na sua área e bem remunerados.

Muitos jovens da geração mais qualificada de sempre acabam, de facto, por emigrar porque encontram lá fora condições salariais muito melhores. Ao não conseguirmos reter estes jovens, o investimento que o país fez na sua formação não acaba por se perder?

Encaro com naturalidade o facto de um jovem diplomado querer fazer a experiência de viver algum tempo fora, porque isso é um exercício de valorização pessoal e que acontece, aliás, em muitos países desenvolvidos, já que o mercado de trabalho, nomeadamente no espaço europeu, é cada vez mais integrado. O que nos deve preocupar é, em primeiro lugar, garantir que eles não saem por falta de alternativas aqui e isso passa por acelerar a transformação da nossa economia, que está em curso; e, em segundo lugar, [assegurar] que têm oportunidades e condições cá quando quiserem regressar. Mas se olharmos para os dados dos fluxos migratórios, temos menos gente a sair neste momento do que tínhamos há uma década. E o perfil dos que saem não corresponde necessariamente à perceção pública, já que o peso dos diplomados é bastante menor do que muitas vezes se diz. E, por outro lado, nós também estamos a atrair mão-de-obra qualificada, o que é algo relativamente novo. Portanto, aquilo que, no fundo, estamos provavelmente a assistir é a uma mudança de padrão, em que nós éramos, sobretudo, um país de emigração e passamos a ser um país de imigração.

Uma parte muito significativa dos jovens que não vão para o ensino superior invoca dificuldades financeiras. No caso dos estudantes que têm de se deslocar, um dos principais problemas é a falta de camas em residências. Quantas vão abrir no próximo ano letivo?

As condições socioeconómicas são, obviamente, uma preocupação e por isso é que no próximo ano letivo vamos ter vários milhares de novos bolseiros, graças ao aumento do limiar de elegibilidade [para atribuição de bolsas], que passa de €9434 para €11050, o que é um salto grande. Uma estimativa relativamente prudente aponta para mais cinco mil bolseiros em relação ao número que tivemos este ano, mas eu não ficaria surpreendido se aumentássemos em 7000/8000 o número de bolseiros. E há também uma preocupação para que haja mais rapidez na atribuição desses apoios; por isso, este ano, pela primeira vez, os estudantes, quando se candidatarem ao concurso nacional de acesso ao ensino superior, também vão poder candidatar-se logo à bolsa e vão saber se a recebem na mesma altura em que sabem se ficam colocados, em que curso e em que instituição. Isso é muito importante porque eles precisam dos apoios logo no início do ano letivo e não passados meses. Quanto ao alojamento, e para acompanhar o crescimento dos custos [com a habitação], este ano voltámos a aumentar o complemento de alojamento, que já tinha sido aumentado duas vezes. Além disso, a nossa expectativa é ter mais nove residências até ao final deste ano, a maioria das quais já no início do ano letivo, o que representa mais mil camas, às quais vamos acrescentar mais 1100 no ano letivo 2024/25. É aí que se sentirá o grande efeito do plano nacional de alojamento.

É suposto a discussão de verbas a transferir para as instituições de ensino superior para o próximo ano já obedecer a uma nova fórmula de financiamento, mais ajustada. Mas pouco ou nada se sabe do que vai mudar. O que pode adiantar?O nosso objetivo era que o orçamento de 2024 já fosse feito com base na nova fórmula e no novo modelo. Já fizemos várias reuniões com as instituições de ensino superior para discutir os princípios. Já lhes apresentámos uma proposta de modelo, estamos a aguardar os contributos e esperamos na próxima semana ter esse processo consolidado.