8.4.07

"A Declaração de Berlim foi o discurso de Merkel"

Teresa de Sousa, in Jornal Público

Em Lisboa para contactos antes da presidência portuguesa da UE, falou sobretudo sobre as dificuldades que se colocam à Europa


Já foi primeiro-ministro da Suécia entre 1991 e 1994, responsável pela assinatura do Tratado de Adesão à União Europeia. Regressou agora como chefe da diplomacia de um Governo de centro-direita eleito em Setembro e liderado pelo Partido Moderado, numa daquelas raras vezes em que a social-democracia não está no poder. Entretanto, foi o enviado especial da ONU para os Balcãs e pertenceu às administrações de grandes multinacionais.

PÚBLICO - Como é que vê a pressão que a chanceler Angela Merkel está a pôr sobre os governos europeus para resolver de vez a questão do tratado constitucional?

CARL BILDT - Creio que essa pressão vem sobretudo dos próprios acontecimentos. Verificamos que os tratados actuais já não respondem às exigências da realidade e que, para conduzir as políticas responsáveis de que necessitamos, são precisas mudanças. Sobretudo no domínio da política externa e de segurança. Vamos ver como é que Angela Merkel consegue levar as coisas para frente.

A Suécia ainda não ratificou o tratado. É um país relativamente eurocéptico. Quais são as expectativas quanto a uma solução?

Não diria isso. Temos uma atitude aberta, mas temos também de olhar para as realidades políticas da Europa e ver o que é exequível. Temos de conseguir uma solução que possa estar pronta antes das próximas eleições para o Parlamento Europeu, em 2009, e que responda às exigências imediatas de política externa e segurança. Provavelmente, não conseguiremos um resultado igual ao da Constituição. O que temos de fazer é aproveitar partes e preparar um tratado mais limitado, incluindo as reformas institucionais.

Merkel quer um tratado suficientemente limitado para poder ser aprovado sem recurso a referendo em alguns países. O que vai acontecer na Suécia?

Se tivéssemos avançado para a ratificação da Constituição, não o teríamos feito em referendo. Há um amplo acordo entre todos os grandes partidos para ratificar em procedimentos parlamentares. Não haverá referendo na Suécia. Mas o nosso objectivo não deve ser um tratado para evitar os referendos, deve ser um que nos permita realizar o que precisamos.

Como olha para a Declaração de Berlim, criticada por ser pobre e pouco ambiciosa?
Se apenas a tivesse lido em inglês, talvez ficasse pouco satisfeito. Mas, lida em alemão, soava muito melhor: tinha mais corpo e mais significado. As nossas línguas fazem com que as coisas às vezes pareçam diferentes. Mas Berlim não será lembrado pela Declaração mas pelo discurso de Angela Merkel. Foi muito bom, foi a verdadeira Declaração de Berlim.

O tratado não é o único problema da União. Há uma crise devida a divergências sobre coisas fundamentais: da globalização ao alargamento. Como é que se avança?

A Europa viveu sempre um intenso debate sobre os desafios de um mundo em permanente mudança. Não diria que há uma crise profunda, diria desafios profundos.
Mas há diferentes visões sobre a globalização ou sobre o alargamento que dificultam um consenso estratégico.

Isso é um problema, de facto. Há nalguns países uma tendência demasiado defensiva em relação à globalização. Não partilho desse ponto de vista. Basta olhar para a História da Europa e ver quando é que ela teve maior sucesso: quando se abre ao mundo, quando consegue competir à escala mundial e espalhar as suas ideias. Parte da resposta ao desafio da globalização está, pois, em olhar para a nossa história e tirar as conclusões.

E quanto ao alargamento?

De novo, olhemos para trás antes de olhar para a frente. A Europa ficou mais fraca porque Portugal e Espanha se tornaram membros? Ou porque a Suécia aderiu?

Mas o argumento é que alargou demais e demasiado depressa.

Quem usa esse argumento agora, também o usou antes. Mas, em retrospectiva, cada alargamento tornou a Europa mais forte. Na semana passada, na reunião dos ministros dos Negócios Estrangeiros, toda a gente se declarou impressionada com o que o mundo espera de nós. Convidámos os países candidatos [Croácia, Turquia e Macedónia] para a sessão final e posso garantir-lhe que ter a Turquia à mesa faz diferença. Percebe-se como o peso estratégico da UE aumentaria se a Turquia estivesse à mesa. O que não quer dizer que a sua adesão seja fácil.

Um dos temas da reunião foi o Kosovo, de que é um perito. Como é que se deve lidar com a independência do Kosovo?

Cautelosamente. Estamos a avançar nessa direcção, mas não devemos acreditar que essa será a solução para todos os problemas. É apenas a transição de um conjunto de problemas para outro conjunto e vai levar muito tempo até que o Kosovo possa ser um Estado independente. Não tem a estrutura e a força para ser um verdadeiro Estado e isso vai requerer um forte papel internacional.

Mas o objectivo tem de ser a independência?

É a única opção sobre a mesa. É problemática, no sentido em que dividir mapas nunca é uma coisa muito boa: cada nova divisão cria novos problemas. Mas também devemos estar conscientes de que vamos iniciar uma fase que implica uma responsabilidade europeia prolongada pela construção do Kosovo, apenas uma pequena peça do processo dos Balcãs. Isso torna ainda mais necessária a perspectiva do alargamento da UE aos Balcãs. Com a Sérvia em primeiro, enquanto principal actor.

A última vez que esteve no Governo, a Suécia aderiu à UE. Agora vai aderir à NATO?

Não. A questão não está na agenda e não está porque não há necessidade disso. Houve esse debate há alguns anos. Hoje, deixou de ser visto como tão importante. Não sentimos que a nossa segurança esteja sob qualquer particular ameaça.

Porque são parte da UE?


Por isso, mas não só. Não sei se se lembra de que havia uma coisa chamada União Soviética que deixou de estar lá... E nós tínhamo-la como vizinho, às vezes do lado de lá da fronteira, outras do lado de cá. Hoje não encaramos a NATO como uma questão de segurança mas como uma questão prática, para tomarmos parte em operações de paz. E participamos em quase todas.

Como vê o diálogo estratégico entre os dois lados do Atlântico?

Tem de ser aprofundado, sendo que a NATO é um elemento importante desse diálogo. Mas eu diria que ainda é mais importante desenvolver um diálogo estratégico entre a UE e os EUA. Porque a maioria dos desafios que temos de enfrentar não são militares. São políticos, diplomáticos, económicos e de segurança, para os quais a União é cada vez mais importante. Ao passo que a NATO continua a ser uma organização vocacionada em primeiro lugar para o exercício do poder militar.

Como é que vê a questão do sistema de defesa antimíssil americano - como uma questão europeia ou bilateral?

O sistema que os americanos estão a discutir com a República Checa e a Polónia é uma questão bilateral e faz parte do sistema de defesa dos EUA. Penso que também deve haver uma discussão na NATO sobre se é necessária protecção para a Europa.

E deve ser discutida na UE?

Penso que é uma questão da NATO. Os EUA não são membros da União, mas a maioria dos países da UE são membros da NATO, e é difícil ter este tipo de discussão sem os americanos à mesa. A Suécia está fora, mas havemos de encontrar uma maneira de participar. O ponto de partida deve ser avaliar se essa ameaça existe a partir do Médio Oriente. Se o Irão desenvolver essa capacidade, e está a tentar fazê-lo, é uma ameaça para a Europa antes de ser uma ameaça para os EUA.

Vivemos hoje com a superpotência enfraquecida e a Europa em crise, ao mesmo tempo que a Rússia reemerge e a China entra em cena...

É verdade tudo isso. É essa, pelo menos, a nossa percepção. O hard-power americano está aprisionado na Mesopotâmia. O soft-power europeu está enfraquecido pelas discussões internas sobre o alargamento. A Rússia vê-se a si própria como muito forte devido aos preços do petróleo e do gás. Mas, se olharmos com mais atenção para o seu boom económico, facilmente perceberemos que sob os ganhos energéticos não está nada de sólido. Este é um desafio com que teremos de lidar nos próximos anos e que exigirá um debate estratégico sério na Europa.

Também é óbvio que termos de desenvolver uma relação estratégica com as potências asiáticas. O Japão, mas também a China e a Índia. Ora, a realidade é que, quando visitamos a Ásia, percebemos que a Europa quase não existe. Mesmo que exista economicamente, em termos políticos não existe. Isso tem de mudar.