Bárbara Simões, in Jornal Público
Combate à doença confronta-se com orçamentos "magros". Integração
da alcoologia no IDT será um passo em frente? Não é óbvio para todos
Um médico arrisca dizer que as empresas portuguesas terão, em média, uma décima parte da sua força de trabalho afectada pelo álcool. Sem que ninguém se choque muito. No centro que dirige, interna "desde o sem-abrigo ao professor universitário". Em Portugal, o consumo de bebidas alcoólicas "é generalizado e aceite", lembra um outro colega.
Um quarto (26 por cento) dos alunos portugueses com 16 anos diz já ter consumido cinco ou mais bebidas de seguida, revela um estudo divulgado no ano passado. E perto de um quarto (23,4 por cento) dos agressores de quem recorre à Associação Portuguesa de Apoio à Vítima (APAV) é dependente do álcool.
Não é, por tudo isto, de estranhar que expressões como "problema grave de saúde pública" ou "problema transversal" (afecta todos os distritos e todos os grupos, novos e velhos, homens e mulheres, ricos e pobres) seja uma constante no discurso de quem trata doentes alcoólicos. Mas há uma outra que pode ser acrescentada: "problema que continua a não ser tão levado a sério como mereceria".
A começar pelos orçamentos "magros" que sempre lhe foram destinados - e que todos os directores dos três centros regionais de alcoologia existentes no país referem.
"Para tratar uma dependência pelo menos sete vezes mais prevalecente do que a da heroína, a mais problemática das drogas ilícitas em Portugal, foram criados três serviços que, no conjunto, trabalham com um orçamento mais de 10 vezes inferior ao do IDT [Instituto da Droga e da Toxicodependência]", exemplificam os responsáveis do Centro Regional de Alcoologia do Sul (CRAS), em Lisboa, numa exposição recente sobre a situação alcoológica.
Para Augusto Pinto, director do Centro Regional de Alcoologia do Centro (em Coimbra), a explicação só pode ser uma: "O alcoolismo ainda não assustou suficientemente os portugueses." Os serviços "sempre ambicionaram uma capacidade de resposta que nunca tiveram e o alcoolismo exige um projecto político que nunca existiu no país". As coisas só mudarão, em seu entender, "quando os portugueses sentirem isto como um problema grave".
Residirá aí, em parte, aquilo a que chama "o poder da droga": a grande preocupação são os jovens e os pais dos jovens "têm poder político e económico". Já os filhos dos alcoólicos "ainda não são um grupo de pressão".
"Algum optimismo"
O consumo de álcool é responsável, no mundo, por quatro por cento do peso global da doença. Em Portugal, as estimativas apontam para a existência de 580 mil alcoólicos e 746 mil bebedores excessivos.
E, no entanto, são infindáveis os exemplos que reforçam a ideia de que o alcoolismo "não tem merecido um olhar mais atento", como diz o director do Centro Regional de Alcoologia do Norte (no Porto), Rui Moreira: "Fazem-se eventos sobre suicídio e o álcool está praticamente excluído [dos temas das intervenções]; fazem-se teses sobre violência e o álcool não está lá metido".
Ainda assim, o director do CRAS não vê razão nenhuma para não haver "algum optimismo". Domingos Neto diz que "há mais sensibilidade; as pessoas a pouco e pouco vão perceber que o álcool é um problema, as coisas vão melhorar". Não está "excessivamente optimista", mas está "moderadamente optimista". A curva dos consumos, lentamente, tem baixado.
É também Domingos Neto quem, à partida, olha com menos reservas para a anunciada integração dos três centros regionais de alcoologia nas estruturas do IDT. "Não estou a bater palmas, mas se o IDT têm 53 CAT [centros de apoio a toxicodependentes] e se todos os CAT virem grandes alcoólicos, é claro que há uma modificação do panorama assistencial destes doentes."
Os pormenores da integração continuam por definir, mas isso não impede Augusto Pinto de adiantar que, por enquanto, não encara esta mudança como uma mais-valia. Nem um passo em frente para a consciencialização da população e uma maior visibilidade do problema do álcool.
A "previsível dominância" dos problemas da droga sobre os do álcool é uma das razões que levam Rui Moreira a estar bastante renitente quanto à passagem da tutela das três unidades de alcoologia para "uma mega-estrutura com 1200 funcionários".
Diz que é pouco provável que esta "minoria" do álcool tenha alguma importância. "O meu pai tinha olhos azuis e a minha mãe castanhos. O castanho domina sobre o azul - eu tenho olhos castanhos. É a mesma coisa."
Alguns mitos
O álcool aquece? Não. Faz com que o sangue venha à superfície da pele, dando a sensação de calor, mas esta deslocação provoca uma perda de calor interno, prejudicando o funcionamento dos órgãos
O álcool mata a sede? Não. Quando se toma uma bebida alcoólica, uma considerável quantidade de água sai pela urina, aumentando a necessidade de água no organismo, logo a sede
O álcool dá força? Não. Tem uma acção excitante, que disfarça o cansaço do trabalho físico ou intelectual intenso, dando a ilusão de voltarem as forças, mas depois o cansaço é a dobrar
O álcool é um alimento? Não. Produz calorias inúteis (vazias) para os músculos e não serve para o funcionamento das células
Fonte: www.crac.min-saude.pt