in Agência Ecclesia
Banco Alimentar da Cova da Beira comemora cinco anos
Em entrevista ao Notícias da Covilhã, Ricardo Pinheiro Alves, do Banco Alimentar, faz o balanço dos cinco anos de actividade, em que se apoiou muita gente que, aparentemente, pela forma que veste, não é pobre. Mas a realidade, no terreno, é bem diferente
Notícias da Covilhã - Que balanço faz destes cinco anos de actividade?
Ricardo Pinheiro Alves - O balanço é positivo. Quando começámos a preocupação foi avaliar se havia necessidade de um banco alimentar nesta região. E após mais um ano de trabalho chegámos à conclusão que era preciso. Desde essa altura até agora especializámo-nos em recolher alimentos e conseguimos cumprir com o objectivo inicial que era construir uma entidade que recolhesse alimentos vindos do desperdício e ajudar as pessoas que necessitassem. Já o fizemos com mais de três mil pessoas.
NC - Mas depois do período inicial alargaram a actividade a outras zonas…
RPA - Sim, fomos mais para a Guarda, Seia, Gouveia e Pinhel, ajudando cada vez mais pessoas. Se por um lado é bom, porque demonstra o nosso crescimento, por outro lado é mau porque mostra que há pessoas necessitadas. E o que era bom é que não fosse preciso o Banco Alimentar existir.
“Há pobreza quando se gasta dinheiro em coisas supérfluas”
NC - Tendo em conta este trabalho, pode-se dizer haver muita gente pobre na região?
RPA - É preciso perceber que o conceito de pobreza mudou de há uns anos a esta parte. Há 40 ou 50 anos atrás pobreza significava miséria. Hoje em dia, os casos de miséria já são raros. O que não quer dizer que não haja pobreza.
O que acontece é que há pessoas que têm rendimentos muito reduzidos para fazer face às suas necessidades. Um caso muito comum são os idosos, com pensões muito baixas, que muitas precisam do dinheiro para comprar medicamentos e ficam com muito pouco para alimentação. É este tipo de pobreza que existe, mais localizada em zonas urbanas, no centro das cidades. As pessoas são aquelas que vemos na rua, mas que têm dificuldade em assumir a sua condição. Já me deparei com casos de pais de família com crianças ao colo que estão no desemprego há vários meses, mas que ainda não começaram a receber o respectivo subsídio e precisam mesmo de ajuda. Mas muitas vezes, até pela forma como estão vestidas, nem parece que estejam muito necessitadas. Também há pobreza rural, mas essa é mais fácil de identificar. Está frequentemente ligada a problemas de alcoolismo e droga. E à falta de cultura das próprias pessoas, que o dinheiro que têm, gastam-no em coisas supérfluas, e não o guardam para coisas essenciais. Porém, aqui, há sempre gente com um pedaço de terra para cultivar e isso acaba por ser uma ajuda.
NC - Há hipótese de alargar a actividade a outros concelhos?
RPA - O Banco está integrado na Federação Portuguesa dos Bancos Alimentares, que agrupa neste momento 13 bancos alimentares. O objectivo é cobrir todo o território nacional, o que já está praticamente feito, faltando apenas a Madeira. Aqui no Continente falta o Interior norte do País, a zona de Bragança e Vila Real. Para nós chegar a essa área é difícil, porque ir lá recolher se calhar fica muito dispendioso. Por isso, não faz sentido o Banco Alimentar estender-se para essa área. Na zona de Castelo Branco, o Banco Alimentar de Abrantes já está a trabalhar.
“Estamos a negociar novo armazém junto à Estação”
NC - O sucesso que tem tido fez com que surgissem mais dificuldades, como sítio para armazenar os alimentos…
RPA - Temos um armazém que já pequeno para as nossas necessidades, na Boidobra. Às vezes não há hipótese de lá por mais coisas. Por isso estamos em contacto com a REFER, que nos irá, em princípio, ceder um espaço junto à Estação da Covilhã para lá armazenarmos os alimentos. Será preciso fazer pequenas obras e esperamos que até final do ano já esteja a funcionar.
NC - Também são necessários mais voluntários permanentes…
RPA - Temos dois tipos de voluntários: os das campanhas e os permanentes, pessoas que trabalham ao longo do ano consoante a sua disponibilidade. É que o Banco funciona todo o ano e pouca gente se apercebe disso. Temos cerca de 20, uns a trabalhar mais tempo, outros menos, mas precisávamos de mais gente, em especial para trabalho administrativo. Por exemplo, não agradecemos pessoalmente, por carta, às pessoas que participam nas campanhas porque, pura e simplesmente, não temos gente para fazer esse trabalho. E gostávamos de o fazer.
NC - Quanto à última campanha, como é que decorreu?
RPA - Se olharmos só para a campanha dos sacos, e a compararmos com o período homólogo do ano passado, houve uma diminuição, pois no ano passado recolhemos cerca de 34 toneladas e este ano 31,7 toneladas. Porém, decorre também a campanha de vales, ao mesmo tempo, que ainda não está contabilizada. Houve gente que participava nos sacos e que agora preferiu o vale. Mas é provável que tenha havido um aumento também aqui.
“Já tivemos que cancelar acordos”
NC - Como é que os alimentos chegam às pessoas?
RPA - O Banco não entrega alimentos directamente a ninguém. Há instituições no terreno, que conhecem melhor o terreno e os casos de carência. Entram em contacto com o Banco Alimentar, assinam um acordo de cooperação e depois são fornecidos a eles os alimentos. O Banco verifica se as instituições são ou não credíveis, e depois, ao longo do ano, acompanha-as. É que às vezes não cumprem o estipulado.
NC - Como?
RPA - A ajuda que prestamos é gratuita. Não se pode exigir nada em troca. E nós já detectámos casos em que tivemos que cancelar acordos porque as pessoas da instituição usavam a entrega dos alimentos em troca de favores.
NC - Não existe, neste trabalho, a dúvida se os alimentos chegam ou não a quem precisa?
RPA - De vez em quando recebemos denúncias de que os alimentos estão a ser dados a quem não necessita. Já recebemos denúncias em que a pessoa se identifica e explica o caso. Quanto isso acontece, vamos esclarecer o caso com a instituição e caso não haja uma alteração do comportamento, podemos acabar com o acordo. O que acontece é que muitas vezes recebemos denúncias anónimas, e que denunciam em termos gerais, talvez por receio. Nessa situação é muito difícil detectar anomalias.
O Banco Alimentar em números
*Em cinco anos de actividade, o Banco Alimentar Contra a Fome da Cova da Beira distribuiu 345 toneladas de alimentos em oito concelhos da região, através de 35 instituições.
*O Banco Alimentar funciona durante todo o ano, e a ajuda permanente vem de 23 pessoas.
* Em 2006 eram já 35 as entidades ajudadas, que beneficiavam directamente 2 mil e 800 pessoas. De 31 toneladas de géneros, passou-se para a distribuição de 135 toneladas.
*A Covilhã e Fundão são os municípios onde os tentáculos do Banco Alimentar mais auxiliam, mas canaliza também bens alimentares para os concelhos de Belmonte, Guarda, Manteigas, Gouveia, Seia e Pinhel.
Conferência para assinalar 5 anos de actividade
O Banco Alimentar Contra a Fome da Cova da Beira assinala o quinto aniversário no próximo sábado, 19, com uma conferência relativa ao “Combate contra a Pobreza”. A iniciativa tem lugar no anfiteatro da parada da Universidade da Beira Interior, às 16h30.
Isabel Jonet, presidente da Federação Portuguesa dos Bancos Alimentares, é uma das oradoras, que vai falar da ajuda temporária dada por estas estruturas, até que as pessoas possam retomar uma vida com menos dificuldades. Luís Vasconcelos, da Associação Portuguesa de Direito ao Crédito, é o outro convidado, para abordar o micro-crédito.