António Marujo, in Jornal Público
Primeiros resultados de estudo inédito apresentados ontem confirmam persistência da pobreza
Quase metade das famílias portuguesas - exactamente 47 por cento - passou por uma situação de pobreza pelo menos durante um ano. Esta conclusão faz parte de um novo estudo nacional sobre a pobreza em Portugal, cujos resultados deverão ser divulgados em Julho. A conclusão principal foi ontem antecipada pelo coordenador, Alfredo Bruto da Costa, durante a conferência da Comissão Nacional Justiça e Paz (CNJP), da Igreja Católica, em Lisboa: "Esta é a verdadeira dimensão da pobreza em Portugal."
O inquérito, realizado pelo Centro de Estudos para a Intervenção Social (Cesis), investigou a situação de carência das famílias portuguesas nos seis anos compreendidos entre 1995 e 2000. Em vez de se limitar a medir a incidência da taxa de pobreza num dado momento - o número já conhecido dos dois milhões de pobres -, o estudo procura ir mais fundo na percepção das causas da pobreza persistente em Portugal. Daí o ter recorrido a um período alargado de seis anos. Há mais alguns dados complementares do estudo igualmente preocupantes: das famílias que estiveram em situação de pobreza, 72 por cento acharam-se nessa condição durante dois ou mais anos. No mesmo universo, 40 por cento tinham os seus membros empregados - ou por conta própria ou por conta de outrem - enquanto outros 30 por cento dessas famílias eram de pensionistas. Estes últimos números significam, na opinião do coordenador do estudo e actual presidente do Conselho Económico e Social (CES), que o fenómeno da pobreza em Portugal "não é apenas uma questão redistributiva".
A propósito, Bruto da Costa citou um texto de Agostinho Fortes, de 1925: "Muito se tem tentado, entre nós, em favor das classes privadas dos dons da fortuna. (...) Infelizmente, o que [se tem] conseguido neste ramo do problema social é tão pouco eficaz que deixa a impressão de que a miséria é cultivada com ternura, amor e dedicação."
São números como os citados que levam o presidente do CES a afirmar que, em Portugal, a pobreza é um fenómeno persistente e de larga escala. A sociedade portuguesa "não está preparada para apoiar as medidas necessárias de combate à pobreza". E "o combate à fraude dos pobres" parece preocupar mais que o combate "à fraude dos ricos" e o próprio combate à pobreza, criticou.
Há um "problema de políticas económicas", acrescenta Alfredo Bruto da Costa, que considera "erradas as estratégias económicas" que colocam em primeiro lugar o crescimento e só depois a repartição da riqueza.
A pobreza só pode acabar "modificando os factores económicos, sociais e culturais que geram os mecanismos" que a perpetuam, diz entretanto o manifesto proposto pela CNJP no final da sua conferência nacional. A comissão católica - que depende directamente da Conferência Episcopal, embora funcione com autonomia - aponta a pobreza como "uma grave violação dos direitos humanos". Por isso, a presidente da comissão, Manuela Silva, propôs no início da conferência que "o direito a não ser pobre" deve ser incluído "no conjunto dos direitos humanos universais".
Tal exigência esbarra no modelo económico vigente, que a investigadora Isabel Guerra põe em causa: "Os anos 70 mostraram a desigualdade do crescimento, os anos 80, com a ecologia, mostraram os limites do crescimento." Luís Moita, vice-reitor da Universidade Autónoma, também apontou para o necessário estilo de vida mais modesto. E admitiu que erradicar a pobreza é tarefa "inadiável", que teme não ser "hoje possível: estamos a remar contra a maré", disse.
O manifesto fala das "tantas mortes" que a pobreza "está gerando cada dia" e diz que o fenómeno continua a ser "um problema periférico pretensamente resolúvel por políticas e medidas periféricas e residuais". Exemplo, dado por Isabel Baptista, do Cesis: o primeiro Plano Nacional de Acção para a Inclusão estabelecia como prioridade "erradicar" a pobreza infantil. O segundo mudou o verbo para "diminuir". O terceiro limita-se a propor "atenuar"...
No manifesto, a CNJP propõe ao Governo que adopte salários, pensões mínimas e prestações sociais "que em caso algum fiquem aquém do limiar da pobreza" - pouco mais de 300 euros. O documento destina-se a receber o apoio das pessoas e instituições que o queiram subscrever, para mobilizar a sociedade civil e ser enviado às instâncias governamentais.