Andreia Sanches, in Jornal Público
Foram abertos 25 mil processos novos. Negligência é o problema mais comum. Número de pais com menos de 18 anos é preocupante
Mais de metade (55,6 por cento) das crianças abrangidas por processos instaurados pelas Comissões de Protecção de Crianças e Jovens (CPCJ) em 2006 tinha até 10 anos de idade. Na maior parte dos casos (82 por cento), os meninos vivem com a família biológica e há um peso significativo (21 por cento) de situações de famílias monoparentais femininas. Dado considerado preocupante: "Cerca de um quarto dos responsáveis [pelas crianças envolvidas nos processos instaurados] têm menos de 18 anos, sendo, portanto, menores de idade com filhos a cargo sinalizados como estando em situação de perigo", nota o relatório ontem apresentado.
"São menores de idade com filhos a cargo. Trata-se de uma dupla sinalização", disse a secretária de Estado adjunta e da Reabilitação, Idália Moniz.
O abandono escolar é a principal problemática a partir dos 13 anos. Já a negligência, a exposição a modelos de comportamento desviante e os maus tratos são transversais a todos os escalões etários, acrescenta-se. As problemáticas são complexas e tem havido um reforço de técnicos nas CPCJ, mas muitas continuam a queixar-se das condições de trabalho.
"Existe ainda um conjunto considerável de CPCJ que referem deficiências no apoio logístico, da responsabilidade dos municípios", continua o relatório.
Por exemplo: metade das CPCJ partilhava as instalações com outros serviços, o que, em alguns casos, não permitia salvaguardar as condições de privacidade no atendimento. A maior parte tinha computador, mas cerca de um quarto considerou o equipamento desadequado e partilhado.
A confidencialidade da intervenção volta a ser posta em causa quando se sabe que um terço das CPCJ não tem fax e uma linha telefónica própria.
Edmundo Martinho, presidente do Instituto da Segurança Social, considera, ainda assim, que o empenho dos municípios tem sido muito grande em termos logísticos e técnicos. "Os autarcas entendem a importância das comissões."
Questionada sobre os horários de funcionamento, "a quase totalidade das CPCJ afirma assegurar o regime de permanência via telemóvel ou com recurso ao sistema de
voice-mail ou encaminhamento de chamadas".
Casos de negligência (mais de 7700 situações), de abandono escolar, de exposição a modelos de comportamento desviante, de maus tratos psicológicos e também físicos - foram estas as problemáticas mais detectadas em 2006 pelas Comissões de Protecção de Crianças e Jovens (CPCJ). As 269 estruturas que trabalharam em todo o país abriram 25 mil processos (mais dez mil do que no ano anterior), envolvendo perto de 26 mil menores. Mas foram muitas mais as crianças que precisaram de atenção.
É que, para além dos novos casos, as comissões tiveram ainda que gerir 23.713 processos que tinham transitado de 2005 (relativos a 26 mil menores) e reabriram outros 2026, porque se voltaram a verificar situações de perigo para as crianças que já tinham sido alvo de algum tipo de intervenção.
Resultado: 50.947 foi o volume global de processos que, em 2006, foram geridos pelas CPCJ. São mais de 54 mil crianças e jovens cujos processos passaram pelas mãos dos técnicos.
É certo que nem sempre o perigo reportado se confirmou - a maioria das CPCJ opta por abrir um processo mal recebe a sinalização de um alegado problema sem fazer previamente "as diligências preliminares que permitem confirmar a necessidade de intervenção", nota o relatório. E mais de seis mil casos acabaram mesmo por ser liminarmente arquivados.
Houve ainda 12.654 dossiers fechados após a aplicação de medidas de protecção das crianças envolvidas, "o que significa que os problemas foram ultrapassados", nas palavras da secretária de Estado adjunta e da Reabilitação, Idália Moniz, que ontem apresentou o documento à comunicação social.
Também é verdade que, mesmo quando há - como aconteceu na maioria dos casos - razões para aplicar medidas de protecção das crianças, se está perante situações muito diversas, que exigem formas de acompanhamento distintas, nota Edmundo Martinho, presidente do Instituto da Segurança Social.
Mas os números revelam um volume de problemas bem superior ao que alguma vez tinha sido registado. Houve mais 3300 situações de negligência do que em 2004, um total de 724 relatos de abandono de menores (quando tinham sido 563 dois anos antes) e 502 de abuso sexual (contra 363), por exemplo.
Idália Moniz alerta, contudo, para as dificuldades em fazer comparações: "Os dados de 2005 forneceram uma leitura enviesada" da realidade, já que muitas CPCJ não disponibilizaram informação estatística. Já em 2006, pela primeira vez, todas fizeram chegar a informação pedida, o que torna finalmente possível um retrato completo da situação.
"Não há mais casos, o que há é mais sinalizações" e uma "confiança cada vez maior nas CPCJ", defendeu Armando Leandro, presidente da Comissão Nacional de Protecção de Crianças e Jovens em Risco.
O "apoio junto dos pais" foi a medida de promoção e protecção aplicada em 79,4 por cento dos casos, o que passa, por exemplo, pela formação parental. Já a institucionalização das crianças tem vindo a perder peso. Ainda assim, 763 crianças ou jovens foram encaminhados para centros de acolhimento ou lares.
De resto, Idália Moniz diz que está a ser estudada uma solução para reduzir cada vez mais o número de meninos que continuam em instituições (cerca de 10 mil), sem possibilidade de adopção. A ideia é criar uma figura legal cuja denominação ainda não está escolhida mas que pode passar por ser uma espécie de tutoria que permitirá que a criança ou jovem seja educada numa família de acolhimento sem perder o contacto e os laços com a sua família biológica.
No final do ano, mantinham-se abertos 31.739 processos.
"Não há mais casos, o que há é mais sinalizações" e "maior confiança nas Comissões", diz Armando Leandro