in Folha do Centro
Projectos Bem Crescer e Agir trabalham na prevenção de situações de perigo que envolvam menores
Há cerca de um ano e meio, a obra D. Eugénia Monteiro de Brito de Lagares da Beira em parceria com a Câmara Municipal de Oliveira do Hospital, avançava com o primeiro projecto – Bem Crescer – com o objectivo especifico de prevenir situações de menores em risco. Seguiu-se o Agir, com objectivos comuns, mas direccionado para os problemas escolares.
Em que medida é que os dois projectos se unem e têm evitado males maiores no concelho, foi isso que fomos tentar perceber numa conversa com as técnicas que trabalham em ambos os projectos.
Numa altura em que o concelho assiste, estupefacto, a um caso de alegado abuso sexual a uma menina de cinco anos (ver noticia), é normal questionarem-se instituições, técnicos e outras entidades que lidam de perto com casos de risco social, mas as respostas são quase sempre poucas, face à brutalidade do factos.
Apesar de estarem agora na primeira linha de intervenção, o que é certo é que as crianças continuam a ser o elo mais fraco de famílias disfuncionais, e não raramente são vítimas de negligência, maus-tratos físicos e psicológicos, onde não faltam também os abusos sexuais. O "Bem Crescer" foi criado a pensar precisamente nestes menores, com o objectivo de lhes proporcionar um crescimento/ desenvolvimento dito "normal", tentando afastar os perigos que moram dentro da própria casa.
Marta Pereira, psicóloga do projecto, lembra que um dos principais problemas destas famílias é que elas não têm "rotinas", pelo que "as questões da casa e dos filhos fica um pouco esquecidas". A técnica dá o exemplo de uma mãe que foi ensinada a fazer uma sopa para o bebé, porque simplesmente não a sabia fazer. "No tipo de famílias que nós acompanhamos estas situações são muito comuns", afirma. "Temos que ter em atenção que os nossos padrões não têm que ser os padrões deles, mas há os cuidados mínimos", alerta a psicóloga, contando com a ajuda imprescindível da animadora social, para o ensino de competências básicas às famílias que são acompanhadas, e são já trinta e três.
Marta Pereira garante que um dos graves problemas com que os técnicos se deparam são as condições de habitação destas famílias. "São normalmente terríveis, e como são casas alugadas, é quase impossível intervir", lembra, apontando ainda como igualmente grave os problemas de alcoolismo e a debilidade cognitiva dos progenitores, como causadores da maior parte das situações de perigo. No entanto, fazem questão de frisar: "não há casos perdidos, tentamos sempre actuar e em alguns casos já tivemos surpresas agradáveis", conta a técnica, garantindo que coisas tão simples como integrar um menor numa creche, ou ATL, são autênticas vitórias no seio destas famílias.
Para Ana Camacho, coordenadora técnica do AGIR – um projecto mais virado para a mediação escolar – o problema começa na exclusão social de que a maior parte das famílias acaba por ser vítima. "Há aqui um processo de exclusão e de auto exclusão social, logo a começar pela forma como são identificados pela sociedade – normalmente por alcunhas", refere, pensando que o grande obstáculo que se coloca nestes casos é " como gerir as expectativas negativas por parte da comunidade". Mais direccionado para os problemas escolares, o programa Agir trabalha a prevenção em diferentes patamares, preocupando-se sobretudo com situações em que há um não aproveitamento escolar acentuado, de forma a evitar o abandono da escola, que continua a situar-se em Oliveira do Hospital em níveis bastante elevados.
"Isto só acontece porque os pais não se envolvem com os problemas da escola. Se por um lado aparecem casos de completo desinvestimento em relação à escola, de não valorização do contexto escolar, outras famílias há que andam tão absorvidas com o trabalho e a profissão que também não têm tempo para acompanhar os filhos. Há um desinvestimento noutro sentido" explica a especialista, que tenta a todo o custo alertar os pais, percorrendo o concelho com acções de sensibilização nesta área. "Nós dizemos muitas vezes que a família pode ajudar o filho na escola, bastando para isso ter um espaço onde a criança possa estudar".
Situações de risco social e educacional que convivem muitas vezes debaixo do mesmo tecto e que podem agora ser denunciadas através de uma linha verde (gratuita), pois, se é verdade que cada criança só tem um tempo para ser criança, cada adulto também só tem um tempo para a ajudar (uma das frases utilizadas pelo Agir em cartazes colocados em diversos espaços públicos no concelho).
E amanhã pode ser tarde demais…