Lígia Silveira, in Agência Ecclesia
«Por um desenvolvimento global e solidário - um compromisso de cidadania» traçou quadro português
Uma situação que não é nova, onde os dados são mais que conhecidos. A pobreza não dá destaques na comunicação social porque sempre houve pobres. Sobre isto se debruçou Alfredo Bruto da Costa na participação que manteve na Conferência Nacional “Por um desenvolvimento global e solidário - um compromisso de cidadania”, uma iniciativa de dois dias da Comissão Nacional Justiça e Paz.
O Presidente do Conselho Económico e Social sublinhou a importância que ao longo da história Portugal foi demonstrando de atenção e de assistência aos pobres. “Através de muitos gestos individuais, de instituições de solidariedade e de políticas sociais, a sociedade sempre exibiu a sua preocupação com os pobres”. Mas se esta análise é justa “como se explica que apesar de um contexto de longevidade, a pobreza exista e continue a existir em larga escala?”.
A sociedade desenvolveu uma cultura básica de “bem-estar, remetendo para o Estado a solução de todos os problemas”, explica Alfredo Bruto da Costa, como sendo uma das razões do afastamento do compromisso e do sentido de dever dos cidadãos. Ao enfraquecimento da responsabilidade individual acresce-se “a persistência desta situação constante de pobreza criou uma habituação, e passou a ser vista como normal”. Segundo o conferencista, um estudo junto da opinião pública sobre as razões da pobreza, “um terço dos inquiridos atribui aos pobres a pouca sorte, ou seja, assumem uma postura fatalista, enquanto que equivalente percentagem acredita que a situação de pobreza se deve à preguiça”.
Comparando com os números de pobreza em Portugal, “temos dois milhões de preguiçosos no nosso país”, ironizou Alfredo Bruto da Costa.
O Presidente do Conselho Económico e Social acrescenta ainda que a população portuguesa manifesta “uma reserva generalizada sobre a autenticidade da pobreza - é encarada como fraudulenta”. A emergência da cultura consumista “altera a noção de políticas e de justiça moral”.
“Não existe uma verdadeira noção de pobreza em Portugal” sublinha Alfredo Bruto da Costa, acrescentando que 47 % das famílias portuguesas passaram por uma situação de pobreza. “Metade das famílias estiveram um ano em estado de pobreza”, enfatizou.
“Todos compreendemos os geradores de pobreza, mas o que de facto fazemos para atingir esses mecanismos? Há uma dúvida nas acções e nas políticas”. Nunca as pessoas estiveram tão próximas umas das outras e “na era da globalização e da abundância, a justiça e a solidariedade nunca foram tão possíveis”. Por isso a “persistência da pobreza é uma acusação moral dos nossos tempos”.
A percentagem citada pelo conferencista referem-se a dados de famílias empregadas. “Esta situação torna claro que a pobreza não é um problema de redistribuição de políticas sociais, mas acima de tudo uma repartição do rendimento. O princípio de «vamos crescer primeiro para distribuir depois» não é válido”, sublinha porque o crescimento económico é importante mas “a redistribuição não elimina as desigualdades”.
Alfredo Bruto da Costa enfatiza o muito que se faz “é bom e indispensável, não para eliminar a pobreza, mas para reduzir a carência e atenuar o sofrimento” e lembra que “se actuarmos juntos e com coragem, todos serão mais seguros, prósperos e capazes de gozar os seus direitos fundamentais”.
Isabel Baptista apontou que proliferam políticas de intervenção mas que “não são passíveis de ser avaliadas”. A conferencista referiu, no painel “Erradicar a pobreza em Portugal - um compromisso nacional”, que o Plano Estratégico para a Inclusão “é pouco conhecido”. A investigadora no CESIS - Centro de Estudos para a Intervenção Social, relembrou ainda que uma das medidas entre 2006 e 2008 seria “eliminar a pobreza entre os idosos e as crianças, esquecendo o facto de que as crianças vivem em famílias”. O Rendimento Social de Inserção, por exemplo, “e importante, mas o seu valor de 80 euros por pessoa, não elimina a pobreza ao nível que conhecemos”, sublinhando no entanto o benefício da sua “regularidade”.
“Participação não é só dar a conhecer o que se passa, é envolver as pessoas desde o diagnóstico até à efectivação de medidas concretas”, sublinha, acrescentando ainda que “só indo ao encontro das pessoas é possível perceber se de facto mudou alguma coisa, se determinada medida teve ou não impacto efectivo na sua vida”.
Portugal precisa de motivar mais os debates e as reflexões para reverter a sua situação de “estar constantemente na cauda da Europa”, afirmou Maria Barroso, a participar na reflexão sobre a situação portuguesa. “Esta Conferência é um bom exemplo de como se deve procurar as raízes dos problemas para ganhar em entusiasmo para combater”. Com entusiasmo afirma que “todos gostamos do nosso país, por isso é preciso estarmos na primeira fila prontos para actuar”.
Maria Barroso destaca ainda a importância da comunicação social em veicular notícias que “introduzam estas questões e não tanto em mostrar escândalos ou malefícios”.