Paula Torres de Carvalho e Dina Soares, in Jornal Público
Juiz Armando Leandro, presidente da Comissão Nacional de Protecção das Crianças e Jovens em Risco fala ao PÚBLICO/Rádio Renascença.
PÚBLICO - Para quem tem, como preocupação diária, a protecção das crianças e jovens em risco, como é que está a acompanhar o caso da menina inglesa desaparecida no Algarve?
ARMANDO LEANDRO - Naturalmente com preocupação. Vivemos tempos contraditórios. Por um lado, com aquisições admiráveis quanto ao conhecimento da criança como sujeito de direito, por outro, com notícias trágicas como a de este desaparecimento e de outras violações de direitos.
Este desaparecimento era um risco provável?
Penso que este problema do desaparecimento de crianças é um fenómeno preocupante, não só a nível europeu, como mundial. Mas não exageremos... normalmente a vida processa-se em termos de segurança e de afectividade. Devemos, no entanto, preocuparmo-nos cada vez mais com a prevenção destes casos e prepararmo-nos para responder o melhor possível.
Como vê o facto de o pais de Madeleine terem deixado os filhos sozinhos a dormir, enquanto iam jantar fora? Isso pode configurar algum tipo de crime?
Naturalmente que é necessário termos todo o cuidado com crianças pequenas mas crime de abandono é um crime doloso (intencional) e francamente não me parece que se possa pensar nisso. Nem me parece adequado que se fale muito nisso neste momento de tremendo luto e dor dos pais.
No âmbito da protecção de menores, é desenvolvido algum trabalho que tenha em vista a prevenção do desaparecimento de crianças?
Tem sido feito em Portugal, designadamente através Instituto de Apoio à Criança (IAC) e da Polícia Judiciária que está atenta ao problema. Naturalmente que os cuidados a ter com as crianças são da nossa responsabilidade e, por isso, não deve haver negligência mas também não pode haver exagero. Vivemos num mundo de incerteza e de insegurança. Temos realmente de prevenir, sobretudo criando uma cultura da comunidade de respeito e de solidariedade com a criança, mas também não podemos viver num ambiente de medo constante que normalmente não se justifica.
Acha que a reserva com que tem sido conduzida a investigação do desaparecimento de Madeleine, o que tem sido criticado pelos ingleses, prejudica a colaboração dos cidadãos neste processo?
Penso que não. A reserva é fundamental e a Polícia Judiciária portuguesa é prestigiada. A verdade é que há coisas que podem dizer-se e outras não, em função dos interesses da investigação. A comunicação social interessa-se, e bem, por estes problemas mas também tem de compreender que há certas informações que podem prejudicar as investigações e o direito à privacidade e à intimidade das crianças e das famílias. O direito de informar é essencial numa sociedade democrática mas, quando contende com o direito da criança à sua privacidade, naturalmente que prevalece o supremo interesse da criança.
Outro dos processos mais mediáticos dos últimos tempos, o chamado "caso Esmeralda" teve, esta semana, um novo desenvolvimento com o acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra que determinou que o sargento Luis Gomes saísse da cadeia. Os termos da fundamentação deste acórdão que compara a criança a um "animal de estimação" já foram fortemente criticados por alguns juristas. Qual é a sua opinião?
Por questões éticas e profissionais, não posso comentar decisões dos tribunais.
Mas considera que os juízes podem ter esta carga ideológica? Como podem ser objectivos se utilizam tantos adjectivos?
Naturalmente que temos de procurar objectividade mas a objectividade depende da consciência da nossa subjectividade. Temos de nos formar no sentido de uma cultura sobre os direitos da criança e, um deles, é o direito a uma família, de preferência a biológica. Já se sabe que quando isso não acontece em tempo útil para a criança é preferível outra solução, a da família adoptiva. É evidente que a cultura da adopção é relativamente recente e tem de ser aprofundada. Tivemos um século sem adopção, considerava-se que era contra a natureza. É uma cultura que tem de ser interiorizada.
A lei privilegia o "superior interesse da criança". Qual é, na sua perspectiva, o superior interesse da menina do "caso Esmeralda"?
É que seja averiguado, em termos tranquilos, o seu estado concreto de desenvolvimento, o que é preferível a esse desenvolvimento, procurar uma mediação aprofundada entre o casal que dela tem cuidado e os pais biológicos e é possível que nessa mediação seja possível pôr a criança no centro.
Este caso reflecte, em muitos aspectos a lentidão da justiça. Em tempos, o senhor recebeu elogios de um importante psicanalista, João dos Santos, pela sua consciência acerca do "tempo útil" de uma decisão judicial para a criança. Quais são as razões que levam à lentidão com que os tribunais apreciam os processos relacionados com menores?
Penso que essa lentidão não é generalizada...
Mas é muito frequente
É cada vez menor e cada vez mais o será com a criação de tribunais especializados.
Mas porquê essa lentidão?
Primeiro, porque o volume de casos é muito grande. E depois porque, às vezes, há dificuldades na avaliação diagnóstica. Os juízes devem ouvir as duas partes e não limitar a possibilidade dos argumentos. Mas a minha ideia é que os tribunais actuam com muito respeito pela criança.