Augusto Correia, in Jornal de Notícias
O motorista foi o primeiro a constatar a dificuldade. "Não vai dar, tenho muita pena, mas não entra", disse o condutor da carreira 905 da STCP, numa das paragens na Urbanização de Vila d' Este, em Gaia. "Pois não, pois não", respondeu Alda Barbosa, há cerca de dois meses impossibilitada de levar o filho, Paulo, a entrar no autocarro.
Consequência do que a STCP diz ser "a redefinição das redes de acesso fácil", em curso desde Abril. "Agora, só há autocarros antigos, sem rampa de acesso e com degraus", disse Alda Barbosa, mãe do Paulo, 35 anos, que padece de paralisia cerebral. "É um cidadão normal, com direito a andar nos transportes públicos", acrescentou, "revoltada".
Nos modelos de autocarro a circular em Vila d' Este, um varão nas escadas de acesso ao interior impossibilita até o desenrascanso de meter a cadeira de rodas no veículo à força do músculo de amigos e vizinhos. "Até me custa estar na paragem, porque temos muitas pessoas amigas, dispostas até a impedir o autocarro de sair. Mas não queremos isso, porque o Paulo entende que os motoristas não têm culpa das acções da administração", acrescentou.
A alternativa à linha 905 passa a 800 metros, na estrada que liga Vilar de Andorinho a Santo Ovídio, frente ao Hospital Santos Silva. "A paragem anterior não tem condições para a cadeira", diz Alda Barbosa. Um filme repetido três vezes por semana, sempre que leva o filho à fisioterapia.
"Este é um caso de coragem, mas há mais pessoas com dificuldades de mobilidade, que não querem ou temem ser sinalizados", disse António Moreira, presidente da Associação dos Proprietários da Urbanização Vila d' Este (APUVE). "Depois disto, vai haver mais gente a sair do anonimato", acrescentou.
Segundo a STCP, o Paulo é a única pessoa com deficiência identificada, entre os 16700 habitantes de Vila d' Este. "Há pessoas idosas que já não saem de casa, temendo não ter quem as ajude a entrar para o autocarro, contribuindo, assim, para o aumento da exclusão social", argumentou António Moreira. Segundo os moradores, os autocarros das linhas 900 e 903 têm rampas ou acesso facilitados a deficientes. "É muita coincidências que só o 905 não tenha condições", dizem.
A STCP garante que não, que não há qualquer tipo de discriminação. A empresa disse ter conhecimento das queixas de Alda Barbosa, que estão já a ser analisadas, e prometeu ter em consideração as observações da APUVE, numa altura em que está a proceder "à redefinição da rede de acesso fácil".
"Até Março, havia uma rotação global", explicou a STCP. Todos os autocarros passavam por todas as linhas. A empresa garantiu que a ausência de autocarros modernos da linha 905 não é uma consequência da redefinição, a ser feita com base num levantamento das necessidades, em todas as linhas, e que assenta em dois pilares a identificação de pessoas com deficiência; e a existência de hospitais ou escolas. A STCP diz ser a " empresa rodoviária melhor equipada em termos de acessibilidade", revelando ter 88% dos autocarros com entrada facilitada e 54% com rampa de acesso.