Ana Cristina Pereira, in Jornal Público
Rui Marques, alto-comissário para as minorias, recusa a existência de um clima de impunidade em Portugal
a Desde 2006, o alto-comissário para a Imigração e para as Minorias Étnicas aplicou apenas duas multas de discriminação racial. O relatório da Amnistia Internacional (AI), que este ano introduziu o tema no capítulo dedicado a Portugal, fala em impunidade.
Sobressai uma aparente falta de rigor. O documento cita a Comissão para a Igualdade e contra a Discriminação Racial (CICDR), que integra o Alto-Comissariado para a Imigração e para as Minorias Étnicas (ACIME):"O CICDR informou que nos seis anos anteriores tinha recebido 190 queixas." Duarte Miranda Mendes, assessor jurídico do ACIME, conta 196 atendendo a 16 situações que ali chegaram pela via oficiosa.
Há mais exemplos. A AI escreve que, em Dezembro de 2006, "apenas duas [queixas] tinham resultado em multas, 60 ainda estavam pendentes". Mas o número de pendências mencionado pela AI não está correcto, garante Duarte Miranda Mendes.
Como poderia haver 60 pendências se apenas 48 queixas deram origem a processos de contra-ordenação? O jurista fez ontem a contagem: somou 21 processos pendentes e 27 findos. Confirma, todavia, a existência de apenas duas multas desde 2000 até ao final de 2006. Houve uma terceira aplicada pelo alto-comissário, que o tribunal arquivou, e há uma quarta a aguardar a notificação da decisão.
Posto isto, a AI afiança que a "falta de meios fazia com que os casos demorassem dois ou três anos a ser julgados, muitos acabavam por ser arquivados por falta de provas, contribuindo para a impunidade dos actos racistas". E o alto-comissário, Rui Marques, recusa a existência de um clima de impunidade em Portugal. Frisa que a CICDR "não esgota as queixas" de racismo e xenofobia apresentadas no território nacional. Isto porque as queixas de foro laboral são remetidas para a Inspecção-Geral do Trabalho e as conexas com a prática de crime já em investigação para as autoridades criminais. Há ainda desistências e acordos entre vítimas e supostos agressores.
Sobre o fraco número de condenações, Rui Marques sublinha a "dificuldade de fazer prova". Como provar que um proprietário não aluga uma casa a uma família simplesmente porque é de etnia cigana? "Vivemos num Estado de direito e todos são inocentes até prova em contrário", enfatiza. "Agora, se me perguntar se gostaria de ter recursos mais fortes, dir-lhe-ei: claro que gostaria!"
O capítulo sobre Portugal faz ainda uma referência ao número de disparos fatais protagonizados por polícias (seis em 2006, como já fora divulgado pelo PÚBLICO em Outubro). E insiste na sobrelotação das cadeias, que afecta 70 por cento dos estabelecimentos prisionais nacionais.
No final do ano passado, três cadeias tinham o dobro de reclusos previstos (Portimão, Angra do Heroísmo e Guimarães). "A sobrelotação diminui os recursos disponíveis para cada recluso" e agrava "as deficientes condições de higiene e a transmissão de doenças infecciosas", salienta o documento. Ao longo de 2006, morreram 92 presos: 74 por doença, 14 por suicídio e três por homicídio.