Teresa de Sousa, in Jornal Público
Uma das figuras mais poderosas da Comissão, Mandelson, veio a Lisboa a convite do ministro da Economia falar sobre o futuro da Europa
PÚBLICO - Ainda espera uma solução para as negociações de Doha antes de 30 de Junho, quando o Presidente Bush perde os seus poderes de fast-track?
Peter Mandelson - Penso que sim e penso, sobretudo, que é bom que seja possível porque é do interesse da Europa chegar a um acordo. Mesmo que não um acordo a qualquer preço. A Europa fez propostas avançadas em todos os sectores das negociações. Precisamos de ofertas correspondentes dos outros países do mundo desenvolvido e de ofertas proporcionais da parte dos países em vias de desenvolvimento.
O problema é que cada parte culpa a outra pelas dificuldades. Por exemplo, a questão da PAC (Política Agrícola Comum) continua na mesa. Os países como o Brasil não têm razão?
Os países líderes do G20, como o Brasil e a Índia, reconheceram que, em matéria de subsídios à agricultura, as reformas europeias são reais e bem-vindas e, em matéria de tarifas, nem sequer estamos a ser muito pressionados para ir mais além das disposições avançadas. O seu maior problema é na questão das reformas agrícolas dos EUA, que ainda não foram postas em prática. É aí que precisamos ainda de clarificações. Para poder desbloquear as negociações. Mas, quando avançarmos para a fase seguinte, os países em vias de desenvolvimento têm de fazer um esforço para aceitar um maior acesso aos seus mercados dos produtos industriais e serviços em troca do real acesso aos nossos mercados.
Pensa que existe hoje nos EUA e na Europa uma tentação proteccionista maior? É um risco?
Não tenho dúvida de que o êxito das negociações do comércio internacional nos daria uma espécie de apólice de seguro contra essas tendências. Estão a manifestar-se fortemente nos EUA, mas vemos também na Europa vozes a levantarem-se. Mas também nos países em vias de desenvolvimento, em que as oportunidades de crescimento a partir do comércio são enormes, vemos uma atitude defensiva contra a abertura dos mercados. A questão-chave é que todas estas oportunidades estão resumidas na palavra "globalização". Oferece-nos enormes oportunidades de longo prazo mas também põe problemas e perigos imediatos. Devemos tentar responder aos problemas sem perder de vista os benefícios.
É esse o dilema da Europa: abrir-se ou fechar-se ao mundo. E há divergências profundas em relação à resposta.
Não creio que seja um dilema. Penso que a escolha é óbvia. A Europa depende do comércio e dos mercados internacionais. Não podemos pedir abertura aos outros a partir das nossas próprias muralhas de protecção. A Fortaleza Europa, em que nos limitássemos às trocas entre nós, ignorando o resto do mundo, seria o caminho mais rápido para a queda do nosso nível de vida. Mas, mantendo a Europa aberta, temos de garantir uma reciprocidade. Temos de insistir não apenas no comércio livre mas justo. Temos de usar os instrumentos de que dispomos para garantir a aplicação das regras do comércio mundial e também que os outros não abusam para tirar partido indevido da abertura europeia.
Espera do novo Presidente francês uma nova atitude? A França tem sido um obstáculo a esses pontos de vista...
Mas, ao mesmo tempo, a economia francesa é aberta e, mesmo na agricultura, em que se diz que a França é defensiva, as exportações continuam a crescer.
Como vê a ideia de Angela Merkel sobre um mercado único transatlântico?
Penso que a sua ideia é bem-vinda. Mas não se trata de criar uma área de comércio livre entre a UE e os EUA. Isso seria uma distorção do sistema internacional de comércio e esvaziaria muitos dos ganhos que já conseguimos nesse domínio, apenas para benefício da Europa e dos EUA mas à custa dos outros. Eu não apoiaria isso.
A presidência portuguesa quer do Conselho Europeu de Junho um mandato claro sobre o que deverá ser o novo tratado. É possível?
Não critico o Governo português por querer um mandato claro. E espero que seja possível. Mas fazer a quadratura do círculo vai exigir flexibilidade e espírito de compromisso de toda a gente, incluindo do país que conheço melhor. É possível chegar lá, desde que haja boa vontade e espero que todos os governos cheguem ao Conselho sem posições rígidas.
Dou-lhe um exemplo. Precisamos de projectar os nossos valores e defender e os nossos interesses de uma maneira mais eficaz. Temos uma capacidade de influenciar os acontecimentos que está muito abaixo do nosso peso real. Porque não temos os métodos certos para agir, porque nos falta uma personalidade capaz de personificar a UE no mundo, porque não há suficiente integração entre a Comissão e o Conselho. Isto tem de ser corrigido se queremos ter a força suficiente num mundo cada vez mais complexo e perigoso.
O que é que a Europa deve esperar de Gordon Brown?
Fundamentalmente, a mesma abordagem de Tony Blair. Ambos são pró-Europa e a favor de uma Europa reformada. Blair trouxe muita força e paixão ao seu desejo de reconciliar o Reino Unido com o seu destino europeu. Não penso que Brown queira reverter a tendência.
Toda a gente reconhece que Blair foi um líder poderoso, mas depois de dez anos não conseguiu convencer os britânicos a gostarem mais da Europa...
Não creio que esteja certa.
O instinto dos britânicos é hoje muito mais europeu e penso que eles sabem que, no fundo, o seu destino depende de uma Europa que consiga fazer o que deve para exercer a sua influência. Os britânicos não são diferentes dos portugueses. Querem ver as coisas bem feitas, querem ver as suas prioridades reflectidas na agenda europeia. E creio que estão a ver essa Europa graças, entre outras coisas, à liderança de José Manuel Barroso. As mensagens que hoje chegam de Bruxelas são mais fortes e mais claras.
O senhor, que é um bom amigo de Blair, como avalia o seu legado?
Mudou o Reino Unido. Não é apenas um vencedor de eleições. Muito mais importante é o facto de hoje a Grã-Bretanha ser país muito mais optimista e confiante, que foi capaz de articular a eficiência económica com a justiça social. Temos muito que lhe estar agradecidos. Temos um país mais bem preparado para o século XXI.