Alexandra Campos, in Jornal Público
Comissão que analisou sustentabilidade financeira do Serviço Nacional de Saúde entregou propostas há três meses ao ministro Correia de Campos. O relatório continua por divulgar
Afinal, o Serviço Nacional de Saúde (SNS) tem ou não sustentabilidade financeira? E o que é preciso fazer para a garantir no longo prazo? As respostas para estas questões estão elencadas num relatório elaborado por um grupo de dez especialistas a quem o ministro da Saúde pediu, em Março de 2006, que estudasse a complexa problemática. Preocupado com a dimensão da despesa - em 2006, o Estado gastou diariamente cerca de 20 milhões de euros na saúde -, o ministro Correia de Campos convidou os peritos a avaliarem a situação e a apresentarem propostas.
Ontem, fez exactamente três meses que a comissão entregou ao ministro o relatório, documento esse que deveria ter sido colocado em discussão pública em Março. Até hoje, porém, permanece no segredo dos deuses. Continua em análise nos ministérios da Saúde e das Finanças, adianta apenas a assessora de imprensa de Correia de Campos, sem entrar em mais detalhes.
Escusando-se a falar sobre o teor do relatório enquanto este não for divulgado, o presidente da comissão, Jorge Simões, que foi assessor para a Saúde do ex-presidente Jorge Sampaio, afirma que a solução para o problema da sustentabilidade é, necessariamente, "plural". Admite apenas que há aspectos "óbvios" no panorama actual que devem ser questionados. E dá os exemplos do regime de isenção de taxas moderadoras - que abrange mais de metade da população portuguesa - e o da manutenção da contribuição do Estado para os subsistemas de saúde, nomeadamente a ADSE.
Os mais de 50 por cento dos portugueses que não pagam taxas moderadoras nos hospitais e centros de saúde dividem-se em três grandes grupos: um tem a ver com os rendimentos (estão isentos de taxas moderadoras os cidadãos que ganhem o salário mínimo nacional); outro, com a cronicidade das doenças; mas o último grupo "é um saco sem fundo", considera o especialista, advogando que a situação seja revista, mesmo que não venha a ter grande impacte nas contas do SNS. As taxas moderadoras actuais representam menos de um por cento do orçamento, lembra.
Sem querer apressar a divulgação do relatório, Jorge Simões não deixa de lamentar o atraso do processo. "Como investigador, gostava que o documento fosse colocado à discussão, porque reunimos muita informação. Foram constituídas várias equipas de investigação. Fizemos uma fotografia de Portugal", afirma, acrescentando que o grupo de trabalho analisou ainda os casos de Alemanha, França, Países Baixos, Espanha e o do estado norte-americano de Massachussets.
Um das razões que estarão na base do atraso na divulgação do relatório prende-se com a previsível impopularidade das medidas sugeridas. Em Fevereiro, o Diário Económico desencadeou polémica, ao anunciar que uma das propostas da comissão passava pela criação de um novo imposto para a saúde, como medida extrema, em caso de falência do sistema. O ministro assegurou de imediato que o Governo não tenciona criar novos impostos para garantir a sustentabilidade financeira do SNS, mas a proposta deverá constar do relatório final, ainda que com um enquadramento diferente, segundo o Diário Económico. A comissão defende ainda a manutenção do SNS público e universal, o fim da contribuição do Estado para os subsistemas, a avaliação económica antes da introdução de novas tecnologias e fármacos, a criação de um seguro complementar público voluntário e o aumento das taxas moderadoras a um ritmo não inferior ao da inflação - o que já aconteceu este ano, aliás.
Correia de Campos anunciou a formação deste grupo de trabalho depois de, em Fevereiro de 2006, ter desencadeado uma vaga de protestos, ao admitir a possibilidade de recorrer a medidas drásticas, alterando o modelo de financiamento do SNS e pondo os utentes a pagar parcialmente os custos.