Isabel Arriaga e Cunha, Bruxelas, in Jornal Público
Calendário para resolução do impasse institucional acelerou-se, o que deixará à presidência portuguesa quase só a redacção.
José Sócrates assume a presidência a 1 de Julho e deverá presidir à CIG, talvez reservada às arbitragens finais
a Depois de dois anos de desorientação total, o processo de recuperação da Constituição Europeia acelerou-se subitamente, de tal forma que um acordo político sobre o conteúdo de um novo tratado capaz de a substituir poderá ser concluído já na cimeira de líderes da União Europeia (UE) de 21 e 22 de Junho.
Se assim for, a presidência portuguesa da UE, que arranca a 1 de Julho, ficará praticamente apenas com a missão de traduzir juridicamente os termos do acordo, em vez de ter de arbitrar uma difícil e desgastante negociação política entre países com concepções diferentes sobre a integração europeia.
Se o acordo será possível em Junho, é uma questão que ainda está em aberto, mas que está a suscitar um corrupio entre líderes europeus um pouco por toda a Europa, procurando soluções para os problemas que persistem.
O consenso crescente entre os Vinte e Sete é que o essencial das disposições da Constituição - rejeitada nos referendos francês e holandês de 2005 - deverá ser recuperado e traduzido num novo tratado "simplificado". Ou seja, escrito em linguagem tradicional de tratado, sem os símbolos da Constituição, e concentrado nos aspectos capazes de reforçar a eficácia da acção comunitária.
Só que, enquanto há um ano os Governos decidiram que este processo se desenrolaria em dois anos - entre a actual presidência alemã e a francesa, no segundo semestre de 2008 - actualmente a ambição da maioria é conseguir concluí-lo num mês.
Esta aceleração do calendário resulta de uma conjugação de factores que criaram um sentimento de urgência na maior parte das capitais. "A impaciência face a uma solução cresceu, em conjunto com a constatação de que é simultaneamente possível e urgente", reconheceu um negociador.
A primeira razão resulta da clarificação da situação política em França com a eleição do novo Presidente, Nicolas Sarkozy, que se considera investido de um mandato claro do eleitorado para negociar um tratado simplificado a ratificar pelo Parlamento, e não por referendo. A sua decisão desanuviou por completo o horizonte, levando os parceiros a acreditar pela primeira vez em dois anos na possibilidade de uma solução.
Sarkozy iniciou funções com pressa de encerrar rapidamente o impasse institucional, desdobrando-se, aliás, em contactos para esse fim, a pedido, nomeadamente, de Angela Merkel, chanceler federal da Alemanha, que preside actualmente à UE.
A pressa de Blair
Igual decisão por parte do Governo britânico quanto ao método de ratificação eliminou a última espada de Dâmocles que poderia pairar sobre o novo tratado, embora neste caso a decisão possa constituir um presente envenenado: o Reino Unido condiciona o abandono do referendo à elaboração de um texto absolutamente minimalista (ver caixa).
Tony Blair, primeiro-ministro britânico, quer deixar a totalidade do conteúdo do futuro tratado decidida na cimeira de Junho, que decorre cinco dias antes da sua saída em favor do seu ministro das Finanças Gordon Brow, que recusa ter de se debater durante muito tempo com as discussões institucionais.
A acrescentar a todos estes factores está o facto de Merkel estar absolutamente determinada a conseguir um acordo já em Junho, de forma a poder controlar de perto o conteúdo do novo tratado. Quanto mais não seja por ser a Alemanha que mais tem a ganhar com a sua mecânica institucional.
Finalmente, os 18 países que já ratificaram a Constituição, e que querem preservar o essencial das suas disposições, já perceberam que o tempo não jogará necessariamente a seu favor, no sentido de que não conseguirão mais tarde o que não obtiverem em Junho. Sobretudo quando as coisas tenderão a ser ainda mais difíceis com Gordon Brown, tido como eurocéptico, à frente do Governo britânico.
"O novo calendário que se impôs nas últimas semanas é que é preciso resolver tudo em Junho", resumiu um embaixador europeu. O que significa, precisou, que "as verdadeiras negociações decorrem agora".
Portugal, que assume a presidência da UE a 1 de Julho, aplaude muito particularmente este cenário, que afasta o risco de se ver a braços com um mero "roteiro" sobre os procedimentos a seguir, como estava previsto ainda há pouco, e que o obrigaria a pilotar um longo e difícil processo negocial (que decorre obrigatoriamente numa conferência intergovernamental, CIG).
Se tudo correr como previsto, a presidência portuguesa terá apenas de vigiar o processo de tradução jurídica dos termos do acordo em alterações aos actuais tratados, e de presidir a uma CIG muito rápida para as arbitragens finais.