Alexandra Campos, in Jornal Público
Primeira avaliação da fase experimental da rede de cuidados continuados permitiu
detectar vários problemas. Por exemplo, não há resposta para pessoas com demências
Noventa por cento das pessoas integradas nos projectos-piloto da rede de cuidados continuados (1406, no fim de Abril) estavam em casa sem assistência adequada. Uma parte substancial (67 por cento) não dispunha de apoios de qualquer espécie. E, ao contrário do que se poderia pensar, não são apenas os idosos que necessitam deste tipo de resposta destinada a pessoas em situação de dependência e a doentes que já não precisam de tratamento agudo nos hospitais: mais de um quarto dos indivíduos referenciados nesta fase experimental têm entre 15 e 60 anos.
A primeira avaliação da Rede Nacional de Cuidados Continuados Integrados - que hoje comemora o primeiro aniversário, apesar de ter arrancado no terreno só no final de Outubro de 2006 - já permitiu obter um "bom retrato da realidade" e detectar uma série de "constrangimentos", adianta Inês Guerreiro, responsável pela unidade de missão que há mais de um ano trabalha no sentido de colmatar as graves lacunas na assistência de saúde e de apoio social a pessoas em situação de dependência em Portugal.
A avaliação incidiu sobre o primeiro semestre de funcionamento das unidades (Novembro de 2006 a Abril de 2007), durante o qual foram referenciadas 1750 pessoas em condições para integrar a rede, mas considerados apenas 1406 casos. Os principais motivos de entrada na rede prendem-se com a falta de apoios de qualquer espécie ou com o facto de as famílias não terem capacidade para tratar os seus dependentes. São "situações de grande risco", sintetiza Inês Guerreiro, frisando que, do total, apenas 15 por cento recebem apoio domiciliário da segurança social, 12 por cento beneficiam de apoio de técnicos de saúde e 2 por cento ajuda para medicamentos.
Há muito a fazer, portanto, até porque os objectivos são ambiciosos - criar alternativas na comunidade que permitam dar resposta às 160 mil pessoas com patologias múltiplas e situações de dependência identificadas.
E a fase experimental já serviu para detectar alguns problemas. Destes, Inês Guerreiro destaca o facto de não existirem, por enquanto, respostas para demências (como Alzheimer) e a circunstância de haver já listas de espera nalgumas das 56 unidades em funcionamento, o grosso das quais pertencem a misericórdias. "Temos que rapidamente alargar as unidades de média e longa duração e de cuidados paliativos", defende, considerando também que ainda há "muitas fragilidades" no apoio domiciliário.
Manuel Lemos, da União das Misericórdias Portuguesas, destaca outros constrangimentos: alguns hospitais ainda não estão a transferir doentes para as unidades como deveriam e os preços pagos por diária de internamento (que oscilam entre 37 e os 83 euros) "são muitos baixos e terão que ser corrigidos". Inês Guerreiro adianta, a propósito, que já está previsto um acréscimo de de cerca de 10 euros por dia, um financiamento complementar para fármacos, exames de diagnóstico e outro material.
No final de Abril estavam disponíveis cerca de 900 camas - 323 das quais em unidades para convalescença, 242 em unidades de média duração e reabilitação e 312 em unidades de longa duração, havendo apenas 23 para cuidados paliativos. Este mês juntaram-se mais cem camas, um total que fica perto do objectivo inicial: 1100 camas.
As regiões Norte e Centro e o Algarve estão mais adiantados do que a região de Lisboa e Vale do Tejo e a do Alentejo, adianta Inês Guerreiro, sublinhando que o relatório completo de avaliação será divulgado em breve. Por patologias, predominam as doenças cardiovasculares (35 por cento), seguidas das fracturas ósseas e das doenças respiratórias. No final estão as demências (5 por cento) e os cancros com necessidade de cuidados paliativos.
"A rede não tem apenas uma vocação de cuidar, mas também de prevenir o agravamento das doenças e incapacidades e situações de dependência e evitar o regresso aos hospitais", diz Inês Guerreiro.