António Marujo, in Jornal Público
Os discursos de Bento XVI têm oscilado entre a oposição ao aborto, a condenação do relativismo e a defesa da atenção prioritária aos pobres
Terminou ontem à noite (hora de Lisboa) a visita do Papa Bento XVI ao Brasil, com a alocução dirigida aos bispos que, até fim do mês, participam na assembleia da Conferência do Episcopado Latino-Americano e das Caraíbas. Nos discursos, o Papa tem oscilado, como num samba, entre a defesa da moral tradicionalmente proposta pela hierarquia católica e a questão social.
O Papa condenou por várias vezes o aborto, mas pediu também prioridade aos mais pobres e a defesa da ecologia e da Amazónia. O exemplo do discurso aos bispos brasileiros, sábado à noite, evidencia essa oscilação pendular do Papa. "Os tempos de hoje são difíceis para a Igreja", verificou o Papa, "e muitos dos seus filhos estão atribulados". O Papa enuncia razões: "Ataca-se impunemente a família."
Há outros fundamentos para aquela afirmação: "Justificam-se alguns crimes contra a vida em nome dos direitos da liberdade individual; atenta-se contra a dignidade do ser humano; alastra-se a ferida do divórcio e das uniões livres."
Preocupação com as seitas
Os bispos brasileiros ouviram também o Papa falar dos novos movimentos religiosos - ou seitas -, tema que angustia muitos deles. O abandono de católicos terá, como "causa principal", a falta "de uma evangelização em que Cristo e a sua Igreja estejam no centro de toda a explanação". E esses baptizados de fé frágil são "vulneráveis ao proselitismo agressivo das seitas", não resistem ao agnosticismo, relativismo e laicismo".
Primeira recomendação aos bispos: "Não poupar esforços na busca dos católicos afastados e daqueles que pouco ou nada conhecem sobre Jesus Cristo, através de uma pastoral de acolhimento que os ajude a sentir a Igreja como lugar privilegiado do encontro com Deus e mediante um itinerário catequético permanente."
A missão evangelizadora da Igreja deve concretizar-se - e vêm as questões sociais - dialogando "com todos". Se as pessoas vivem na pobreza, dizia o Papa, "é preciso" solidariedade. "O povo pobre das periferias urbanas ou do campo precisa sentir a proximidade da Igreja, seja no socorro das suas necessidades mais urgentes, como também na defesa dos seus direitos e na promoção comum de uma sociedade fundamentada na justiça e na paz."
Para que não restem dúvidas sobre o carácter essencial desta opção para a Igreja, Bento XVI acrescenta que "os pobres são os destinatários privilegiados do evangelho". E nenhum bispo deve oferecer o "bálsamo da fé" descuidando o "pão material".
O Papa referiu-se ainda ao défice de "desenvolvimento social" do Brasil, com o "imenso contingente de brasileiros vivendo em situação de indigência e uma desigualdade na distribuição do rendimento que atinge patamares muito elevados". Por isso é necessário insistir na dignidade humana e não apenas no factor económico, disse. E formar políticos e empresários nessa perspectiva.
Como é que tudo isto se consegue? O Papa quer "um salto de qualidade na vivência cristã do povo" e uma atitude de diálogo ecuménico.
Um samba de duas notas só.