Ana Dias Cordeiro, in Jornal Público
Nos quatro anos que se seguiram ao fim da guerra em Angola, pelo menos 20 mil pessoas foram desalojadas à força, frequentemente sujeitas a actos de violência por parte de agentes da polícia ou de uma empresa privada de segurança, a Visgo. Poucas foram realojadas e quando isso aconteceu foram para casas construídas em localizações que as penalizaram. Algumas foram indemnizadas mas quase sempre as indemnizações foram atribuídas de forma arbitrária. Em muitos casos, não houve realojamento nem indemnização.
Estas são algumas das conclusões de um relatório da Human Rights Watch e da organização não governamental (ONG) angolana SOS Habitat, Angola: milhares despejados à força no boom económico do pós-guerra, divulgado hoje. O documento de 105 páginas descreve um processo que viola as normas nacionais e internacionais de direitos humanos, da responsabilidade do Governo angolano, numa altura em que Angola se candidatou a um lugar de membro do Conselho dos Direitos Humanos da ONU, que deverá ver confirmado quinta-feira.
Carmen Silvestre, pesquisadora da Divisão África da Human Rights Watch (HRW) em Bruxelas, prefere não falar em "contradição" nos critérios. Antes diz: "Espero que essa candidatura seja uma demonstração genuína da vontade política do Governo em mudar as práticas de direitos humanos no país."
Além de serem acompanhados do uso da força com armas como meio de intimidação, os despejos forçados mostraram uma "situação generalizada" de falta de protecção - jurídica e não só - dos cidadãos que vivem nos bairros de habitação informal, e que constituem mais de metade dos cinco milhões de habitantes que se estima estejam a viver na capital. Os dados são do Governo, que avança o número de 400 mil lares informais.
"Estes despejos em larga escala violaram as normas angolanas e internacionais de direitos humanos e deixaram muitos angolanos sem abrigo e na miséria, sem acesso a vias legais de recurso", lê-se na apresentação do relatório. A situação não é nova - entre 2002 e 2006, o Governo angolano levou a cabo 18 despejos forçados. E pode continuar: "Milhares de angolanos continuam expostos a despejos forçados como resultado da incapacidade do Governo em resolver a esmagadora insegurança de posse da terra."
Condomínios privados
A investigadora Carmen Silvestre explica que se a organização lança agora um relatório sobre um processo que decorreu nos últimos anos é "para mostrar que existe um padrão de comportamento do Governo angolano que não mudou". Não só porque "não foram tomadas as medidas" para precaver estes abusos, como "o risco é ainda substancial". Por duas razões: "A maioria da população de Luanda não tem um título formal de posse da terra, não tem um registo das casas ou das terras que cultivam" e o Governo avança para projectos urbanísticos, de desenvolvimento e infra-estruturas. "As pessoas vão continuar a estar em risco", conclui.
Desde o fim da guerra, a tendência foi no sentido de um agravamento da situação dos despejos forçados que a HRW e a SOS Habitat associam ao processo de reconstrução que se seguiu ao fim dos 27 anos de guerra civil, e que "envolve numerosos projectos de desenvolvimento e "embelezamento", fomentados pelos rendimentos crescentes provenientes do petróleo e por um considerável crescimento económico", lê-se no relatório.
Essas obras incluem alguns projectos de "desenvolvimento" e "infra-estruturas" mas também condomínios privados e mansões luxuosas que crescem ao lado dos "bairros informais".
O relatório da Human Rights Watch e da SOS Habitat será apresentado num debate informal amanhã no Parlamento Europeu, onde estará o embaixador de Angola em Bruxelas, Toko Serrão. Num contacto do PÚBLICO, Serrão remeteu a reacção para essa discussão pública. Iniciativas entre parlamentares europeus já antes tiveram lugar mas não mudaram a situação, disse no passado ao PÚBLICO o responsável da SOS Habitat Luís Araújo, que atribuiu o "desinteresse" dos europeus à falta de vontade de confrontar Luanda para não comprometer os seus interesses em Angola.