31.5.07

A Pobreza tem de ser vencida

in Agência Ecclesia

Teve lugar nos passados dias 25 e 26 de Maio, em Lisboa, uma Conferência da responsabilidade da Comissão Nacional de Justiça e Paz, tendo por tema Por um desenvolvimento global e solidário – um compromisso de cidadania.

Num documento como este, torna-se impossível dar conta dos múltiplos temas ali abordados e da importância que eles revestem para nós, quer como simples cidadãos, quer como cristãos. Alguns números, porém, talvez nos façam sair, um pouco, desta letargia em que nos encontramos perante o que actualmente se está a passar em algumas zonas do globo. Assim:

- mais de cinquenta mil crianças morrem por dia, vítimas da fome, de doenças evitáveis, de falta de higiene e de cuidados básicos de saúde, incluindo a vacinação;

- 2,8 mil milhões de pessoas vivem com menos de 1 dólar por dia;

- mil milhões de pessoas habitam em bairros miseráveis urbanos;

- a esperança de vida na África subsaariana situa-se nos 46 anos (a dos países da OCDE é de 78 anos).

Por outro lado, a diferença entre os países ricos e os países pobres está a acentuar-se. Assim, os países ricos, a que corresponde 20% da população mundial, cresceram 2,2% ao ano nos últimos 23 anos; nesse mesmo período de tempo, os países pobres, com os restantes 80% da população, caíram 0,3% ao ano (0,5% no que se refere aos países subsaarianos). Além disso, para manter um estilo médio de vida americano precisaríamos de seis planetas Terra para o sustentar.

Estes são alguns dos dados que traduzem uma realidade que não pode tolerar-se: a par de um consumismo exacerbado por parte de alguns, de uma industrialização que, frequentemente, está ao serviço do supérfluo e de um estilo de vida que põe em risco a sobrevivência do planeta Terra (de que estamos já a sentir alguns dos seus efeitos, através das alterações climáticas), coexiste, em proporções desmesuradas, uma pobreza extrema, privada das condições materiais mínimas compatíveis com a dignidade humana.

Já João Paulo II, na carta apostólica Novo Millennio Ineunte, em 2001, dizia: “Como é possível que ainda haja, no nosso tempo, quem morra de fome, quem esteja condenado ao analfabetismo, quem viva privado dos cuidados médicos mais elementares, quem não tenha uma casa onde abrigar-se? (...) E como ficar indiferentes diante das perspectivas dum desequilíbrio ecológico, que torna inabitáveis e hostis ao homem vastas áreas do planeta? (...) Ou frente ao vilipêndio dos direitos humanos fundamentais de tantas pessoas, especialmente das crianças?”.

Ora, estas pessoas que vivem esta pobreza são como que excluídas da humanidade; foi-lhes retirada a dignidade e esta é inerente à família humana. Do que se está a tratar é, simplesmente, de violação grosseira da Declaração dos Direitos Humanos que, no seu artigo 1º, diz: “Todos os seres humanos nascem livres e iguais em dignidade e em direitos. Dotados de razão e de consciência, devem agir uns para com os outros em espírito de fraternidade.”

A pobreza não pode ser evitada pela caridade. Aquela põe em questão os fundamentos da justiça. Ora este tipo de injustiça desumaniza. É preciso que se tome consciência dela para que seja combatida. Se, como afirmou na Conferência Pierre Sané, Sub-Director Geral da Unesco, o apartheid e a escravatura foram abolidos, também a pobreza, esta pobreza que retira a dignidade humana às pessoas, terá que o ser.

A sua abolição é uma prioridade e talvez implique uma nova ordem internacional. Talvez acarrete o estabelecimento de outras prioridades por parte dos governos dos Estados. Mas, principalmente, a sua abolição supõe um maior espírito de fraternidade quer por parte dos Governos, quer por parte dos cidadãos.

E que dizer da pobreza em Portugal? Ela não atinge as formas de extrema severidade como a que existe nos países subsaarianos. No entanto, cerca de 20% das pessoas (2 milhões) detinham, em 2005, segundo um estudo de Maria Eduarda Ribeiro, da Comissão Nacional de Justiça e Paz, um rendimento disponível familiar equivalente, depois das transferências sociais, abaixo dos 60% da mediana nacional. Esta taxa de risco de pobreza era apenas ultrapassada pela Polónia e pela Lituânia. Por outro lado, o estudo atrás referido indica que a elevada taxa de pobreza registada em Portugal está associada a uma acentuada desigualdade que se agravou nos últimos anos, isto é, o crescimento económico vem sendo apropriado por uma minoria e não tem servido para erradicar a pobreza, incluindo as suas manifestações extremas.

Como explicar, então, que o crescimento económico a que o País assistiu ao longo dos últimos 20 anos não tenha servido para melhorar as condições de vida dos cerca de dois milhões de pessoas cujos rendimentos ficam abaixo do limiar de pobreza?

Como explicar o funcionamento da nossa economia e da organização da sociedade portuguesa quando não se foi capaz de corrigir os mecanismos que conduziram à exclusão de 20% da nossa população?

E em que medida os cristãos fizeram da Doutrina Social da Igreja o instrumento para as suas decisões, tomadas de posição e comportamentos na comunidade, de modo a colaborarem na construção de um País menos pobre e com maior justiça social?