9.1.11

"A carga fiscal atingiu os limites do suportável"

Carlos Moreno, in Diário de Notícias

Depois de quase duas décadas passadas a efectuar auditorias às despesas de organismos públicos, o antigo juiz fala de uma máquina do Estado demasiado pesada, que gasta muito mais do que devia.

Considera que o Estado português é demasiado "pesado"? Porquê?
O Estado português é demasiado pesado. Gasta muito mais do que deveria gastar e, pior ainda, continua a gastar o que não tem. A despesa pública ultrapassa 51% do PIB e existem cerca de 14 mil entidades que comem à mesa do OE sem que o Estado se dê ao trabalho de avaliar a racionalidade do que com elas gasta e muito menos a utilidade social do que assim gasta. Nenhuma empresa privada sobreviveria com este estilo de vida. Entretanto, a classe média vê o seu rendimento mensal e a sua qualidade de vida serem draconianamente amputados pelo Estado, através de sucessivos pacotes de austeridade cegos e não explicados pelos responsáveis públicos (a não ser com retórica política). Em relação a si próprio, o Estado faz de conta que poupa qualquer coisa. Sentem-se cada vez mais sinais de revolta social.

Considera que os investimentos em obras públicas contribuem para o desenvolvimento do País ou, pelo contrário, comprometem o crescimento futuro?
Até ao saneamento sólido das contas públicas e à verificação do crescimento económico sustentado, o Estado deveria limitar-se a investimento público reprodutivo e criador directo de emprego.

O Estado deveria privilegiar o aumento de impostos ou a redução da despesa?
A carga fiscal atingiu os limites do suportável, sobretudo para os trabalhadores por conta de outrem, e as gerações futuras estão empenhadas por largos anos com pagamento de capital e juros de empréstimos que continuam a ser contraídos (para pagar os empréstimos anteriores que se vão vencendo, porém a um juro cada vez mais elevado) e com os encargos enormes contraídos com PPP em projectos para que não há consenso nacional e cuja utilidade para as gerações vindouras é acentuadamente duvidosa. As gerações futuras correm o risco sério de não poderem dispor de um Estado social, mínimo que seja, por falta de verbas públicas para o sustentar. O único caminho é o de reduzir toda a despesa que não satisfaça nem preencha os critérios da economia da eficiência e da eficácia e em que não se demonstre que satisfaz uma necessidade colectiva essencial.

O Estado deveria considerar a possibilidade de despedimento na função pública ?
O Estado de forma clara, publicamente explicada, racional e devidamente estudada e fundamentada deveria proceder a uma clara reforma dos efectivos das administrações públicas central e local, incluindo os efectivos das mais de mil empresas estatais e locais. Esta reforma implicaria avaliação da utilidade social dos bens e serviços prestados das duplicações dos mesmos e da respectiva falta em muitas regiões do País. Sem uma avaliação correcta da realidade e o acordo e a mobilização dos trabalhadores públicos e do País, nada se fará neste domínio, a não ser pequenas habilidades de retórica política opacas, sem estudo nem justificação e condenadas ao insucesso.

Onde é que se deve cortar para conseguir reduzir a despesa pública?
O Executivo que recebeu mandato do povo para governar e resolver os problemas do País é que tem de estudar, avaliar e explicar publicamente, com verdade e amplitude e de forma a que os cidadãos compreendam, onde é que deve cortar para reduzir a despesa pública. Mas antes de tudo é vital que o Executivo dê exemplo público generalizado, sem quaisquer excepções de um comportamento intransigente de austeridade. Qualquer gasto público supérfluo constitui hoje pecado social. E o Executivo em vez de desculpar tais ocorrências tem de as punir exemplarmente. Não são aspectos de formalidades ou de legalidade que estão em causa é a substância da vida em comum que está em jogo. Para além de dar o exemplo de austeridade praticada e querida, o Executivo tem de ser credível a controlar e a punir os desvios à austeridade, por mínimos que sejam.